Uma roda e muitas emoções

Por Mario Mele

CERTA VEZ, a Outside norte-americana afirmou que o canadense Kris Holm era o “Danny MacAskill do monociclo”, em uma comparação com o britânico considerado o mago das manobras em bikes de aro 20" e 26". Um elogio e tanto, porém que não faz jus a uma carreira fantástica em bicicletas de uma roda só iniciada muito antes de Danny, de 28 anos, pensar em se tornar astro do bike trial. Kris é 13 anos mais velho que o escocês e os primeiros filmes mostrando toda sua virtuose datam dos anos 1990.

Kris se esquiva de quaisquer comparações com Danny. Aos 41 anos, o canadense é a maior lenda do monociclo, principalmente por mostrar que seu veículo de uma roda não está limitado a apresentações circenses: em 2010, ele percorreu os mais de 400 quilômetros da BC Bike Race, uma prova de sete etapas que rola na Colúmbia Britânica, no Canadá. Fez toda a competição a bordo de um monociclo da Kris Holm Unicycles, marca que fundou no fim dos anos 1990 e por meio da qual ainda colabora com a evolução dos equipamentos para o esporte. Ele não só concluiu esta que é uma das mais duras competições do mountain bike mundial como ficou em terceiro lugar na categoria solo.

ROLETA-RUSSA: Kris salta sobre rochas em Las Vegas, nos EUA (Foto: Arquivo
pessoal)

Foi um feito heroico. “A BC Bike revelou-se meu maior teste de resistência até hoje”, diz. Há um ano aposentado das competições, Kris ainda continua pedalando por trilhas longas e técnicas ao lado dos amigos. No caminho, ao ver obstáculos como pedras e galhos, ele adora gritar para o grupo parar e, então, protagoniza uma minissessão de trial digna de aplausos.

Até os 20 e poucos anos, Kris também escalava com frequência e atualmente aproveita a intimidade com a altura para manobrar seu monociclo à beira de penhascos e dar grandes saltos – o que deixa seus vídeos tão impressionantes quanto os de Danny MacAskill. A seguir, ele dá mais detalhes sobre sua vida orientada pelo equilíbrio.

Desafio constante

“Eu tento não pensar muito sobre as coisas difíceis que já fiz, pois prefiro estar sempre em busca de algo novo. Para mim, o maior desafio está sempre no próximo rolê. Há algumas semanas, eu pedalei pela Heart Mountain Horseshoe, uma dura trilha que passa por dois cumes das Montanhas Rochosas canadenses. Foi um belo pedal, com uma descida íngreme e sobre a qual eu não sabia nada até a minha primeira tentativa. Não é uma rota consagrada de bicicleta e, pelo que sei, foi a primeira vez que alguém pedalou por lá – seja sobre uma ou duas rodas.”

AMBIENTE NATURAL: Explorando as trilhas de Chilcotín, na Colúmbia Britânica
(Canadá). (Foto: Arquivo pessoal)

Sufoco

“Uma das minhas quedas mais espetaculares está registrada em vídeo. Foi quando eu descia um vulcão no México. Caí e voei de cara. Geralmente, os tombos de monociclo não são tão graves quanto os de bicicletas, mas em 2007, em Vancouver, no Canadá, tomei um tombo feio e rompi o ligamento cruzado. Foi a pior lesão que já tive.”

Habilidade circense

“Minha família não tem ligação nenhuma com o circo. Na verdade, meus pais sempre me incentivaram a praticar esportes ao ar livre – minha irmã é escaladora de ponta. Quanto ao monociclo, fui inspirado ao ver a apresentação de um artista de rua quando eu tinha uns 12 anos. Depois que consegui descer minha rua em cima de um, me mandei para a trilha. Aí adentrei um novo estágio em minha vida. Como escalei bastante durante a década de 1990, acho que isso moldou minha abordagem em relação ao monociclo: sempre quis estar nas montanhas.”

CRIANÇA FELIZ: Ensinando a andar de monociclo no Butão (Foto: Arquivo pessoal)

Trial e trilha

“Seja numa bicicleta convencional ou num monociclo, acho que o trial (transpor obstáculos) está para o boulder (escalada em rochedos baixos, porém de grande dificuldade técnica) assim como o mountain bike está para a escalada tradicional (em que você encara trechos mais longos). Eu amo o desafio do trial, mas, se tivesse que escolher entre um, ficaria com as trilhas, porque curto explorar novos lugares e percorrer longas distâncias de monociclo.”

