Outsiders 2009

Por Fernanda Franco e Mario Mele
Fotos Marcio Bruno

Se uma nave extraterrestre voasse hoje sobre o Brasil em busca de nossos melhores esportistas, quem eles abduziriam? Se ETs curtem uma aventura, acreditamos que os atletas homenageados nas páginas a seguir seriam as primeiras vítimas.
Num tempo de rotinas urbanas, crise, estresse, corrupção, pressa e poluição, nossos escolhidos tiveram a coragem de acreditar em seus sonhos e, fazendo o que mais gostam, concretizaram conquistas que pareciam antes impossíveis. Eles são uma lembrança viva e inquestionável da importância de desafiar os limites e buscar a própria essência junto à natureza.
CESAR CIELO
O QUE FAZ: nadador
DE ONDE É: Santa Bárbara d’Oeste (SP)
POR QUE ESTÁ AQUI: é o nadador mais rápido do mundo de todos os tempos nos 50 e nos 100 metros livre
O NOME “CESAR CIELO” FOI DESTAQUE pela primeira vez no mundo da natação em 2006, depois que o atleta do interior paulista quebrou o recorde sul-americano dos 100 metros livre, que desde 1998 pertencia ao catarinense Fernando Scherer, o Xuxa. Essa foi apenas a “energia de ativação”. Nos anos que seguiram, Cielo mostrou um domínio incomum da fórmula de superar grandes marcas.
Em 2009, particularmente, ele pareceu não estar nem um pouco satisfeito com as quatro medalhas conquistadas nos jogos Pan-americanos de 2007 (três de ouro e uma de prata), nem com as duas olímpicas (uma de ouro e uma de bronze) obtidas no ano seguinte, em Pequim. E, como se estivesse em busca de sua primeira vitória na natação, chegou faminto ao campeonato mundial de esportes aquáticos, em Roma. “Nunca gostei de perder, me lembro que jogava o controle na parede quando perdia no videogame”, admite. Os franceses Alain Bernard e Frédérick Bousquet, derrotados por ele em Roma nos 100 e nos 50 metros livre, sabem bem disso. Nos 100 metros, Cielo ainda bateu o recorde mundial da prova, com o tempo de 46s91. “O desafio é mirar a evolução constante.
Em 2006 e 2007, minha meta era a mesma.Em 2008, o foco foi a Olimpíada, mas a essência dos meus objetivos é sempre melhorar”, explica. Disso ninguém duvida. O recorde mundial dos 50 metros livre, que depois do mundial em Roma ainda pertencia a Bousquet, Cielo quebrou em dezembro, durante o Torneio Open de Natação, em São Paulo. O tempo de 20s94 caiu para 20s91, e o brasileiro definitivamente entrou para a galeria dos maiores sprinters da história do seu esporte. Um dos poucos nadadores, inclusive, que conseguiram a façanha de ganhar medalhas de ouro numa olimpíada e num mundial consecutivamente.
Mesmo tendo se tornado o maior nome da natação brasileira de todos os tempos antes de completar 23 anos de idade, ele sabe que faz parte da evolução do esporte em seu país. “Quando o Ricardo [Prado] ganhou prata nos jogos de Los Angeles, eu nem era nascido”, conta. “Já com o Gustavo [Borges], treinei em 2004, e aprendi também lendo o livro dele [Lições da Água, ed.Gente] e o assistindo pela TV”, completa. Este ano, sua meta é mandar bem no Pan-Pacífico de Irvine (EUA), em agosto. “Se eu ainda estiver ganhando da molecada que virá por aí, acho que continuo na natação até 2016”, profetiza. “Mas prefiro pensar temporada a temporada.”
DANIELA GENOVESI
O QUE FAZ: Ciclismo
DE ONDE É: Rio de Janeiro
PORQUE ESTÁ AQUI: Venceu os 5.000 quilômetros da prova de ciclismo America, na categoria Solo, em 11 dias e 7 horas.
Essa carioca da gema de 41 anos adora viver na cidade que une praia com montanhas. Casada, mãe de três filhos – o mais novo com 3 anos e o mais velho com 18 –, Dani é disposição pura e garante que leva com o pé nas costas as funções de mãe, esposa e atleta. “As coisas se encaixam naturalmente aqui em casa”, explica. Antes de se embrenhar no desafio de pedalar – e se tornar a primeira mulher da América Latina a vencer – os 5.000 quilômetros da Race Across America (RAAM) na categoria solo, ela já foi campeã brasileira de jiu jitsu e de bodyboard, além de competir em provas de canoa havaiana, corrida de aventura e mountain bike.
