Por Bruno Romano, da revista Go Outside
Estamos há mais de três horas dentro de uma floresta densa e escura da Nova Zelândia, andando entre copas de árvores centenárias. Espécies de silver fern, a samambaia nativa e símbolo maior do país, também marcam presença por todos os lados. Nosso grupo, com cerca de 10 pessoas e dois guias, anda com cadeirinhas de escalada e capacetes. Vamos de um lado para o outro nos pendurando em cabos de aço e pontes de madeira. Por trás deste trajeto maluco de tirolesas e plataformas montadas em imensas árvores, está a história de salvação deste importante pedaço de floresta nativa – e de todos os animais que voltaram a habitar o lugar.
O cenário pode parecer sombrio, mas estamos bem longe do perigo. Essa área verde conhecida como Mamaku Forest está colada na cidade de Rotorua, uma região sagrada para os primeiros maoris que habitaram a ilha norte da Nova Zelândia, o que ajudou o local a se tornar um dos grandes centros turísticos kiwis atuais. Detalhe: como o país não abriga nenhum animal selvagem de maior porte – esqueça bichos venenosos como escorpiões ou felinos grandes como onças. Os grandes habitantes da floresta são os pássaros. Mas a chegada dos colonizadores ao país trouxe também pragas implacáveis, como os ratos, e outros pequenos roedores que se multiplicam rapidamente por uma terra onde não há predadores. Há apenas três anos, no entanto, as aves nativas (que estavam sendo dizimadas a uma velocidade alarmante) ganharam um grande aliado contra os tais intrusos, em um inovador projeto que integra turismo de aventura com proteção ambiental.
Quem nos guia por dentro da floresta Mamaku é o pessoal da Canopy Tours, agência responsável por montar um inédito roteiro turístico de 1,2 km que mistura tirolesas, pontes, plataformas suspensas e trilhas. Foi deles a ideia de unir a diversão com a recuperação da área no projeto Forest Restoration, que começou pra valer mesmo em 2013. O guia neozelandês Gary Coker, que lidera nossa passagem pela floresta, participou da criação do programa e segue à frente das principais atividades. “Com centenas de armadilhas espalhadas, já conseguimos deixar 10 % da área livre de predadores. É claro que precisamos continuar para não perder terreno, já que o nosso objetivo é recuperar todos os 500 hectares da região”, conta Gary, enquanto mostra uma das armadilhas modernas, capaz de aniquilar de 10 a 15 roedores antes de ser limpa para reuso. A “faxina” do espaço não é das mais bonitas de se ver, mas as lideranças ambientais do país chegaram à conclusão de que esta é a melhor forma de recuperar o equilíbrio natural – na falta de predadores para os roedores, estes últimos se tornaram donos do pedaço, se alimentando dos ovos das aves nativas, muitas delas em risco de extinção.
O habitat desses pássaros é de dar inveja, concentrado em uma área conhecida como Dansey Road Scenic Reserve, dentro da floresta Mamaku, principal foco do projeto de proteção. Em uma imersão pela região, é possível ver (de baixo e de cima) imensas silver ferns, além de árvores como a nativa rimu, com exemplares que ultrapassam 500 anos de vida. Em uma plataforma de 22 metros de altura, nos lançamos de uma rimu através de um cabo de aço de 220 metros, o maior de toda a brincadeira. Em meio a isso, se ouve diversos pássaros locais, prova de que a luta contra os intrusos tem surtido efeito.
Em Rotorua, para se ter uma ideia, dá para entrar em intenso contato com a cultura maori em um dos maiores centros do assunto no país, o Te Puia, visitar de barco ou helicóptero um vulcão marinho ativo na inabitada White Island, ou desvendar uma área de atividades termais, com lamas medicinais, no Hells Gate. Se preferir mais ação, é possível passar o dia fazendo rolês surreiais de mountain bike pelo Skyline ou pela Redwood Forest, girar ladeira abaixo dentro de uma bola de plástico gigante (isso é muito divertido!) com o OGO, ou ainda fazer rafting no Kaituna, um rio sagrado para os maoris.
Enquanto o turismo ferve em Rotorua, na floresta Mamaku a luta entre aves e predadores segue intensa. A maioria dos turistas sequer sabe da batalha (e do projeto ambiental) antes de ir se divertir nas tirolesas. Mas, invariavelmente, os aventureiros se conectam com a ação depois do privilégio de visitar um dos poucos pedaços de mata nativa que lutam pela sobrevivência na Nova Zelândia.
NATUREZA BRUTA: Circuito de tirolesa nas florestas nativas de Rotorua, na Nova Zelândia (Foto: Paula Carpi)
PASSAGEM MÁGICA: Uma das pontes construídas a mão dentro da Mamaku Forest (Foto: Paula Carpi)
SÍMBOLOS KIWIS: A tradicional silver fern e o nativo Kakapo (Fotos: Paula Carpi e Divulgação)
“Foram seis meses até a estrutura atual ser montada. Tudo foi feito com as mãos, sem intervenção de máquinas. E a melhor parte, claro, foi testar essas tirolesas”, nos conta James Fitzgerald, diretor da Canopy Tours e idealizador do projeto de recuperação. Nos últimos 12 meses, relata James, 20 mil pessoas passaram pelo atrativo, sendo 8 mil neozelandeses e 12 mil turistas estrangeiros. “As tirolesas acabam tendo um impacto mínimo na floresta, o que nos permite seguir adiante com turismo e preservação da área”, acrescenta ele. Os turistas acabam encontrando no roteiro uma opção diferente as várias atividades outdoor da região.
LUTA AMBIENTAL: O guia Gary Coker em ação no controle de “intrusos” dentro da floresta (Fotos: Divulgação)