Sai desse corpo que não te pertence



A gordura corporal é mais do que apenas um pneuzinho indesejável na sua cintura. Pesquisas recentes mostram que ela está mais para um parasita tóxico que trabalha pesado contra seu organismo. A boa notícia é que com exercícios e alimentação correta você pode se livrar desse mal

POR BILL GIFFORD

ERA POUCO MAIS DE 17H30 de uma tarde de primavera em 2004 quando Phil Bruno, 47 anos, voltava do trabalho. Parou em uma das muitas lanchonetes que forram a avenida principal de sua cidade, Manchester, no estado norte-americano de Missouri. Faltava-lhe pouco mais de um quilômetro para chegar em casa, onde sua esposa, Susan, estava preparando o jantar italiano de sempre para sua família de cinco pessoas. Mas Phil estava com muita fome naquele momento. O impulso foi automático. Dez minutos depois, já com um saco de hambúrgueres fumegando no banco do passageiro, ele encostou em um McDonald’s e pediu um Quarteirão com queijo, uma tortinha de maçã e um milk-shake de chocolate para ajudar tudo a descer. “Fiquei com vergonha de pedir tudo em uma só lanchonete”, explica Phil. “Eu não queria que a atendente olhasse para mim de um jeito estranho.”

Phil sempre amou comida, pois ela é parte essencial dos vínculos de sua família siciliano-americana. Mas ele já foi atlético na juventude, quando jogava futebol no colegial e exibia um porte robusto, com razoáveis 97 quilos distribuídos em 1,90 metro de altura. Então, por volta dos 20 anos, parou de se exercitar e, ao longo das décadas, suas refeições regulares e deleites altamente calóricos transformaram-no em um desastre físico e emocional. Seus joelhos doíam e o coração batia forte sempre que usava as escadas, e ele foi sendo tomado por uma sede estranha que nenhuma água satisfazia. “Eu tinha 47 anos, mas me sentia com 80”, lembra.

Encorajado por um amigo, Phil finalmente consultou-se com um médico no começo de 2004. Os resultados foram perturbadores: a pressão sanguínea era compatível com a de uma mangueira de incêndio (23 por 15), a glicemia estava acima dos limites e o nível de A1C, um importante marcador sanguíneo de diabetes, era 16 (deveria estar abaixo de seis). Ele pesava absurdos 213 quilos. Phil havia desenvolvido diabetes tipo 2, mas esse era apenas um de seus problemas. Naquele dia, saiu do consultório com receitas para 12 remédios e suplementos diferentes, de óleo de peixe a drogas para pressão, colesterol e diabetes. E nunca se esqueceu das palavras ameaçadoras do doutor no final da consulta: “Phil, você pode cair morto a qualquer momento”.

TODO MUNDO SABE que ser gordo é ruim para a saúde, mas a maioria das pessoas não consegue explicar direito o porquê. Algumas razões são óbvias. A gordura tende a andar de mãos dadas com a diabetes, e mais peso significa maior estresse para as articulações e o coração. O excesso de gordura também parece estar ligado ao câncer dos rins, do cólon, do fígado e até mesmo a perdas cognitivas.

Até bem pouco tempo, pensava-se que a gordura era inerte, uma maneira molenga encontrada pela evolução de permitir aos humanos guardarem energia para tempos de vacas magras. E há muito tempo sabemos que é melhor estar ligeiramente acima do peso do que abaixo dele, como reitera um estudo recente publicado no Journal of the American Medical Association. No entanto, a partir dos anos 1990, os cientistas começaram a perceber que a gordura pode ser melhor compreendida como uma glândula endócrina imensa e única, que exerce influência poderosa sobre todo o resto do corpo. “Para um norte-americano típico, seu tecido adiposo é o maior órgão do corpo”, diz James Kirkland, médico e diretor da Clínica Mayo, nos EUA.