Tanto tempo dedicado às competições nada mais é que um estímulo para que ela continue ativa e evoluindo. “Tenho pavor de ficar acomodada”, desabafa. Seu grande objetivo em 2010 é o L’etape Du Tour, uma das etapas do Tour da França, com cerca de 180 quilômetros e 5.000 metros de ascensão. Dani conseguiu se inscrever no pelotão dos cem primeiros e viaja para lá com o objetivo de pódio, mesmo sem conhecer o percurso ou já ter feito a prova anteriormente. E foi dessa maneira que ela venceu a RAAM, prova non stop que é considerada uma das mais duras da modalidade. Como treino para o L’Etape, ela vem participando das provas de ciclismo de circuito da Confederação Brasileira de Ciclismo, mesmo sem ter equipe. “Ando no pelotão, busco algumas fugas, mas para ter bom resultado precisa de equipe”, explica. Seus planos a longo prazo incluem até a formação de uma equipe de ciclismo feminino para 2011, e quem sabe uma vaga nas Olimpíadas de 2012. Como atleta, ela já se sente realizada. Seu único medo na vida é que seu corpo não aguente no futuro, por isso, procura escutar bastante os sinais dele durante as provas. “Quero estar competindo em qualquer coisa quando estiver velhinha”, finaliza ela.
ADRIANO DE SOUZA
O QUE FAZ: surfista
DE ONDE É: Guarujá (SP)
POR QUE ESTÁ AQUI: venceu o Billabong Pro na Espanha, uma das etapas do ASP World Tour
NÃO FOI FÁCIL, MAS A VITÓRIA finalmente veio durante a etapa espanhola, em outubro do ano passado. Para levantar seu primeiro caneco no principal circuito do surf mundial (ASP World Tour), Mineirinho, como é conhecido, tirou da frente caras bem mais experientes do que ele, como os norte-americanos Kelly Slater e Taylor Knox, e o havaiano Fredrick Patacchia. O evento, que inicialmente seria em Mundaka, foi transferido para o beach break de Sopelana, onde as condições estavam melhores. Surfando ondas de 1 metro, com características bem parecidas às que está acostumado no Brasil, ele bateu o australiano Chris Davidson na final por quase cinco pontos de diferença. Meses depois, fechou o ano em quinto lugar no ranking geral da Associação de Surf Professional (ASP).
Adriano fez sua estreia na divisão de elite em 2006 e, naquele ano, já logo na primeira etapa, na Austrália, conseguiu uma surpreendente terceira colocação. Portanto, não é por acaso que o Brasil inteiro deposita nele as maiores esperanças de um título mundial. “Acredito que hoje tenho um pouco mais de bagagem e consigo administrar melhor a pressão”, explica ele, que em 2009 já havia participado de outras duas finais no circuito, uma na Austrália e outra no Brasil. “Para 2010”, continua ele, “não me sinto tão pressionado como nos anos anteriores. O Brasil inteiro quer me ver campeão, mas sei que é um caminho longo. Tem atletas que já estão na fila há mais de dez anos brigando por um título mundial inédito na carreira, como o [australiano] Taj [Burrow]”. O maior segredo para o sucesso, segundo ele, é não querer passar por cima do tempo. E, enquanto o grande dia não chega, o brasileiro procura se concentrar na própria evolução. “Posso melhorar muita coisa ainda, como técnica de bateria e posicionamento nas ondas. Tenho que estar preparado para a hora que o bicho pegar.”

MARCO FARINAZZO
O QUE FAZ: corredor
DE ONDE É: Nova Iguaçu (RJ)
POR QUE ESTÁ AQUI: Venceu duas das três provas da Copa do Mundo de Corridas de 135 milhas (217 quilômetros), entre elas a temida Badwater, no vale da Morte (Califórnia, EUA)
Difícil acreditar no que essa figura com jeito muito simples e biotipo comum disfarçado num traje de passeio é capaz de correr em pistas de asfalto ou terra. Marco Farinazzo, 42 anos, é subtenente do exército, tem seis filhos e venceu duas das três provas da Copa do Mundo de Corridas de 135 milhas (217 quilômetros) em 2009. As três competições têm tempo limite de 60 horas e são realizadas em ambientes de extrema dificuldade. A primeira que Farinazzo venceu foi a BR135, em janeiro, no Caminho da Fé, sul de Minas Gerais.
