Natureza em foco

Poucos fotógrafos brasileiros já registraram documentaram tanto a natureza nacional quanto o paulista Luciano Candisani, um mestre na arte de captar a vida selvagem

Por Fernanda Beck

NÃO FALTAM CONDECORAÇÕES na carreira do paulista Luciano Candisani. Aos 44 anos, ele construiu uma carreira de sucesso como fotógrafo de natureza, sempre tentando captar a delicada relação que existe entre seres humanos, bichos e o meio ambiente. É integrante permanente da International League of Conservation Photographers (ILCP), a organização mundial dos fotógrafos que usam seu trabalho para incentivar a proteção ambiental, e da prestigiada The Photo Society, um grupo que reúne grandes nomes da fotografia que colaboram para a National Geographic.

Com imagens de rara beleza de animais, quase sempre feitas a poucos metros de distância, Luciano integra uma seleta lista de fotógrafos que têm a incrível chance de não apenas documentar alguns dos mais surpreendentes seres vivos, como de divulgar seu trabalho em favor da natureza. Em 2012, por exemplo, ele recebeu o honroso prêmio Wildlife Photographer of the Year em 2012, concedido pelo Museu de História Natural de Londres, pela foto de um jacaré com a boca aberta, feita no Pantanal brasileiro. Imóvel, a criatura esperava o momento ideal para abocanhar um peixe. Tratam-se de cenas difíceis de serem captadas. Além de coragem, é necessário conhecimento prévio da região e dos hábitos dos animais. “Na época da vazante, quando a água retorna aos rios do Pantanal, os animais ficam muito concentrados em observar os peixes para comer. Assim é possível trabalhar bem perto deles sem afugentá-los ou correr riscos.”


A CUCA VAI TE PEGAR: Jacaré prestes a abocanhar seu jantar, no Pantanal: a imagem venceu o prêmio Wildlife
Photographer of the Year de 2012 (Todas as fotos: Luciano Candisani)

A paixão pela natureza surgiu quando Luciano ainda era menino. Jacques Cousteau, o famoso oceanógrafo francês, era ídolo do garoto e foi um dos motivos pelos quais, aos 14 anos, ele decidiu fazer um curso de mergulho com cilindro. O próximo passo: arranjar uma câmera subaquática e começar a fotografar o fundo do mar, especialmente entre Ilhabela (SP) e Angra dos Reis (RJ). Anos depois, quando teve que escolher a faculdade a cursar, a opção pela biologia deu-se facilmente. E, como Luciano já tinha câmera e experiência, tornou-se o fotógrafo das expedições realizadas pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). “Fotografava de tudo, de viagens de coleta até pesquisadores em ação”, relembra.

Em 1995, apareceu uma grande oportunidade profissional. Luciano participou de duas viagens à Antártida, de três meses cada, a bordo de navios do instituto. Lá, fez um trabalho até então inédito de retratos da vida existente embaixo da superfície congelada do mar, conseguindo espaço em publicações importantes e consolidando sua carreira como fotógrafo especializado em temas ligados ao meio ambiente. “Na época da Antártida, eu fotografava, filmava, pilotava o barco e cuidava dos equipamentos de mergulho. Fazia tudo, foi uma grande escola”, conta.


TUDO PELA FOTO: Luciano em ação durante uma sessão de fotos na serra do Amolar, no Pantanal

LUCIANO SE DENOMINA UM “CONTADOR DE HISTÓRIAS”, criando narrativas visuais por meio de suas fotos. Entretanto seu objetivo vai além: “Minha motivação criativa é buscar imagens capazes de evocar a ligação inexorável entre as espécies e o ambiente, em espaços naturais ainda originais”. Cada foto carrega o encantamento de Luciano diante de paisagens saudáveis e equilibradas. Para ele, não se tratam somente de retratos de animais; a beleza que vê está, acima de tudo, na ligação entre todos esses elementos. “Uma ligação invisível, mas poderosa”, diz.


CAMUFLADO: Flagra de um tamanduá-bandeira na serra da Canastra, em Minas Gerais

Em seu trabalho, ele conta com várias estratégias, desenvolvidas ao longo dos anos. “Em meu ofício, é muito importante cercar-se de informação prévia. Isso me dá um poder de antecipação que é fundamental”, explica. Dessa forma, ele consegue se posicionar e trazer para perto de si bem mais do que um simples registro, mas uma interpretação toda particular do que vê.

