Por Erick Hansen
Foto por Corbis
ÀS CINCO DA TARDE DE UMA CINZENTA SEGUNDA-FEIRA, enquanto tomo um elevador ruidoso até o quarto andar no número 148 da West 23rd Street, no bairro Chelsea, em Nova York, não consigo evitar sofrimento e dúvidas. Mais cedo, a ideia de praticar espeleologia na minha própria consciência durante uma hora ou mais pareceu uma grande aventura. Mas agora, quando estou por adentrar o reino escuro e silencioso do tanque de privação sensorial da Blue Light Floatation (BLF), me vem a preocupação de estar dando um mergulho para dentro de um buraco negro.
Bato numa porta ao final de um longo corredor acarpetado e sou recebido pelo proprietário Sam Zeiger, um cara de 50 e poucos anos com postura perfeita e a palidez de alguém que passou muito tempo deitado no escuro. “Olá Eric”, ele diz em voz baixa, conduzindo-me para dentro. O BLF na verdade está localizado no minúsculo apartamento de Sam.
À minha direita, uma cortina de pedras esconde a entrada de uma pequena cozinha. À minha esquerda, um banheiro de azulejos brancos no estilo dos anos 1950. Ao final de um corredor estreito, passando por um biombo de tatame, há uma sala de estar coberta com desenhos a lápis de autoria de Sam – principalmente retratos de gurus – e forrado com estantes de livros que vão desde The Book of Floating: Exploring the Private Sea [O Livro da Flutuação: Explorando seu Oceano Privado] até LSD: My Problem Child [LSD:Meu Filho Problemático]. O cômodo ao final do corredor, que a princípio confundo com um depósito, é, na verdade, o quarto do tanque.
Ao contrário dos tanques que se vê na maioria dos centros de flutuação, parecidos com caixões, o dele, feito sob encomenda por 25 mil dólares, parece mais uma banheira gigante. Tem 2,5 metros de comprimento por 1,20 de largura, com uma tampa de 1,80 metro – graças a Deus, um painel simples no lugar da tradicional tampa de metal (que tranca).
Então vou me deitar nesta clausura à prova de som e de luz, flutuando numa cama de água salgada supersaturada mantida a 34 oC (a temperatura da minha pele). E o que mais? “Esta experiência é exclusivamente sua”, diz Sam. “Não posso dizer o que vai acontecer, porque não posso interferir.”
Ele me explica os procedimentos pré e pós-flutuação. O mais importante, acho, é não pingar água no chão dele. Quinze minutos depois, tiro minha roupa, tomo uma ducha no chuveiro do outro lado do corredor, me seco, volto ao tanque, tiro a toalha e me deito de costas numa salmoura morna e pegajosa. Então apago a luz. A realidade se torna negra. Flutuo tanto que minhas orelhas mal afundam na água, e puxo golfadas de ar úmido como a bruma da selva. No começo é esquisito, mas me acalmo e faço alguns experimentos. Será a água tão densa que consigo erguer a cabeça sem afundar? Sim. E as pernas e os braços simultaneamente? Sim. Fazendo pose de jazz? Legal! Uma vez que as pequenas marolas param, meu corpo encontra seu estado natural de repouso: diagonalmente, com os braços cruzados acima da cabeça e o pescoço virado para o lado. Não é tão mau, penso.
Assim como os ajustes de chakra, retiros Zen no alto da montanha ou o Reiki, a privação sensorial era uma coisa que eu não entendia direito, mas que dispensava como algo meio maluco. Um retorno ao útero? Já estive lá, obrigado. Mas meu amigo Dave, que vive sozinho numa cabana na floresta, era insistente, exultando o “tanque de privação sensorial” em praticamente toda conversa que tivemos recentemente. Uma noite eu finalmente comecei a pesquisar o assunto.
HÁ UNS 60 CENTROS COMERCIAIS com os tanques de privação sensorial espalhados pelo território norte-americano. Frequentemente eles têm nomes fofos: Flutue e Sonhe, iFloat Spa, O Tanque de Flutuação de Vida Abundante da Zoe. A maioria opera com um único tanque, como Sam, e poucos são os centros que tem vários tanques, como o Tanques Espaço Tempo, em Chicago. Os donos vão desde corretores de mercado de ações até fãs do ocultismo rescendendo a incenso. A maioria das pessoas flutua por uma hora, apesar de alguns – os “flutuadores longos” – permanecerem por duas ou três horas.
Conforme me disse Sam, as experiências no tanque podem variar. Alguns praticantes veem sua flutuação como um tratamento rejuvenescedor num SPA, nada mais. Outros têm visões malucas que estimulam a criatividade. E, finalmente, há aqueles, como o fundador do Lazy Yoga Flotation, em Las Vegas, que consideram a flutuação nada menos que um atalho para a iluminação.
