Por Mario Mele
Foto por Steph Davis
BEN CLARK É UM ESCALADOR NORTE-AMERICANO interessado em todas as atividades que uma montanha pode oferecer. Quando tinha 23 anos, ele foi o líder de uma ascensão pela face norte do Everest. Hoje, aos 28, está no Annapurna IV, no Nepal, concluindo sua 18º expedição e animado por escalar mais um lugar remoto do planeta. Mas, desta vez, Ben está abraçando uma tendência entre esportistas com a veia aventureira mais dilatada: a fusão de duas modalidades distintas. Isto porque, em companhia de dois amigos, Ben escalará até o topo dos 7.525 metros da montanha para, em seguida, descê-la de esqui. e em seguida provoca: “Você teria uma idéia melhor para descer uma montanha coberta de neve? Prefiro trabalhar em favor da montanha a tentar desafiá-la”, ele disse.
Não é a primeira vez que uma pessoa une as duas práticas numa única cartada. Em 2006, a norte-americana Kit DesLauriers se tornou a primeira pessoa a escalar e esquiar dos cumes mais altos dos sete continentes, e a primeira mulher a esquiar do topo do Everest. Mas, segundo Ben, é inédito o casamento do montanhismo e do esqui na aresta norte desta montanha – um trecho considerado bem técnico.
Antes de ir, Ben se questionou se seria possível realizar um único drop de esqui até a base. A resposta, negativa, veio no segundo dia de escalada. “Prefiro não arriscar”, nos contou por e-mail, direto da montanha. “A decisão de descer de uma vez só pode vir acompanhada por quedas de até 5 metros, devido às rachaduras na neve”, explica. Ele pôde perceber isto enquanto subia, já fazendo uma detalhada análise do caminho de volta. “O Annapurna é perigoso, mas temos paciência e esperaremos até que todas as condições estejam a nosso favor. Acredito que a ansiedade seja uma das principais causas do fracasso de diversas expedições na montanha”, afirma. Até o fechamento desta reportagem, o trio ainda estava na ascensão, mas já havia esquiado em alguns lugares próximos ao acampamento-base.
Mas se a aventura de Ben une dois esportes terrestres, é uma modalidade aérea que anda seduzindo atletas mais extremos: o base jump. Nesta fase experimental, o Grand Canyon, nos Estados Unidos, tem sido o principal cenário. Lá existem pontos onde as escarpas descem a uma profundidade de quase 2 quilômetros – um generoso convite aos adeptos da queda-livre.
O skatista brasileiro Bob Burnquist e o piloto norte-americano de motocross freestyle Travis Pastrana já brincaram naqueles ares. Em 2006, Bob dropou numa pista de madeira de doze metros, montada na borda do Grand Canyon. Ele controlou o skate na rampa de projeção, encaixou os eixos do skate num extenso corrimão de ferro que foi anexado à pista e depois foi cuspido para o abismo, para a última e decisiva manobra: abrir o pára-quedas e pousar com segurança. O combo foi bem sucedido, mas caso o campeão mundial de skate não tivesse atingido a velocidade necessária para a decolagem, ou então se desequilibrasse no improvisado corrimão, ele se estatelaria nos platôs de pedra colados à escarpa.
No ano seguinte foi a vez de Travis acatar a idéia. Ele e seus colegas de moto Jim DeChamp e Jolene Van Vugt encararam um intensivão de uma semana numa escola de pára-quedismo, para depois também decolarem de rampas no Grand Canyon. Os três pilotos executaram simultaneamente um backflip (a manobra mais famosa do motocross freestyle) a mais de 400 metros do solo. Tiveram tempo suficiente para liberar os pára-quedas e ainda assistirem às motocas se despedaçarem no chão. Travis se sentiu tão em casa nas alturas que, meses depois, saltou de um avião trajando apenas bermuda, meia e óculos escuros. Depois de um tempo de queda livre, ele foi regatado por dois pára-quedistas.
Outra união que vem rendendo frutos no mínimo curiosos é a do pára-quedas com o esqui, já com nomes de modalidade e tudo: speedflying e ski base jump. Na primeira, o velame, preso ao esquiador, se mantém aberto durante toda a esquiada do atleta pela neve. As velas permitem drops em paredões íngremes, já que desacelera consideravelmente a descida e funciona como um pára-quedas em trechos negativos, quando a pista desaparece. O francês François Bon, já a maior fera no speedflying, fez em março deste ano a primeira descida pela parede sul (a mais perigosa) do Aconcágua em 4min50s.
Já a primeira aparição do ski base jump foi em 1977, no terceiro filme da série 007, O Espião que me amava. Depois de escapar de uma armadilha soviética, o agente secreto James Bond esquia até ser engolido por um precipício, só se salvando graças ao pára-quedas que levava nas costas.
A cena, lembrada como o “pulo de esqui mais incrível do mundo”, foi feita pelo dublê Rick Sylvester. “Inspirado na ficção, meu amigo Shane McConkey, esquiador e base jumper, subiu o paredão Lovers Leap, em Lake Tahoe, na Califórnia, para então realizar o primeiro salto de esqui e base jump fora das telas, em 2002”, conta o esquiador extremo Erik Roner, que acompanhou Shane nesta primeira tentativa. “Aquilo parecia tão fácil que no dia seguinte eu voltei ao lugar e também me atirei do penhasco de 100 metros”, lembra Erik. “Só no momento em que eu abri o pára-quedas percebi que eu e Shane tínhamos aberto também uma nova porta em nosso esporte”. Até hoje Erik já realizou mais de 100 saltos combinando esqui e base jump. “Agora meu desafio é descobrir encostas e vales pelo mundo que seriam impossíveis de serem esquiadas se eu não tivesse um pára-quedas nas costas”, conta.
O último maluco a tirar proveito da segurança de um pára-quedas durante outra modalidade foi o escalador norte-americano Dean Potter, famoso por suas ascensões solo. Em março ele tentou cruzar um abismo no deserto de Moab se equilibrando em cima de uma estreita fita de nylon, esticada a 270 metros do chão. A arte circense de se equilibrar em fitas é conhecida no meio outdoor como slackline.
Geralmente é praticada – para treinar concentração e equilíbrio – a meio metro de altura ou com uma corda de segurança que une o corpo à fita. Mas em Moab, os 33 metros de corda que Dean percorreria sem corda de segurança exigiriam o controle e a concentração de um Buda. Por isso, sabendo que as chances de perder o controle seriam grandes, o maluco (mas nem tanto) Dean optou por levar um pára-quedas. Boa escolha. As tentativas de cruzar o abisco fracassaram e Dean despencou de lá de cima, inventando uma nova modalidade: o baseline. “A exposição era muito grande e confesso que tive um pouco de medo”, disse depois em entrevista ao jornal The New York Times. Obstinado, Dean ainda deseja completar a travessia sem recorrer ao pára-quedas. Caso consiga, o frio na barriga de um salto terá sido substituído pelo mais alto nível de concentração que um ser humano já atingiu.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2008)
A UM PASSO DO ABISMO: O norte-americano Dean Potter, que não conseguiu finalizar a travessia sobre o slackline, mas foi salvo pelo pára-quedas