Por Mario Mele O BOM-HUMOR INERENTE aos canadenses Paul Kent, Aaron Enevoldsen e ao norte-americano Adam Colton se revelou um grande aliado em suas andanças de skate pelo mundo. Afinal, saber manter o alto astral é item obrigatório para quem decidiu percorrer milhares de quilômetros em seus “carrinhos”, enfrentando rodovias esburacas e carregando toda a bagagem nas costas.
Com a cara e a coragem, os três amigos lançaram-se na expedição Long Treks on Skate Decks em 2009, quando atravessaram o Peru e a Bolívia com seus longboards. No ano seguinte, decidiram desbravar as areias escaldantes do Saara em uma viagem pelo Magreb. No total, foram cerca de 4.500 quilômetros de pura diversão – além, claro, de alguns tombos memoráveis. A seguir, Paul, Aaron e Adam falam à Go Outside sobre os perigos e prazeres de conhecer novas culturas de um jeito nada convencional.
GO OUTSIDE Muita gente deve estar se perguntando: o que vocês têm contra a bicicleta?
PAUL KENT Na verdade, eu era um incansável ciclista há uns anos atrás. Chegava a girar até 40 horas por semana, quando estava inspirado. Aí passei a andar de skate longboard e descobri uma nova extensão do meu corpo. As experiências com o chão e com o mundo ao redor são bem íntimas. Você percebe tudo, é uma sensação boa, mas que pode ser muito ruim também – é só ver os tombos nos nossos vídeos. Eu acredito que uma viagem por terras distantes pode ser ainda mais desafiadora se você estiver de skate, com sua mochila nas costas. Consegui estender meus limites físicos e mentais durante nossas expedições em quatro rodas.
Por quantos países vocês passaram? Teve algum que marcou mais?
AARON Na expedição Long Treks on Skate Decks, chegamos à marca de 4.500 quilômetros, divididos em duas viagens. Cruzamos o Peru e a Bolívia e, depois, o Marrocos.
ADAM COLTON Entre todas as viagens que já fiz, a da Bolívia e Peru foi a que mais me marcou, principalmente quando chegamos aos Andes. Eu tenho um grande respeito por aquelas montanhas. São incríveis e desafiadoras.
Viajar longas distâncias de skate é comum? Desde quando as pessoas fazem isso?
AARON A primeira viagem de que tenho notícia foi de Jack Smith, que cruzou os Estados Unidos com a ajuda de um skate em 1976. Mais recentemente, Rob Thompson percorreu 20.000 quilômetros na China, alternando bicicleta e skate longboard. É dele o recorde da maior distância percorrida por propulsão humana.
Não é um grande problema andar de skate carregando uma mochila pesada nas costas?
AARON Existem duas maneiras de cair com a mochila: em cima dela ou com ela em cima de você. Eu aprendi isso do pior jeito (risos). No começo, pode ser desconfortável carregá-la, as alças machucam os ombros por causa do atrito, mas depois de alguns dias você já se sente nu sem ela. A dificuldade da mochila até que é boa, pois te obriga a levar somente o essencial, e eliminar várias coisas que julgava importantes, mas que depois se revelam totalmente desnecessárias.
PAUL Nós carregamos peças pequenas de reposição. Não levamos rodas reservas, apenas um jogo de rolamentos avulso, kit de primeiros socorros e nosso sistema de hidratação. Equipamentos de filmagem e fotografia e lanternas de cabeças foram na bagagem também. Mas cada grama faz diferença, então escolhemos cuidadosamente o que levar.
Já se lançaram em alguma outra road trip? Com qual veículo?
ADAM Já fiz Estados Unidos, França e Nova Zelândia também de skate, só que com um carro de apoio, que levava todo o meu equipamento. Eu ia apenas com uma mochila pequena com água. Com menos peso nas costas, é possível percorrer distâncias maiores diariamente. Mas admito que não sou muito fã de viajar dessa forma, pois acaba aumentando a despesa e complicando as coisas. O motorista fica mal-humorado, acha aquilo tudo um tédio. Nas expedições à América do Sul e ao Marrocos, nós fomos auto-suficientes durante todo o trajeto. Você fica totalmente conectado com o ambiente. É muito mais simples e gratificante.
