África abaixo de zero

Jovem snowboarder de Uganda une talento e dedicação em nome do sonho de representar seu país em um inédito desafio olímpico

Por Bruno Romano

ESTA JORNADA COMEÇA no coração da África, em Uganda, onde um pai criou sozinho sete filhos. A aventura segue com o caçula da família, Brolin Mawejje, partindo bem pequeno para uma nova vida nos Estados Unidos. E pode terminar na Coréia do Sul, palco dos próximos Jogos Olímpicos de Inverno, em 2018 – Brolin quer ser o primeiro africano da história a competir snowboard em uma Olimpíada. Duvida? Bom, você não está sozinho, ainda que este jovem ugandense se mostre totalmente disposto a provar o contrário.

Quando pisou nos EUA pela primeira vez, aos 11 anos, Brolin não queria sequer atravessar a porta do aeroporto de tanto frio. Seu destino era o subúrbio de Boston, em Massachusetts, onde encontraria a mãe. Ela havia deixado Uganda quando Brolin tinha apenas 2 anos para levantar dinheiro para a família. Com um pouco de recursos e um visto em mãos, a matriarca conseguiu uma nova oportunidade de vida para seu pequeno. Hoje Brolin tem 22 anos e divide seu tempo entre a paixão pelas montanhas nevadas e outro grande sonho: se tornar neurocirurgião.


QUERO SER OLÍMPICO: O ugandense aprimora seus saltos em recente viagem pela Argentina
(Foto: Ben Girardi).

“Não foi fácil chegar até aqui. Sempre convivi com o medo da rejeição e da falta de oportunidade. Na verdade, esse medo ainda existe em mim, mas o considero como grande responsável por eu ter chegado onde estou agora”, conta Brolin, que está iniciando os estudos de medicina graças a uma bolsa integral no Westminster College, em Utah.

Nos últimos dois anos, sua trajetória foi acompanha de perto (e filmada) por Galen Knowles, parceiro de quarto de Brolin no primeiro ano de Westminster. “A ideia de registrar seus passos foi surgindo aos poucos, mas rapidamente ganhou corpo e se transformou em uma saga inesquecível, que realmente nos fez rever o que é possível na vida”, relata Galen, que finalizou recentemente o projeto, dando luz ao documentário Far From Home (Longe de Casa).

Para arrecadar fundos para o filme, o jovem cineasta usou plataforma online Kickstarter. Deu certo: com 136 doadores e US$ 22.752 dólares (cerca de R$ 60 mil) levantados, o projeto juntou verba suficiente para terminar de captar e editar a vida de Brolin em 1h13. “Nós mostramos Brolin, sua história e seus sonhos, conforme ele se prepara para alcançar o impossível. Espero que isso o ajude a se tornar um atleta olímpico e a ser aceito em uma escola de medicina de ponta”, explica Galen, que chegou a levar Brolin de volta a Uganda durante as filmagens.

ANTES DE SE TORNAR ESTRELA do documentário – que estreou em fevereiro nos Estados Unidos e vai rodar o país por festivais e circuitos independentes em 2015 –, Brolin definitivamente não se sentia em casa. Como único africano da escola, que mal sabia soletrar uma palavra em inglês, solidão e provocações faziam parte do seu dia a dia. Em um programa de esqui e snowboard do colégio, sua realidade começou a mudar.

“Conheci um menino chamado James McMann, um snowboarder que me levou para a montanha e se tornou meu primeiro grande amigo”, relembra Brolin. “No fim, o snowboard me deu um sentimento de comunidade, me trouxe um verdadeiro sentido para viver neste novo mundo”, completa. Só o fato de dominar a prancha foi uma grande vitória para o menino que a princípio odiou o frio e se sentiu “desconfortável” e “frustrado” nos primeiros rolês de snow, como relatou à Go Outside.


NOVO LAR: Brolin se prepara para mais um treino nas montanhas de Teton, nos arredores de Jackson
Hole (EUA). (Foto: Ryan Sheets).

Mesmo tão longe de sua realidade de infância, o garoto levava jeito com a prancha nos pés e logo fez mais amigos. Phil Hessler, um dos primeiros parceiros de snowboard de Brolin, convenceu seus pais a receberem o ugandense em casa. A família Hessler se encantou com a determinação de Brolin, então com apenas 14 anos. O que começou com visitas de fim de semana se tornou o novo lar de Brolin. “As coisas não estavam fáceis em casa, e eles me mostraram um caminho, me acolheram e me fizeram sentir bem”, comenta o africano.

Os Hessler haviam se mudado na época para Jackson Hole, um vale na cordilheira de Teton, no oeste de Wyoming. O lugar, que abriga uma incrível estação de esportes de neve, fez a técnica de Brolin evoluir enormemente. Para ajudar, seus novos amigos eram também os snowboarders mais destemidos da área. Brolin já deixou a casa dos Hessler, mas considera a família fundamental em sua trajetória no esporte. Phil ainda é um amigo próximo, e nos últimos dois anos foi produtor do documentário Far From Home.

“Muita gente brinca comigo, me comparando com a equipe de bobsled da Jamaica [que participou dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1988], mas a verdade é que, graças ao filme Far From Home, várias pessoas ficaram sabendo da minha história e decidiram me apoiar, deixando meu sonho mais perto da realidade.” Para chegar aos Jogos de 2018, na modalidade slopestyle (descidas com obstáculos para manobras), Brolin vai ter de evoluir muito. E mais: precisará ajudar seu país a criar uma federação de esportes de neve, o que ele espera que já se concretize em 2015, com o apoio político que conseguiu na última visita a Uganda.

“A Olimpíada é um bom foco, pois simboliza o mais alto nível possível de um sonho no esporte. Eu não comecei a fazer snowboard pensando nos Jogos, mas agora que tenho essa oportunidade quero fazer acontecer, pela minha mãe, pelo meu povo em Uganda e pelos meus amigos”, diz. O snowboard já lhe trouxe a liberdade, as amizades e uma nova esperança de futuro – e ele está fazendo de tudo para retribuir à altura.


Matéria originalmente publicada na revista Go Outside edição 116, de março de 2015.







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