Nem tudo sobre a gordura é ruim, obviamente. O tecido adiposo sob a pele, conhecido como gordura subcutânea — o tipo de gordura que faz os jovens parecerem firmes e vigorosos — protege o corpo contra ferimentos, ajudando também a combater infecções e a curar feridas. A gordura subcutânea produz um hormônio importante chamado adiponectina, que parece ajudar o corpo a controlar o metabolismo e a se proteger contra alguns tipos de câncer, especialmente o de mama.

A má notícia é que, conforme envelhecemos, perdemos gradualmente essa gordura boa, um dos motivos pelos quais nossas mãos ficam mais magras. Em vez disso, homens e mulheres tendem a acumular gordura nas regiões próximas à cintura. Ao longo da última década, James Kirkland e outros cientistas descobriram que essa gordura, chamada de visceral, infiltra-se em nossos órgãos vitais, banhando-os em uma sopa química nociva que cria um caos destrutivo. A gordura visceral produz uma série de proteínas de sinalização celular, chamadas de citocinas, incluindo a interleuquina-6 (IL6), que causa inflamação crônica, e a TNF-alfa, um fator de necrose tumoral relacionado ao câncer.

James e outros pesquisadores acreditam que, além dos problemas associados à diabetes e às doenças cardíacas, a gordura pode acelerar o processo de envelhecimento. Em um experimento de 2008, cientistas da Yeshiva University, de Nova York, removeram cirurgicamente a gordura abdominal de ratos de laboratório obesos e descobriram que os roedores viveram significativamente mais do que seus primos gordinhos. Em um estudo mais recente, ainda não divulgado, a equipe descobriu que a remoção cirúrgica de gordura evita alguns cânceres colorretais em camundongos geneticamente predispostos a esses tumores.

Infelizmente para Phil, a cirurgia não era uma opção: a lipoaspiração remove apenas a gordura subcutânea boa, motivo pelo qual estudos recentes têm associado o procedimento a resultados negativos para a saúde. Segundo Nir Barziliai, da Yeshiva University, em humanos a gordura visceral não pode ser removida com segurança por estar profundamente emaranhada nos vasos sanguíneos e órgãos. Phil recorreu então à única parte de seu corpo forte o suficiente para eliminar a gordura: os músculos.


TENTAÇÃO: Mais gordura significa menos músculo

EM 6 DE JUNHO DE 2004, praticamente um mês depois de seu péssimo diagnóstico, Phil fez a única coisa que seu médico não havia prescrito: foi para uma academia. O doutor havia sugerido que ele perdesse peso, mas não havia chegado a recomendar exercícios.

Depois de checar se estava tudo bem com seu coração — o órgão estava aumentado, mas com artérias limpas, graças ao azeite de oliva italiano consumido pela família —, Phil se matriculou em uma academia. Olhou ao redor sem saber muito o que fazer antes de se sentar em um equipamento que parecia viável para um homem de 213 quilos: a bicicleta ergométrica. Conseguiu pedalar por cinco minutos até ter de parar, ofegante, sentindo-se péssimo. Mesmo assim, voltou no dia seguinte, e no outro também. Em pouco tempo, conseguia ficar 30 minutos na bicicleta, deixando uma poça de suor cada vez maior no chão. Encarava cada gota como uma bolinha de gordura que saia de seu corpo, um pequeno passo em direção à sua meta de emagrecimento.

Naquelas primeiras semanas de academia, Phil geralmente passava direto pela enorme janela de vidro que dava para a sala de spinning. O ambiente agitado por música frenética e repleto de corpos ágeis sobre bicicletas ergométricas parecia muito além dos limites de alguém como ele. Phil precisou de mais uma ou duas semanas para tomar coragem de entrar na aula e, instintivamente, escondeu-se em uma bicicleta localizada em um canto. A professora, uma loira sarada, foi até ele e o cumprimentou. “Meu nome é Beth”, disse ela, sorrindo. “Deixa eu te ajudar a regular sua bike.”