Consumidores vorazes de drogas são especialmente fervorosos. Craig Hoefler, ex-usuário de LSD e criador do Float Lab, na praia de Venice, na Califórnia, diz, sem nenhum traço de ironia, que está construindo “o supremo tanque de privação sensorial” – completo, com uma TV de tela plana de 26 polegadas e dois alto falantes subaquáticos de 1600 watts. A única coisa que todos os envolvidos concordam é que o filme Viagens Alucinantes (Altered States), de 1980, é uma dramatização exagerada. Eu não entraria em um tanque de privação sensorial um homem e sairia um gorila devorador de ovelhas, como a personagem principal do filme.
Há, definitivamente, um lado sério, talvez até assustador, em tudo isso.Um estudo britânico publicado ano passado no Journal of Nervous and Mental Disease [Revista de Doenças Mentais e Nervosas] relatou que quando 19 indivíduos foram colocados num quarto sem luz ou som por apenas 15 minutos, muitos deles demonstraram sintomas de psicose. Dois sentiram uma “presença maligna”. Onze reportaram alucinações de rostos ou objetos. Eu explorei os mais poeirentos rincões da Ásia, remei em rios amazônicos serpenteantes, caminhei até cidades fantasma nos Alpes. Talvez tomar um banho morno possa se tornar a viagem mais estranha de todas.
De volta ao tanque. Após meu nervoso inicial, tento aquietar minha mente. “Frequentemente, as pessoas vêm com a ideia de sair do corpo”, havia dito Sam, “mas para conseguir um estado mais profundo de consciência é importante primeiro entrar no seu corpo”. Então, entro no meu corpo. E a sensação é bruta e esquisita. Cada batida do meu coração reverbera dentro do meu tímpano. Meus cílios fazem um ruído estranho quando abro e fecho minhas pálpebras. Os ligamentos do meu pescoço estalam e chiam. Estou velho, penso. Mas não sou um velho – sou apenas eu, flutuando livremente sobre a cidade. A sensação é muito real. Sou uma massa flutuante, que olha para baixo e vê as pessoas olhando vitrines de lojas de móveis, meu amigo Chris caminhando resoluto com sua bolsa de mensageiro. “Uau, você está realmente entrando no barato”, diz alguém. É a voz da minha esposa. “Você está se aprofundando.”
“Estou”, digo.
Então outro som inesperado explode dentro da minha cabeça: música New Age eletrônica! Infelizmente, essa parte é real. Sam ligou os alto falantes, sinal de que a sessão está terminando. Após me enxugar e vestir, agendo uma sessão de uma hora e meia para a semana seguinte e saio apressado pela porta, mal tocando o chá de ervas que Sam me servira.
Será que eu caí no sono e sonhei? Provavelmente. É difícil dizer isso quando não se sabe se os olhos estão abertos ou fechados, ou qual lado é o lado de cima. É possível que eu tenha estado acordado, ou algo parecido, em algum teatro alternativo da subconsciência. De qualquer forma, me senti em um estado alterado, o tipo de coisa que os iogues induzem por meio da concentração num seixo ou o que os montanhistas experimentam depois de privar-se de oxigênio. E é disso, exatamente, que alguns flutuadores estão atrás.
“Em pessoas ajustadas, todas as alucinações são resultado de circunstâncias anormais”, diz Oliver Mason, palestrante sênior em psicologia clínica na Universidade de Londres e autor de um recente estudo sobre privação sensorial. Esteja você hipnotizado pelas linhas brancas da rodovia (“hipnose da estrada”) ou pense estar vendo lesmas do tamanho de bananas, o mecanismo subliminar é o mesmo: a mente, esteja ela sufocada ou subestimulada, confunde sinais internos com informações compiladas pelos cinco sentidos.
Como exatamente isso acontece no cérebro não é totalmente compreendido, mas tais erros cognitivos podem parecer muito reais. “Se você acha que o som de uma palavra vem da sua cabeça, é um pensamento. Se você acha que veio de fora, é uma voz”, diz Mason. “Então, alucinações não passam de erros tolos da sua cabeça?”, pergunto. “Por que seriam tolos?”, diz ele. “O significado é construído apenas no cérebro. Com uma experiência num estado alterado, a questão chave é: será que o significado se transfere para a vida de alguém?” Até agora, a transferência mais concreta da minha primeira experiência no tanque é sal. Como meu banho pós-sessão foi muito rápido, passei os três dias seguintes cavoucando cristais maciços incrustados em cera de ouvido. Mesmo assim, ainda estou curioso para ver o que vai acontecer quando eu for “mais fundo”.
