Curto circuito

Com pegada bem urbana e moderninha, as provas de ciclismo do tipo criterium ganham várias cidades do mundo – inclusive no Brasil – e atraem quem adora bike fixa e contracultura.

Por Albert Pellegrini

AS BIKES PASSAM VOANDO tão rápido que mais parecem um enxame de abelhas zunindo e cortando o vento. Pernas e braços completamente tatuados dão um ar modernoso à competição. A cada curva fechada, a plateia leva as mãos à cabeça: o perigo de uma queda coletiva é iminente. Marcas de bike como Cinelli, Aventón e Dosnoventa dominam a cena, assim como os bonés de ciclismo conhecidos pelo termo em inglês cap. A prova exala um ar underground e rebelde, meio à la alleycats, as perigosas corridas de bike messenger no meio do trânsito de grandes cidades como Nova York. Antes da largada, dá para ouvir o som de uma banda de rock indie tocando nos auto-falantes.


NA PEGADA: Competidores do primeiro Critério Fixed, que rolou em 2014 nas
imediações do Maracanã, no Rio de Janeiro, e que acontecerá este ano nos dias 27 e 28 de junho
(Foto: Victor Gollnik).

Bike, contracultura, ciclismo urbano e esporte competitivo se misturam nos chamados criteriums (ou critérios), como são conhecidas as provas em circuito curto e fechado, de 1 km a 2,5 km, que surgiram nos Estados Unidos e Europa e que vêm, aos poucos, ganhando força em diversas cidades mundo afora. Até no Brasil: no dia 27 de junho acontecerá, no Rio de Janeiro, a segunda edição do Criterio Fixed.

Realizada em maio passado, a primeira edição da prova carioca rolou nas imediações do Maracanã, com a participação de ciclistas de diversos estados, quase sempre oriundos da cena das bikes fixas, e não do ciclismo de estrada convencional. “Corri o Red Hook Crit, nos Estados Unidos, em 2011 e fiquei impressionado com o formato do evento. Aí decidi trazer um critério para cá, bem nos moldes do que eu havia experimentado lá fora”, diz Alex Bueno de Moraes, criador e organizador da prova, referindo-se a um dos circuitos mais famosos entre os critérios urbanos do mundo. Em 2015, o Criterio Fixed será na Barra da Tijuca, em um percurso de 1,16 km no estacionamento da Cidade das Artes (para participar, acesse criterio.cc).


MECÂNICO: Competidor faz ajustes na bike antes da largada do Critério Fixed, no
Rio de Janeiro (Foto: Victor Gollnik)

A palavra criterium vem do francês e quer dizer “competição”. Não confundir com provas consagradas há décadas, como o Critérium du Dauphiné, que existe desde 1947 na França, é composta por oito etapas e faz parte do calendário oficial da UCI, o órgão que coordena o ciclismo profissional internacional. O nome critérium, no caso do renomado evento francês, é usado apenas para designar uma competição com bikes de estrada.

A duração dos criteriums de rua – organizados, em geral, por amantes do ciclismo e da cultura de bike urbana – pode ser determinada em número de voltas no circuito ou em tempo pré-definido. Normalmente as provas levam uma hora, bem menos que uma prova tradicional de ciclismo de estrada, entretanto sua velocidade média e intensidade são consideravelmente altas devido aos percursos planos e extremamente técnicos. Há duas formas de definir o vencedor: o primeiro que cruzar a linha de chegada sem tomar uma volta inteira dos demais, ou por somatória de pontos (de acordo com a classificação em cada volta).

POUCOS CRITERIUMS DERAM TÃO CERTO quanto o Red Hook Crit, criado em Nova York em 2008, em uma área do Brooklyn de mesmo nome. A primeira edição aconteceu para celebrar o 26º aniversário de David Trimble, um de seus criadores. Totalmente underground, não tinha patrocinadores, prêmio, muito menos autorização da prefeitura. A corrida começou a ser filmada e fotografada por gente talentosa, o que ajudou a transformá-la em sucesso nas redes sociais e fóruns de bike. Hoje o Red Hook Crit já conta com apoio de marcas consagradas como Giro, Cinelli e Castelli, além de edições em Barcelona e Milão (e pretensões de se expandir para Berlim).


ALINHADAS: Competidoras na largada da Critério Fixed, que rolou no Rio de Janeiro
em 2014 (Foto: Victor Gollnik).

Outro fenômeno dos criteriums de rua é o circuito norte-americano Wolfpack Hustle, que começou como uma corrida extremamente underground e informal que rolava no mesmo percurso da Maratona de Los Angeles, horas antes da largada da corrida. Ele acabou se tornando um evento em percurso fechado, com bicicletas fixas, e hoje acontece em várias cidades dos Estados Unidos como Long Beach, na Califórnia, e Austin, no Texas, com apoio de marcas de peso, entre elas a Red Bull.

Por serem realizados em circuito fechado dentro de áreas urbanas, os criteriums acabaram atraindo um público que dificilmente assistiria a provas tradicionais de ciclismo de estrada – o que, para marcas que estão tentando conquistar clientes mais casuais e expandir seus negócios para o universo das bikes urbanas, como a Giro, é bem estratégico.

Aos poucos os criteriums foram se adaptando para incluir apenas bicicletas fixas (com uma só marcha, catraca fixa e geralmente sem freio). As regras costumam ser bem definidas: só podem participar bikes fixas, com guidão drop, e atletas usando sapatilhas de bike, presas em taquinhos no pedal. Nas categorias iniciante e feminina (leia nesta reportagem a entrevista com a ciclista Jo Celso, grande nome dos criteriums de mulheres), existem certas liberdades, como uso de firma-pé e freio dianteiro.