A professora, Beth Sanborn, era uma triatleta que treinava para seu segundo Ironman. Ela ajudou Phil a se manter motivado enquanto bufava e sacolejava nos 45 minutos de aula. Logo ele se tornou um aluno assíduo, frequentando a sala de spinning seis vezes por semana. Passou a conhecer todo mundo, e sua personalidade animada fez dele o favorito dos professores. “Phil era a pessoa que dava mais duro na minha aula. Um homem com uma missão e muito foco”, conta Beth.

Em setembro, ele decidiu encarar uma prova ciclística de 160 quilômetros, criada para promover a luta pela prevenção da esclerose múltipla, doença com a qual sua esposa havia sido diagnosticada alguns anos antes. Fazia 20 anos que Phil não montava em uma bicicleta de verdade, mas tirou sua velha Trek do porão, limpou a poeira e levou-a até uma bicicletaria para uma revisão geral.

Ele conseguiu chegar ao quilômetro 100, parando em uma leve subida em que a estrada parecia derreter. Sentia dores no peito e, pior, havia parado de suar, um sinal de possível ataque cardíaco. O carro de apoio encostou, e a equipe da prova correu para ajudá-lo, evitando que caísse ali mesmo. “Passou pela minha cabeça que, se eu morresse ali, pelo menos estaria fazendo algo para mudar a minha vida”, lembra.

SEM SABER, Phil havia dado início a uma guerra pelo controle do seu corpo, com a gordura de um lado e os músculos de outro. Da mesma forma como a ciência pensava que a gordura era neutra, achava-se que o músculo era um órgão passivo que fazia o que o cérebro lhe mandava. Mas os músculos são agora conhecidos como um dos sistemas mais dinâmicos do corpo. Ao contrair-se, eles passam por mudanças enormes em nível celular. E seu inimigo mortal é a gordura.

Em uma pessoa sedentária — inclusive em quem não é realmente obeso —, a gordura invade os músculos, escorregando entre as fibras musculares como aquela gordura branca de um corte macio de cupim. Pior: a gordura se infiltra em células musculares individuais na forma de gotículas de lipídios, tornando-as preguiçosas. Segundo o médico Gerald Shulman, renomado pesquisador de diabetes da Universidade de Yale (EUA), essas poças de gordura que aparecem tanto no fígado quanto nos músculos bloqueiam uma etapa importante da conversão da glicose, criando um quadro propenso ao diabetes. Isso explica por que algumas pessoas sedentárias e com peso normal ainda correm o risco de desenvolver a doença. “Não se trata de quanta gordura temos, mas de como ela está distribuída”, diz Gerald.

“Quando a gordura se acumula onde não deveria, especialmente em células musculares e hepáticas, ela leva ao diabetes tipo 2.”

Além disso, mais gordura significa menos músculo, o que implica em menos mitocôndrias, as usinas de energia celular que são mais abundantes em tecidos musculares. A maior parte das gorduras quase não contém mitocôndrias. Isso explica um dos problemas da obesidade: quanto mais gordura você acumula, mais difícil é para seu corpo usar a energia acumulada. “Quanto mais músculos você desenvolve, mais mitocôndrias terá para queimar gordura”, diz Iñigo San Millán, fisiologista de exercícios físicos da Universidade do Colorado, em Denver (EUA), que trabalhou com ciclistas de elite por duas décadas. Iñigo notou que as fibras musculares do tipo 1, o mais predominante em atletas de resistência, possuem muito mais mitocôndrias do que qualquer outro tipo, e por isso são mais eficientes na queima de gordura.

Com exercícios intensos na bicicleta, Phil criou novos músculos. E o novo tecido muscular de Phil estava modificando a química do seu corpo de uma maneira que apenas agora a ciência começa a entender. Por décadas, pesquisadores suspeitaram que os músculos exerciam algum tipo de influência sobre os outros órgãos, começando pelo fígado, que age como o depósito de combustível do corpo. Ao fazermos exercícios de forma intensa ou por longos períodos, o fígado é comandado a liberar mais glicose, o principal combustível da atividade física. Por muito tempo, pensou-se que esses sinais viajavam pelo sistema nervoso e pelo cérebro, mas experimentos feitos nos anos 1990 com pacientes com paralisia por lesão espinhal revelaram que tinha de haver outr caminho, pois o fígado e o cérebro desses pacientes ainda respondia aos estímulos musculares. Eles até sentiam os efeitos da endorfina.

