Por Gabriel Sherman NÃO FAZ MUITO TEMPO, eu abandonei a minha fé. Espiritualmente, ainda sou um judeu praticante até certo ponto, mas meu comprometimento com a saúde perfeita acabou. Não foi uma mudança fácil. Fui um atleta compulsivo por anos, disputando competições de esqui e mountain bike durante a faculdade e correndo seis maratonas desde 1999. No entanto, quando me mudei para Nova York (EUA), há muitos anos, entrei em crise.
Treinando com o objetivo de completar uma maratona em menos de 3 horas, me tornei obcecado pelo meu condicionamento físico e nutrição. Consumi ferozmente livros e revistas, que ofereciam fórmulas secretas para ficar mais rápido. Examinava minuciosamente minha dieta, a ponto de pesar minha comida, a la Lance Armstrong. Constantemente preocupado com a hidratação, transformei minha garrafinha d’água numa espécie de apêndice. Meu irmão mais velho achava esquisito tal hábito. No fim, percebi que o esquisito era eu.
Sim, consegui alcançar meu objetivo – 2h56min na maratona de Nova York – mas me tornara um unha-de-fome infeliz e esquecera o prazer, razão pela qual comecei a correr. Ou seja, contraí a fanática mania de estar em perfeita forma, que anda arruinando tantos atletas. Nos últimos anos, presenciamos uma profusão de regras, menus e tratamentos para o rápido e crescente número de viciados em treinamento. No entanto, em nossa busca pela perfeição, nos tornamos um bando de obsessivos ansiosos, mergulhados de cabeça em cada nova tendência, novo estudo ou dieta para consertar enfermidades tão comuns aos seres humanos como uma contratura da panturrilha ou uma dor de barriga de vez em quando.
No ano passado, só os norte-americanos compraram 30 milhões de livros sobre boa forma. Nesse meio tempo, a indústria do personal trainers cresceu 31% desde 2000. Quando me inscrevi numa academia, minha matricula incluía uma sessão de treinamento grátis. Meu bombado treinador me arrastou até uma esteira para um rápido teste de VO2 máximo. Então ele usou este impreciso resultado para me dizer que estava errado tudo o que eu sabia até então sobre corridas. Sai de lá confuso. Depois, fiquei sabendo que não há um exame de certificação nos Estados Unidos para treinadores. Fiquei furioso.
Nutrição é um campo minado igualmente problemático, com informações curiosas. Recentemente uma revista publicou uma lista agourenta de “as 20 piores comidas”, repleta de itens assustadores, como um hambúrguer de peru com 1.145 calorias – o tipo de refeição que eu adorava depois de uma longa corrida.
E agora a novidade é a alergia ao trigo. Em 2006, o Instituto Nacional de Saúde norte-americano (NIH) lançou a campanha de Conscientização dos Problemas Celíacos, alertando ao público sobre os perigos do trigo. Os poucos diagnosticados devem seguir uma dieta rígida, livre de glúten. Mas de acordo com o NIH, essa condição afeta somente 1% da população. E você não saberia disso se não fosse a briga de foice entre livros de receitas que não contêm trigo e os substitutos do glúten que agora estão a caminho. Como o jornal The New York Times publicou em 2006, uma mulher estava tão convencida de que sofria de um série de alergias alimentares, que eliminou de sua dieta todas as frutas cítricas – para depois ser diagnosticada com escorbuto.
Nessa busca frenética pela saúde 100% perfeita – por meio de dietas e exercícios perfeitos –, com certeza ficamos mais em forma, mas perdemos o bom-senso. É por isso que decidi parar aos 98%. São os últimos 2% que nos enlouquecem.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2008)
Foto por Richard Corman