O carioca não só ganhou, como bateu o recorde da prova com o tempo de 26h43min, debaixo de muita chuva, suportando dores musculares e câimbras, num percurso onde apenas 20 dos 217 quilômetros eram planos. A outra foi a Badwater, um dos desafios mais difíceis do planeta. Realizada no vale da Morte, uma região no deserto da Califórnia onde a umidade do ar gira em torno de 3% e as temperaturas ultrapassam os 40ºC (o asfalto chega facilmente a 100ºC). Farinazzo, que não tinha tradição no mundo das ultramaratonas, liderava a prova quando travou uma batalha com o mexicano Oscar Lopes – o brasileiro chegou a cair no choro ao achar que seria ultrapassado no final. “Escrevi umas frases de incentivo e as iniciais dos meus filhos num papel e segui.
A pressão psicológica é muito grande”, conta o campeão. O mais impressionante é que a BR135 foi apenas a segunda ultramaratona desse carioca: ele estreou em 2006, com uma vitória e tempo recorde nos 84 quilômetros do Desafio Praias e Trilhas, em Florianópolis. Sua base foi construída nas provas do exército. Atleta da corporação há 22 anos, ele não passou um único ano sem competir em provas como pentatlo, corrida rústica e corrida de orientação, que o levou às corridas de aventura, onde já participou de provas expressivas como o Ecomotion Pro.
O ano de 2010 desse amante de desafios longos começou agitado. Para completar o circuito das provas de 135 milhas, Farinazzo correu a Arrowhead, no estado de Minnesota (EUA), com temperaturas abaixo dos 30ºC negativos. Sem nunca ter visto neve na vida num usado equipamentos para frio extremo, ele teve muita dificuldade para se adaptar às condições da prova e só não desistiu graças a um competidor da Badwater que encontrou pelo caminho e o incentivou a continuar. Conseguiu fechar a prova em 57h48min. Mesmo sem patrocínio, sua inscrição para a Badwater 2010 já está feita, e ele tem planos audaciosos. “Vou me preparar ainda melhor para a parte de serra. Não estava preparado no ano passado”, explica ele, com modéstia.
POLIANA OKIMOTO
O QUE FAZ: nadadora
DE ONDE É: São Paulo
POR QUE ESTÁ AQUI: foi campeã da Copa do Mundo de Maratonas Aquáticas e ganhou a única medalha da natação feminina no Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos, na prova de 5 quilômetros
ESSA PAULISTANA QUE JÁ TEVE MEDO DO MAR hoje mora em Santos (SP) justamente para poder ficar mais perto dele. Nadadora desde os 2 anos e competidora desde os 7, Poliana Okimoto migrou das competições de piscina para o mar por insistência do técnico e marido Ricardo Cintra, que teimou para que ela se inscrevesse na Maratona dos Fortes (RJ), em 2005. Um dia antes da prova, durante os treinamentos, ela saiu do mar chorando e chegou a pensar em não largar. Mas quando viu que havia cerca de 2.000 pessoas inscritas, decidiu enfrentar o medo. Decisão mais que acertada, já que ela ganhou a competição e passou a investir na modalidade que foi incluída tanto nos Jogos Panamericanos quanto nas Olimpíadas.
No ano passado, ela colheu os frutos dessa escolha: tornou-se campeã da Copa do Mundo de Maratonas Aquáticas. Para isso, venceu nove das doze etapas que participou, e ficou em segundo lugar em outras duas. Seu feito inclui ter batido a campeã olímpica Larissa Ilchenko e a campeã mundial Ângela Maurer. Na última etapa, ela precisaria apenas completar a prova; mesmo com o mar muito agitado e bastante vento, Poliana fechou sua participação com outra vitória. A única etapa em que a brasileira não competiu coincidiu com o Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos, que aconteceu em Roma. Na prova dos 5 quilômetros da maratona aquática, ela levou a medalha de bronze – feito inédito para a natação feminina do Brasil em campeonatos mundiais de esportes aquáticos. O medo que surgiu quando criança se transformou em paixão. Hoje, Poliana prefere as provas no oceano do que em piscina, mesmo tendo que enfrentar mares agitados, temperaturas muito frias e até águas vivas. Para 2010, porém, ela pretende diminuir o ritmo de viagens e optou por não participar do campeonato que a projetou e acontece em vários países. Seu foco será o Mundial, em julho, no Canadá, já pensando na preparação para as Olimpíadas de Londres, em 2012.