Em 2003, os biólogos Mark Febbraio, da Austrália, e Bente Pedersen, da Dinamarca, descobriram que os músculos são órgãos endócrinos, assim como a gordura, e que músculos em exercício produzem secreções químicas — batizadas por eles de miosinas — que se comunicam com o resto do corpo. Nas palavras de Bente: “Músculos esqueléticos formam o órgão que combate a gordura”.

Mark e Bente identificaram a miosina mais comum como nada mais do que a IL-6, a citocina inflamatória que também é produzida pela gordura em excesso. Eles descobriram que, quando liberada durante os exercícios, a IL-6 tem efeitos positivos, levando o fígado a aumentar a taxa de oxidação de gordura. “A IL-6 era considerada vilã em muitas doenças”, diz Mark, ex-triatleta profissional. “Mas, na verdade, ela é um anti-inflamatório quando liberada durante os exercícios.”

A diferença entre a IL-6 “boa” e a “ruim” tinha a ver com o momento em que ela era produzida. Pacientes obesos tendiam a ter níveis de IL-6 baixos, porém constantes, o que causava inflamação crônica. Quando os pacientes se exercitavam, seus níveis de IL-6 atingiam picos e, então, dissipavam-se ao longo de algumas horas. Os pacientes que se exercitavam tinham níveis basais mais baixos de inflamação.

Desde então, dezenas dessas miosinas já foram identificadas. Mark acredita que pode haver outras centenas e que elas são as grandes responsáveis pelos efeitos benéficos dos exercícios, agindo nos ossos, no pâncreas e no sistema imunológico. Pesquisadores acreditam que as miosinas podem, ainda, agir nos músculos, promovendo o crescimento e a regeneração, bem como no cérebro, liberando o fator neurotrófico derivado, que regenera e protege neurônios. “Há cada vez mais evidências de que músculos saudáveis podem levar a um fígado, intestinos, pâncreas e cérebro mais saudáveis”, diz Nathan LeBrasseur, cientista da Clínica Mayo especializado em tecido muscular.

Uma miosina recém-descoberta tenta até mesmo converter a gordura em um sistema de consumo de energia semelhante aos músculos.

Em 2012, uma equipe da Universidade de Harvard identificou um hormônio chamado irisina, secretado durante exercícios, que engana a gordura “branca” e a gordura visceral profunda, fazendo-as agir como a gordura “marrom”, uma forma muito menos comum, mas repleta de mitocôndrias e que queima energia como os músculos. Bruce Spiegelman, o cientista de Harvard que liderou a equipe que descobriu a irisina, busca agora um composto medicinal que possa provocar sua liberação.

Mas Mark Febbraio alerta que exercícios em pílulas não fazem parte das opções para nosso futuro. “Isso nunca vai acontecer porque os benefícios dos exercícios envolvem múltiplos fatores”, diz ele. “Nunca será possível desenvolver uma droga que substitua a atividade física.” O que pode ocorrer é o contrário, como aconteceu com Phil: os exercícios acabaram substituindo os remédios.


MANTENHA DISTÂNCIA: A gordura é teimosa e exigente

A GORDURA É TEIMOSA e muito exigente. Na maior parte do tempo, ela diz para você continuar comendo e isso é uma das razões pelas quais a maioria das dietas está condenada ao fracasso. Nossa gordura quer nos manter gordos, e a maioria de nós carece de força de vontade para vencer nosso próprio corpo.