Evolução do monociclo

“Quando eu comecei, esse esporte era como o mountain bike na década de 1970: nada comercial. Fundei a Kris Holm Unicycles (KHU) em 1999, em uma época em que as transações pela internet estavam apenas começando. A empresa cresceu em seu pequeno nicho e hoje distribui monobikes para mais de 15 países. Atualmente fabricamos monociclos com freio a disco, marchas, selim confortável e componentes moldados em 3D. Também existem modelos diferentes para cada estilo de pilotagem.”

Mountain monociclo

“Em uma trilha difícil, com muita subida, um monociclista forte consegue acompanhar um mountain biker – provavelmente não um atleta top. Já em downhills, as bicicletas tradicionais são bem mais rápidas. Mesmo assim, as velocidades médias de ambos são surpreendentemente similares. Não há, porém, como comparar esses esportes: monociclistas não se sentem com uma roda a menos.”

Nova geração

“Meu estilo nunca foi focado em manobras, e sim em sair em busca de aventuras e lugares difíceis para pedalar. Mas eu admiro a nova geração. Caras como o norte-americano Max Schulze e o alemão Lutz Eicholz fazem coisas que eu jamais poderia imaginar. Max é dono de uma técnica invejável, anda bem em todo o tipo de terreno. Lutz recentemente realizou a primeira descida de monociclo do Monte Damavand, o ponto mais alto do Irã, com 5.610 metros de altitude.”

EM CIMA DO MURO: Kris se equilibra em uma roda sobre a Muralha da China (Foto: Arquivo pessoal)

Competição

“Sou considerado o fundador do ‘monociclo trial competitivo’ porque organizei o primeiro evento, em 1999. Também escrevi as regras internacionais para o esporte. Apesar de existir um campeonato mundial desde 1984, as verdadeiras competições de montanha só começaram no final dos anos 1990. Esses eventos são algo positivo porque dão credibilidade à modalidade e atrai novos adeptos. Mas, pessoalmente, apesar de ter sido campeão mundial em 2002 e campeão europeu em 2005, o meu amor pelo monociclo é em razão da liberdade que ele me proporciona em ambientes selvagens, bem longe de competições e multidões.”

Ritmo de vida

“Eu ainda gosto de escalar, esquiar, remar de stand-up paddle, fazer slackline e tocar violino. Tocar violino não é muito diferente de aprender a andar de monociclo: é difícil no começo, mas se torna belo e gratificante depois que você aprende. Até meu filho de 2 anos está entusiasmado em aprender a andar de monociclo.”

Retribuição

“Em 2012, publiquei o livro The Essential Guide to Mountain and Trials Unicycling (O Guia Essencial do Monociclo de Montanha e Trial, sem tradução para o português; gradientpress.com). Em parte, é uma autobiografia, mas foi também uma forma de compartilhar o que eu aprendi em quase três décadas nesse esporte. O livro tem mais de 200 fotos de monociclos e pilotos do mundo inteiro. O monociclo já me deu tanta alegria que sou feliz em poder retribuir para o esporte. A KHU patrocina atletas da nova geração e, além disso, sou embaixador da ONG One Percent for the Planet, o que significa que 1% do faturamento da minha empresa é destinado à conservação do meio ambiente. Monociclo tem a ver com simplicidade e equilíbrio, ótimas metáforas para a sustentabilidade.”

Manual de instruções

No livro The Essential Guide to Mountain and Trials Unicycling, Kris Holm define algumas vertentes do monociclo

Standard: O estilo mais popular é, na verdade, no qual as pessoas se iniciam no monociclo, pedalando como forma de transporte.

Cross-country: Subidas e descidas off-road em longas distâncias.

Freeride/Downhill: Pedal focado em descidas técnicas.

All mountain: Uma mistura entre o freeride/downhill e o cross-country, que envolve descidas técnicas e longas travessias.

Trial: Varar obstáculos com o monociclo, seja transpondo pedras na natureza ou bancos de uma praça.

Flatland: Fazer manobras no solo, geralmente sobre superfícies pavimentadas. Nesse caso, o desafio está sempre relacionado à dificuldade dos movimentos.

Freestyle: É o estilo mais antigo, similar ao flatland, mas que envolve uma caracterização mais performática. É o monociclo que pode ser visto no circo.

Street: Combinação de do trial urbano com manobras. Os obstáculos geralmente são escadarias e corrimões.

Touring: Viajar longas distâncias de monociclo na estrada.

Matéria publicada na Go Outside 114, de dezembro de 2014







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