Por Maria Clara Vergeuiro
Foto por Arquivo pessoal
QUANDO EU ERA PEQUENA, minha irmã mais velha me disse uma frase que ficou gravada na minha cabeça: “A gente nunca está preparado para experimentar algo pela primeira vez”. Cinco anos mais jovem que ela, me acostumei a admirar seus movimentos, a testemunhar suas conquistas adolescentes. Enquanto isso, eu fazia planos de “ser grande” e sonhava com as minhas próprias estreias. Minha irmã tinha razão. Sempre me surpreendi com o gosto de uma primeira experiência. Logo percebi que a graça era exatamente essa – ser pega de surpresa, abrir uma nova porta, descobrir uma habilidade até então desconhecida e, assim, entender um pouco mais sobre mim.
Desde que me tornei repórter da Go Outside, no ano passado, voltei a me sentir uma observadora das experiências de gente que já tinha feito muito mais do que eu, tanto profissionalmente como nas incursões pelo universo da aventura – afinal, muitos colegas de trabalho viram esta revista nascer e são atletas de responsa. Quase como “irmãos mais velhos”, todos aqui sempre me incentivaram a arriscar um pouco mais em tudo. Durante a ralação para preparar o Guia de Bikes, lançado em fevereiro, vi meu interesse pelo pedal crescer significativamente. Talvez por isso eu tenha recebido a incumbência de participar, pela primeira vez, de uma clínica de mountain bike. Logo eu, cuja familiaridade com pedaladas na terra não ia além de uns poucos passeios em parques e fazendas.
Animada, fui para Campos do Jordão (SP) experimentar um curso de dois dias, só para mulheres iniciantes, organizado por Adriana Nascimento. Estaria, respirei aliviada, em boas mãos: Dri – merecidamente chamada de “mestra” por seus alunos – foi nove vezes campeã brasileira de cross-country e figura entre os nomes mais respeitados do MTB nacional. Para me fazer companhia na empreitada e eventualmente me “rebocar”, estava a editora desta revista, Erika Sallum, que pedala há oito anos, mas que queria aprimorar sua técnica. Completando o time, teríamos mais uma aluna, Eliza Gaia.
Das três participantes, eu era, de longe, a mais inexperiente – o que fazia de mim uma cobaia perfeita, já que não tinha traumas ou tombos memoráveis. De bike emprestada, sem firma-pé ou sapatilhas, um capacete da pior qualidade e luvas gentilmente cedidas pela Erika, peguei a estrada às sete da manhã de um sábado. A clínica estava organizada em algumas horas de teoria, exercícios práticos, mecânica e uma trilha no Horto Florestal de Campos. Nosso ponto de encontro, uma loja de bikes e acessórios, já fez brilhar meus olhinhos consumistas. Constatei que, se a brincadeira se tornasse séria, teria bastante assunto dali para frente – além, claro, de uma infinidade de blusas, bermudas, meias e outros apetrechos ciclísticos.
Escolhi um figurino apropriado (nada como uma nova camisa de bike para animar a manhã), cobicei uma magrela ideal, vi um capacete perfeito para minha filha de 5 anos pedalar também. Então vieram as recomendações teóricas básicas para lá de profundas da mestra. “Os olhos mandam no caminho. São eles que antecipam os obstáculos e te ajudam a escolher o percurso e a se preparar para o que está por vir”, dizia Dri, com tranqüilidade e doçura. “Por isso, olhe sempre para onde você quer ir, e não o contrário. Erra quem tem o foco nos problemas e não no trecho mais fácil para passar.” Filosofia pura, pensei. Sempre gostei da capacidade que cada esporte tem de formular máximas para a vida. Naqueles primeiros dois slides de Power Point que Dri nos apresentava, estava um recado inesquecível.