João Correia, um editor de 38 anos de Nova York, passou por uma versão menos extrema do emagrecimento drástico de Phil e diz que esse processo não transformou apenas seu corpo, mas também sua mente. “Eu tinha uma relação totalmente diferente com a comida quando era gordo”, conta. Ciclista profissional na juventude, João parou de correr antes dos 30, e começou a subir na carreira e a frequentar jantares caros. Aos 30 anos, ele já tinha 93 quilos em seu 1,72 metro de altura e estava sempre com fome. “Minha capacidade de ingerir comida era enorme”, relembra. “Eu era capaz de ir a um restaurante e comer seis pratos e tomar uma ou duas garrafas de vinho.” O motivo disso era um hormônio chamado leptina, produzido pelos tecidos adiposos. Normalmente, a leptina diz ao cérebro: “Estamos satisfeitos. Pare de comer”. Mas o cérebro de pessoas obesas geralmente fica insensível à leptina e não entende mais o recado.

Quando João começou a trabalhar para uma editora de livros de boa forma, ele percebeu que tinha de fazer alguma coisa para mudar.

Então, voltou para a bicicleta e passou a dar voltas no Central Park antes e depois do trabalho. Ele também reduziu a comilança, o que não foi fácil a princípio. Mas, surpreendentemente, o apetite de João encolheu junto com sua cintura. Seria normal pensar que, conforme a gordura fosse embora, seus níveis de leptina declinariam e o deixariam com mais fome, mas pesquisas mostraram que os exercícios ajudam a restaurar a sensibilidade à leptina. Dessa forma, o corpo de João passou a saber quando parar de comer. “Eu não estava mais com fome o tempo todo”, diz ele. Em três anos, perdeu tanto peso — e ficou tão veloz na bicicleta — que voltou a ser um profissional, primeiro competindo nos EUA pela equipe Bissel e, depois, na Europa pela equipe Cervélo Test Team.

As coisas não foram tão fáceis no caso do Phil. Diferentemente de João, ele nunca tinha sido um atleta de elite. Enquanto o índice de massa corporal de João estava em 31, logo acima do limite da obesidade, o de Phil era de 58. Seu tamanho imenso significava que ele havia se tornado anormalmente insensível à leptina e a outros sinais de saciedade. Seguir uma dieta convencional estava fora de questão. Em vez de passar fome, Phil começou eliminando frituras, fast-food e refrigerantes. No lugar dessas guloseimas, ele e Susan preparavam frango ou peixe grelhado com algumas verduras para o jantar. O lanche resumiu-se a frutas frescas e amêndoas sem sal, em vez de batata de saquinho. E, claro, adeus à lasanha da mamma.

A meta inicial de Phil era apenas poder usar a balança de casa (ele estava tão gordo que tinha que ir ao mercado para se pesar em balanças industriais). Mas Phil ainda adorava comida e, quando ficava com vontade, comia um filé de frango extra no jantar (melhor isso do que um quarteirão com queijo). Ele procurou inspiração em figuras motivadoras dos mais variados tipos, incluindo Jesus Cristo.

Conforme continuava a se exercitar, Phil percebeu que não perdia apenas peso, mas sentia menos fome. Sua sede absurda também desaparecera e seus joelhos e cintura já estavam melhores. A partir daí, ele atirou-se nas aulas de spinning. “Foi uma mudança notável”, diz Jim Wessely, um colega de spinning que trabalha como chefe da medicina de emergência de um hospital local. “Quando o vi pela primeira vez, ele era um cara enorme, um obeso mórbido que mal podia pedalar por alguns minutos. Agora Phil dá show na aula.”

Um ano depois de ter sido diagnosticado com diabetes tipo 2, Phil voltou ao consultório para fazer exames. O médico ficou chocado: a resistência de Phil à insulina havia desaparecido, e seus níveis sanguíneos estavam quase normais. Seu nível de A1C, que era de 16, havia baixado para 5,5. O médico nunca havia visto alguém conseguir aquilo tão depressa. Phil não precisava mais de remédios.