Retornando ao Blue Light, noto que Sam não ficou nem um pouco ofendido com minha partida abrupta na sessão anterior. “Às vezes, você só precisa de um tempo para ficar sozinho, para processar”, diz.
É hora do mergulho seguinte. Fecho a porta do tanque e me acomodo na pacífica escuridão, pronto para todas as revelações, que, é claro, não aparecem. A mente não é, como diz o velho clichê, “um ótimo servente, mas um péssimo mestre”. É, sim, uma maldita insubordinada, e a minha se recusa a trazer visões de significado xamânico. Em vez disso, pago cem dólares para ruminar a respeito das coisas que tenho para fazer, como cortar as unhas dos pés ou devolver aquele livro que está comigo há seis meses, aquele sobre construção de pequenos veleiros.
MAIS TARDE, MEUS AMIGOS ficam extremamente decepcionados ao ouvir que minha mente não desabou feito um suflê em alta montanha. Mas suas chacotas não me desconcertam. Com a aprovação cautelosa de Sam, agendo uma flutuação de quatro horas. É tempo suficiente para me qualificar como um “flutuador longo” e suficientemente atordoante para – pelo menos se eu vivesse na Inglaterra – necessitar de aprovação da Agência Nacional de Segurança do Paciente. Mas lendo a respeito do criador do tanque, o norte-americano John Cunningham Lilly, descubro que quatro horas não chega nem perto dos limites da flutuação.
Lilly, médico e neurofisiologista, inventou o tanque de privação sensorial em 1954, quando trabalhava no Instituto Nacional de Saúde Mental. Apoiado por interesses da era da Guerra Fria em lavagem cerebral, seu objetivo era isolar e estudar a consciência. Dez anos de flutuação mais tarde, entretanto, seus estudos no tanque saíram de moda entre os cientistas sérios – e ele virou um lunático. Em meados dos anos 1960, ele estava conduzindo sua “pesquisa”, frequentemente após mandar uma quantidade considerável de ácido. Dentro do tanque de metal, acreditava Lilly, ele poderia contatar algo que chamava de “Alternidade”, por meio de uma presença divina que classificava de “o Escritório do Controle da Coincidência da Terra”. Ele também acreditava que poderia se comunicar com os golfinhos e chegou a ponto de realizar algo não tão bacana quanto dopá-los com LSD.
O mais próximo que cheguei de um estado de Flipper doidão foi no sábado à noite, quando minha namorada saímos, tomamos todas e ficamos na rua até o sol nascer. Me arrasto até o telefone algumas horas depois, com a sensação de que um prego foi martelado na minha cabeça, e ligo para Sam para remarcar.
“Vou ter que desligar o sistema de filtro, então”, diz ele, bufando.
“Me desculpe, Sam”, digo, “mas é que…”
“Eu recusei consultas.”
“Eu posso pagar uma taxa de cancelamento”, murmuro.
“Eu o preparei especialmente para você”, ele responde, magoado. O quê? Será que ele removeu a umidade da água? Fico irritado, mas essa transferência de culpa funciona. Pulo da cama e corro para o tanque, onde estou certo de que vou cair no sono e acordar ainda mais desidratado, faminto e ressacado.
As coisas começam como sempre. O limite entre a minha pele e a água desaparece, toda a sensação de tempo desvanece e minha mente começa a projetar alucinações bizarras na escuridão, começando com uma montagem Daliesca da minha história romântica recente. Outras visões vêm, como uma pequena garota de capa de chuva vermelha caminhando por uma praia em direção a um grupo de aves marinhas imensas e ameaçadoras, e então se deitando num bico, curvado como uma tromba de elefante, e adormecendo.
Depois aparece Napoleão. Eu certamente não esperava que o imperador da França aparecesse, mas cá está ele – vestindo culotes de montaria e um casaco de botões brilhantes, mechas de cabelo ralo escorrendo pela testa. Ele caminha por um piso de terra na Madison Square Garden, sobe num pequeno palco circular e começa a cantar uma interpretação perfeita do hit da Beyoncé “Single Ladies (Put a Ring on It)”. Então ele se vai e quando eu vejo, a sessão acabou.
Ao sair da BFL para a rua barulhenta, quaisquer significados que tenham tido as alucinações desaparecem rapidamente. Mas há uma diferença: me sinto incrivelmente lúcido e enérgico. Esqueça a rede numa praia mexicana ou um drinque matinal no ar adstringente de St. Moritz. Para curar ressaca, a privação sensorial é o máximo.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de Janeiro de 2011)