Com essas técnicas e sensibilidade apurada, Luciano obteve aquela que considera sua melhor foto até hoje: a de uma macaca muriqui com seu filhote nas costas. Durante uma viagem para a Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciano Miguel Abdala (MG), o guia com quem Luciano viajava ouviu os animais se aproximando e deu a dica de que eles provavelmente passariam ali perto. A dupla precisava ser rápida, por isso correu para o alto de um morro. A fêmea surgiu, voando pelos cipós, com a mata atlântica ao fundo e seu filhote nas costas. “Foi um momento inesquecível”, lembra.

Luciano sempre faz seus retratos de perto, de preferência a até meio metro de distância daquilo que quer registrar. “Busco captar a ligação do animal com o meio ambiente através do olhar.” Suas fotos são geralmente realizadas no nível do animal ou a um nível inferior, em uma demonstração talvez inconsciente de reverência, admiração e respeito.


GRANDE CLIQUE: Uma macaca-muriqui com o filhote nas costas, em Minas Gerais, uma das fotos preferidas
de Luciano

A tecnologia também tem ajudado na captação de grandes momentos na natureza. Atualmente Luciano trabalha no projeto Legado das Águas – Reserva Votorantim, uma ampla documentação da fauna de grande porte nas florestas da mata atlântica do Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo. “Nesse projeto, estou usando estúdios camuflados, onde os animais disparam seus próprios retratos ao passar por um sensor. Resultados muito interessantes estão saindo das câmeras.”

O fotógrafo, no entanto, não vive só de momentos de glória e fotos espetaculares. Em muitos de seus trabalhos, já teve que passar horas a fio a curtas distâncias de predadores perigosos, como jacarés, piranhas, focas-leopardo, leões-marinhos e onças.

Curiosamente, o maior perigo que enfrentou é mais mundano: em Rondônia, durante uma reportagem sobre o avanço da pecuária sobre a floresta, encontrou um bezerro no pasto e se aproximou para compor uma imagem com a floresta ao fundo. “Só não percebi a mãe, uma enorme vaca nelore, vindo em disparada em minha direção. Ela parou a cerca de dois metros. Foi um susto enorme.” Outra situação tensa foi uma crise de apendicite aguda sofrida em pleno Atol das Rocas (RN), a 270 km do ponto mais próximo no continente.

Morador de Ilhabela, o fotógrafo diz não se adaptar a ambientes urbanos. Prefere mesmo estar cercado da natureza que domina seu trabalho. “Cresci entre o mar e a mata atlântica, por isso faz mais sentido para mim morar aqui. Foi onde comecei a mergulhar e a fotografar”, diz. “A fotografia está muito mais dentro de mim do que na frente das lentes.”


SENHORA DAS ÁGUAS: Outro registro espetacular de Luciano: uma baleia-jubarte nada na costa da Bahia

Olha o passarinho

Como fotografar animais em seu habitat natural

PARA FOTOGRAFAR BICHOS NA NATUREZA, é preciso, acima de tudo, paciência e perseverança. A bióloga e fotógrafa paulistana Paula Pedrosa dá aqui algumas dicas legais para você captar esse tipo de imagens. “Siga seus instintos e acima de tudo divirta-se”, diz ela.

Artrópodes: Insetos e aracnídeos podem ser observados ao longo de todo o dia. Se você se interessa pelo assunto, procure embaixo de folhas, observe bem os arbustos, levante pedras e fique de olho em casulos e teias, que possuem os mais variados formatos.

Aves: Para fotografar aves, acorde cedo. A maioria delas possui hábito diurno e é mais ativa nas primeiras horas do dia. Quanto menos atenção você chamar, maior a chance de fotografar um pássaro. Usar roupa camuflada ou tons terrosos, fazer pouco ou nenhum barulho e estar com poucas pessoas é fundamental.

Mamíferos: Fique atento às pegadas, pois mamíferos costumam visitar os mesmos locais e fazer os mesmos caminhos. Eles são mais ativos nas horas frescas do dia, como o amanhecer e o entardecer. Corpos d’água são bons locais para observá-los. Roupas pouco chamativas e não andar em um grupo grande também são dicas importantes para fotografar esse tipo de bicho.