Vocês são skatistas profissionais? Vivem disso ou têm outro trabalho?
PAUL Considero o skate minha carreira, mas, como é preciso fazer dinheiro, ter um trabalho normal parece uma boa ideia. Portanto atualmente eu opero uma máquina numa empresa que engarrafava água e tenho um acampamento de verão para crianças que querem aprender a andar de skate longboard. Gosto mesmo é de andar de skate e de administrar meu acampamento, mas também preciso comer nos outros meses do ano (risos).
AARON Trabalho como vendedor numa loja da marca de roupas Patagonia em Calgary, Canadá, mas estou envolvido também com filmagens. Em breve produzirei vídeos engraçados de viagens à Argentina, ao Uruguai e, talvez, ao Brasil. Adam trabalha numa empresa de marketing relacionada a skate e produz vídeos, como o Longboarding Let Go, disponível no YouTube. Ele e Paul – que detém o recorde mundial de distância percorrida de skate em 24 horas (403 quilômetros) – são profissionais, apesar de modestos.
Que outros meios de transporte vocês usaram durante essa última viagem? Carregaram muito o skate debaixo do braço?
PAUL Chegávamos de avião a cada país. Pegávamos ônibus ou carona quando o skate quebrava ou se alguém de nós se machucava. Também fizemos um trecho do deserto do Saara a camelo. É radical ficar no lombo de um camelo por algumas horas. É bem menos confortável do que uma jornada de vários dias de skate. Mas nem nas subidas nós carregamos o skate.
Você se lembra da subida mais difícil? E do melhor downhill?
PAUL A escalada mais difícil de nossas vidas provavelmente foi em Nazca, no Peru. Foram três dias percorrendo aproximadamente 300 quilômetros, que só terminaram depois de alcançarmos 4.290 metros de altitude. No começo da subida, estava bem quente e seco, mas o topo era congelante, ficava difícil até de respirar. Para piorar as coisas, o asfalto era muito esburacado.
AARON Provavelmente o melhor downhill foi logo depois disso. A rodovia cortava um enorme vale e, repentinamente, depois de subirmos por três dias, notei que estávamos no meio dos Andes. Foi como se tivesse conseguido realizar algo impossível.
Tomaram muitos tombos pelo caminho? Qual foi o pior?
PAUL Eu tomei um feio no Marrocos, que fez o asfalto parecer um ralador gigante de queijo. Quebrei um pedaço do cotovelo.
AARON Todos nós caímos. O skate de Adam travou numa pedra do tamanho de uma bola de baseball. O cara voou. Já eu caí numa estrada de cascalho e abri um buraco no cotovelo. Mas o acidente de Paul no Marrocos, em que ele quebrou um pedaço de osso do cotovelo, foi assustador.
As capas coloridas que vocês aparecem usando em muitas fotos eram para ajudar a frear durante as descidas? É um procedimento normalmente adotado por skatistas do downhill?
PAUL É influência dos esportes a vela. Elas não são comuns no skate downhill, mas poderiam ser mais usadas em longas distâncias e também como diversão nas montanhas. São mini-paraquedas que fazem você desacelerar numa descida ou ganhar velocidade quando o vento sopra nas costas. Além de ser divertido, isso nos poupou muita sola de tênis nas brecadas.
Vocês filmaram a viagem. Como pretendem lançar esse material?
PAUL Estamos colocando os vídeos no Youtube [procure por “miles of smiles”]. Também estamos fazendo um acordo com um canal de TV europeu para transmitir alguns vídeos. Isso seria sensacional.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2011)
SEGURA A PERUCA: Aaron pega velocidade no caminho para Juliaca, no Peru
Fotos por www.longtreksonskatedecks.com
SKATE A VELA: Aaron conta com a ajuda do vento para adentrar o vale do Drâa, no Marrocos
WOLVERINE: Na vila de Pucuio, no Peru, Aaron exibe seu ferimento recém-adquirido
DOWNHILL: Com suas velas improvisadas, o grupo desce a serra em Gorges du Dades, um dos lugares mais incríveis do Marrocos
FIM DA LINHA: Na cidade de Rabat, o final da viagem pelo Marrocos
OUTRO PLANETA: Paul desliza sobre o Salar de Uyuni
CABEÇA FEITA: Pausa para o lanche e para a foto