Para se dar bem em um criterium, é necessário desenvolver um mix de boas técnicas (veja algumas dicas ao lado), em particular a habilidade de desacelerar na entrada de uma curva e, ao mesmo tempo, seguir em meio aos demais competidores sem colisões. É preciso ainda ter bastante fôlego para acelerar e retomar a velocidade logo em seguida, além de suportar diversos “ataques” dos rivais. Mas tudo rola num clima de diversão e informalidade que transforma a prova em uma celebração de todos os que amam bicicleta, independentemente da performance ou forma física.


UNIFORME: a estilosa equipe Team Cinelli Chrome, no Red Hok Crit, em Nova York
(Foto: Julio Busamante).

E aí, vai encarar?

Como ir bem (ou pelo menos não fazer tão feio) em um criterium

Não entre em pânico

Nos primeiros 20 minutos de prova, haverá diversos ataques (quando um dos ciclistas acelera e se desgarra dos demais). Ainda é cedo para qualquer definição: mantenha a calma, guarde forças e foque na segunda metade da corrida, poupando energia para a chegada.

Domine as curvas

Mantenha sua linha, sem colidir com outros ciclistas, e siga a roda do atleta a sua frente. A chegada da curva é um momento de desaceleração e aceleração, com bastante gasto de energia. Tente se manter no pelotão. Faça a tangência sem ultrapassar pelo lado interno da curva – essa é uma tática oportunista não muito bem vista no ciclismo.

Analise seus concorrentes

Antes de se unir a uma fuga, analise quem está nela, se a estratégia tem chances de sucesso e a que distância os outros ciclistas estão de você. Analise o cansaço dos oponentes pela linguagem corporal e respiração. São sempre os mesmos que estão atacando? Parecem desgastados demais? Isso vai te ajudar a ver se vale a pena segui-los ou esperar uma melhor oportunidade.

Cultive experiência

Participe do maior número de provas possível. Primeiramente não procure por resultados, simplesmente aprenda sobre o comportamento do pelotão, como se posicionar, quando atacar e quando tirar o pé. As provas são um excelente treino para uma competição principal.

Para ver e torcer

Urbe Criterium Race

Roma, na Itália

20/6/15

Criterio Fixed

Rio de Janeiro, no Brasil

27/6/15

Rad Race Race Hamburgo

Hamburgo, na Alemanha

15/08/2015

Wolfpack Hustle: The Civic Center Crit 3

Los Angeles, nos EUA

15/08/2015

ENTREVISTA: Jo Celso

Quem disse que só os homens se destacam em critérios? Conheça a norte-americana que bota medo em muito marmanjo quando aparece com sua bike fixa.


AMAZONA: A norte-americana Jo Celso, uma das estrelas de criteriums como o Wolfpack Hustle (Foto:
Julio Busamante).

Campeã do Red Hook Crit de 2011, a californiana Jo Celso é um fenômeno dos critérios. Passou a vencer essas competições pouco depois de começar a andar de bike mais a sério. Recentemente foi diagnosticada com linfoma de Hodgkins e teve que parar por oito meses. Fez quimioterapia, se curou e voltou a competir – e a pegar pódios. Vegetariana, terapeuta corporal, feminista e cicloativista, ela se tornou inspiração para muita gente que curte bike urbana e critérios em geral. Acompanhe sua rotina pelo Instagram @ lostintalltrees.

GO OUTSIDE Como você começou no ciclismo?

JO CELSO Em 2010, comprei uma bicicleta usada para ir de casa ao trabalho e me apaixonei! Depois de um tempo fiz um amigo que participava de algumas provas como amador e também comecei a pedalar pela cidade fazendo trajetos mais longos. Acabei sendo muito mais veloz do que esperava, então comecei a competir.

O que pedalar significa para você?

É uma forma de me livrar de um monte de expectativas (minhas e dos outros). Proporciona uma sensação de poder e liberdade ao mesmo tempo

Do que você mais gosta quando pedala na cidade?

Adoro a sensação da endorfina no corpo e também de ver todas as pessoas e cenas incríveis que perdemos quando estamos dentro de um carro.

E como foi enfrentar sua doença?

Tomei um baque. Antes tinha corrido dois criteriums seguidos, vencendo-os em uma fuga solo. Estava superempolgada em participar de mais provas. Daí duas semanas depois estava fazendo quimioterapia e não podia sair da cama. Mesmo quando conseguia pedalar, eu era tão lenta que não dava para me manter equilibrada, então passei a pedalar no rolo ou em trajetos curtos, sozinha. Fiquei muito estressada quando soube que a quimioterapia poderia comprometer meus pulmões para sempre, afetando grande parte da minha vida na bike. Terminei minha última sessão de quimio em janeiro de 2012, careca e exausta, consciente de que tinha passado pela experiência mais transformadora da minha vida.

Ainda é complicado ser mulher no meio de competições dominadas por homens?

O ciclismo é tradicionalmente dominado pelo sexo masculino, e as mulheres ainda não são muito bem-vindas. Às vezes, quando vou competir, ainda topo com comentários do tipo: “Ah, quem trouxe a namorada?”. E aí você tem que dar tudo de si para ser levada à sério. Isso me deixa muito triste, pois desencoraja muitas mulheres interessadas em bike e em participar de provas.

Como tornar o ciclismo mais igual entre homens e mulheres?

Ter mais igualdade financeira é o principal passo, tanto em relação aos prêmios das provas quanto aos salários dos ciclistas profissionais. Além disso, existem outros hábitos bizarros que temos que mudar, como a forma como organizadores de competições utilizam garotas para entregar os prêmios aos vencedores. É ultrajante.







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