Com ensinamentos preciosos na mente, parti com minhas companheiras para o primeiro desafio do dia: uma pirambeira com bastante terra, buracos, valas e algumas pedras. Confesso que não era assim um superbarranco de meter medo em bikers mais profissas, mas conseguiu assustar a todas nós, iniciantes. Respirei fundo. O pneu da frente simplesmente não quis ir, e o de trás não gostou da cena e levantou do chão. Graças aos pés soltos no pedal, consegui evitar um rola cinematográfico. Acho que olhei para onde temia… Ok, vou tentar mais uma vez. Fui descendo sem muita consciência do que fazia, meio cega, mas cheguei ao final sã e salva. Olhei para a Erika e mandei um “Grrrrrrrr!!!!”, em homenagem às meninas valentes da Go Outside. Na hora de subir o barranco, fui mais feliz, mirando sempre onde a pirambeira acabava. Até ouvi um elogio da minha professora, que me viu, decidida, levantar do selim para ajudar no impulso final.
A chuva de verão daquela tarde nos mandou de volta para a terceira parte do curso: uma aula de mecânica. No mountain bike, não dá para não saber trocar pneu ou consertar uma corrente quebrada. Também não se deve arriscar um pedal longo sem itens básicos de sobrevivência, como chave de corrente, chave allen, powerlink, bomba de ar e silvertape. Fiquei fã do tal powerlink, uma pecinha providencial que ajuda a emendar uma corrente arrebentada sem que se precise entortar qualquer articulação dela. Achei o máximo imaginar que em uma situação extrema, onde só esteja eu, a bike e o mínimo de ferramentas, eu possa sobreviver ilesa – mesmo que o conserto leve um bom tempo. Também curti a ideia de ter um brinquedão daqueles para cuidar, azeitar, calibrar, trocar peças.
Fui dormir ansiosa, louca para botar em prática meus novos conhecimentos. O domingo amanheceu azul, sem uma nuvem no céu. Saímos para a trilha levando uma nova integrante, Carol, sobrinha da Dri Nascimento de 11 anos, mascote cheia de atitude. Pouco antes de nos jogarmos nos singletracks (aprendi que se tratam de estreitos caminhozinhos de bike cercados de mato), passamos horas hilárias treinando a técnica em morrinhos e raízes. Já tínhamos experimentado terrenos diferentes, obstáculos naturais e até algumas quedas. Ainda assim, as descidas cheias de musgos, pedras e buracos intimidaram no início. Enquanto eu avaliava, estática, alguns aspectos de um downhill cheio de pedras lisas, Dri fazia demonstrações com a perícia de quem já encarou coisa muito pior, tentando nos convencer de que a descida era possível e prazerosa. Tentei soltar um pouco o freio e a tensão dos braços. Comecei a sacar o equilíbrio proporcionado pelo quadril atrás do selim. Percebi que a velocidade pode ser minha aliada e, feliz, fui seguida por uma dezena de borboletas azuis.
Entendi que o grande barato do mountain bike é variar – de paisagem, posição, marcha, terreno – e que essa flexibilidade define o aproveitamento do rolê. Pedalar na natureza não é para céticos. Fica melhor com alguma dose de poesia e generosidade, necessárias para aceitar os caminhos e torná-los parte do percurso. Em dois dias, ganhei muito mais do que parecia possível. Não que eu vá me tornar uma expert do pedal, mas certamente descobri novos meio de enxergar além dos obstáculos.
PRA COMEÇO DE CONVERSA…
Seis lições essenciais para qualquer iniciante no mountain bike, por quem aprendeu na marra algumas dessas dicas
>> 1 Os olhos são os maiores aliados do seu pedal. Olhe sempre à frente, focando o próximo objetivo.
>> 2 Não troque a marcha quando estiver fazendo força ou você pode arrebentar a corrente. Na hora que avistar uma subida, mude de marcha ainda no plano. A passagem silenciosa é sinal de que você fez a troca na hora certa.
>> 3 Evite frear bruscamente com o freio da roda dianteira quando estiver descendo. A roda de trás tende a levantar do chão, te arremessando à frente.
>> 4 Não abuse do freio na descida pensando que isso te ajudará a evitar um tombo. A velocidade (moderada!) é a melhor maneira de não cair. Confie na capacidade de a bike superar o terreno e passar pelas pedrinhas.
>> 5 Nunca saia para dar um rolê mais longo sem água, comida e ferramentas básicas.
>> 6 Jamais deixe de usar o capacete, mesmo quando for “só uma voltinha”. Sem ele você não vai parecer “pró” e descolado, mas sim um iniciante mané e sem noção do perigo.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2011)
MOMENTO SHE-RA: Maria Clara comemora os ossos intactos ao final de um downhill