No entanto, Phil sabia que estava longe do fim de sua batalha. Por causa de seu metabolismo, ele estava programado para ganhar peso a vida toda. Tinha que lutar constantemente, e cada vez mais, contra seu destino morfológico. Continuou dedicado ao regime, e indo às aulas de spinning cinco ou seis dias por semana. Por fim, conseguiu um certificado e se tornou um dos instrutores mais populares da academia [nos Estados Unidos, não é preciso fazer faculdade de educação física para ser professor de spinning, basta concluir um curso preparatório]. Otimista e organizador nato, ele liderava um pedal coletivo aos domingos. As atividades físicas o absorveram. “Trabalho como consultor financeiro em um banco, mas a maioria das pessoas pensa que ganho a vida como instrutor de spinning”, diz.

Em quatro anos, ele perdeu mais de 90 quilos, chegando a menos de 120 quilos. Ainda era gordo e não estava satisfeito: queria perder aqueles últimos 50 quilos para ser como era na época do colegial. Continuou se mexendo e pedalando, sabendo que não poderia parar nunca. “É algo como segurar uma bola debaixo d’água”, filosofa. “Enquanto você continuar focado, é fácil. No momento em que para, pronto, a bola escapa da sua mão.”

EM JULHO DO ANO PASSADO, ele teve que parar. Estava indo para o carro depois do trabalho quando suas pernas falharam. Não conseguia ficar em pé. Phil conseguiu se arrastar até um carro próximo e apoiar-se no parachoques para se erguer. Com a ajuda de dois desconhecidos, ele cambaleou até seu carro e conseguiu entrar. Tinha sensibilidade suficiente na perna direita para dirigir até em casa. Foi para o hospital e os médicos ficaram surpresos: uma ressonância magnética revelou nervos pinçados por uma inflamação na base da espinha. A causa não ficou clara. O médico lhe recomendou esteroides para a inflamação, mas alertou que aquilo poderia ser sinal de algo muito mais grave, talvez até fatal.

Por sorte, a inflamação retrocedeu, mas deixou Phil impossibilitado de se exercitar. Inevitavelmente, seu peso começou a subir novamente. Em pouco tempo, ganhou 27 quilos e alguns dos sintomas do diabetes voltaram. “Às vezes, minhas pernas parecem estar cheias de areia. A sede e a fome extremas voltaram, é difícil respirar, tenho fraqueza e dor nas costas”, conta. “Os exercícios me ajudaram nessa luta até agora, mas já posso sentir isso tudo ir embora. Estou com medo e deprimido.” Outro contratempo o deixou seis dias no hospital por problemas cardíacos — fibrilação atrial devido ao coração aumentado que ele adquiriu ao longo de todos os anos de sobrepeso. Ironicamente, a fibrilação atrial também é um efeito colateral de exercícios intensos a longo prazo, particularmente em homens de meia-idade.

Na última vez em que conversamos, em dezembro de 2012, Phil estava tomando remédios para afinar seu sangue e evitar coágulos, além de betabloqueadores para regularizar os batimentos cardíacos. Ainda assim, tinha voltado à aula de spinning naquele sábado e ficou surpreso ao conseguir pedalar forte por uma hora e dez minutos. “Todos me receberam de braços abertos”, diz. “Foi fantástico.”

Já faz quase nove anos desde que Phil entrou cabisbaixo na aula de spinning de Beth Sanborn. Desde aquela época, Phil perdeu quase 113 quilos e, embora tenha acumulado um pouco de gordura novamente, ele insiste que pedalar o ajudou e protegeu. Ele acredita que seus problemas de saúde teriam sido piores se não tivesse entrado na academia naquele dia de 2004. Em suas palavras: “O lado bom de toda essa loucura é que os exercícios salvaram a minha vida”.

Bente Pedersen, a cientista que ajudou a descobrir a existência das miosinas, concorda. Ela afirma que “o maior perigo que pessoas como Phil enfrentam não é ser pesado, mas ser sedentário”. Ela define o “aspecto doentio” da inatividade, um conjunto de consequências nocivas à saúde que surgem da falta de exercício — independentemente do peso corporal de um indivíduo. “É muito melhor ser gordo e ativo do que ser magro e preguiçoso”, resume.