FELIPE CAMARGO
O QUE FAZ: escalador
DE ONDE É: São José do Rio Preto (SP)
POR QUE ESTÁ AQUI: primeiro brasileiro a escalar uma via de graduação 9a
EM 2009, FELIPE FOI RESPONSÁVEL pelo maior bote que a escalada esportiva brasileira deu até hoje. Durante uma temporada de seis meses na Europa, treinando ao lado dos melhores do mundo, ele acrescentou a via Los Inconformistas ao seu quadro de conquistas. Trata-se de uma dificílima rota em Rodellar, Espanha, graduada como 9a pela tabela francesa – que corresponde a um 11c brasileiro. Por esse motivo, entrou para o invocado grupo de escaladores da nona dimensão (de la novena dimension, como é falado na Espanha). “Essa conquista para mim não é fonte de pressão, serviu apenas para abrir a cabeça e aumentar minha motivação”, garante. “Passei a acreditar que as vias e boulders encadenados pelos melhores do mundo, que eu assistia nos vídeos, são tarefas possíveis”.
Apesar de passar o ano de 2009 mais focado na escalada em rocha, ele também teve resultados expressivos nas principais competições: ficou em 12º no campeonato mundial juvenil, na França, e em sexto na etapa da copa do mundo de Munique, na Alemanha. “Faz um tempo que a escalada em rocha me motiva mais do que as competições”, garante. “Mas, em 2010, quero privilegiar os eventos juvenis, já que 2010 será o meu último ano na categoria. Pretendo melhorar minhas colocações da copa do mundo e do mundial”, conclui Felipe, que completa 19 anos em abril. A marca norte-america de sapatilhas Evolv, que chegou ao Brasil recentemente, é seu mais novo patrocínio e atualmente está lhe dando um bom suporte para as viagens de escalada pelo Brasil. “Ganhar um campeonato mundial ainda é uma ideia distante para mim, mas meus próximos objetivos estão claros: escalar algumas das vias em rocha mais difíceis do mundo, como a Realization, na França, e La Rambla, na Espanha, além de conseguir passar para a final de uma Copa do Mundo”, enumera. Seu maior sonho, no entanto, é a longo prazo: nunca parar de escalar.
PEDRO OLIVA
O QUE FAZ: Caiaque extremo
DE ONDE É: São José dos Campos (SP)
PORQUE ESTÁ AQUI: Desceu os 39 metros da cachoeira Salto Belo, em Campos Novos do Pareci (MT), em fevereiro de 2009, batendo o recorde mundial de altura
Pedro, 27 anos, já gostava de emoção bem cedo. Aos 4 anos levava o cachorro para o telhado de casa, e dos 6 aos 13 anos dava mortais nos campeonatos de ginástica olímpica de que participava. Sua relação com a água começou com o surf e se consolidou com o rafting – com 16 anos já guiava expedições e experimentava as primeiras sensações de escorregar pelas corredeiras – até chegar ao caiaque, quando percebeu que não conseguiria mais vencer as corredeiras cada vez mais verticais com um bote tão grande. Herdou seu primeiro caiaque com design moderno e a técnica de projetar o corpo à frente na hora do salto de Michael Joarez, um norte-americano que viveu no Brasil e com quem Pedro explorou cachoeiras no começo dos anos 2000.
Em 2005, durante uma expedição ao Equador, onde foi roubado na Bolívia e acusado de contrabandear equipamentos de canoagem no Peru, Pedro estabeleceu o recorde brasileiro ao saltar de uma cachoeira de 22 metros, sem nunca ter experimentado outra com mais de 10 metros de altura. Mas sua façanha mais absurda foi dropar os 39 metros do Salto Belo, em fevereiro de 2009, em Campos Novos do Pareci (MT), quando cravou seu nome no topo do mundo dos esportes extremos e entrou para o rol dos recordistas mundiais (o recorde duraria pouco mais de um mês, sendo quebrado por Tyler Bradt). Apaixonado pela natureza e pelo ambiente que escolheu como estilo de vida, deu o nome do filho, hoje com 6 anos, de Kaíke. Além de seguir com as expedições em busca de novas cachoeiras com os amigos canoístas, como a que está no momento e que irá virar um reality show, Pedro quer mesmo é colaborar para que o esporte supere a barreira dos 100 metros de altura. “Quero ajudar a desenvolver alguma tecnologia que permita o esporte chegar a esse ponto. Já estudamos até o espaço, mas ainda não temos a total compreensão do ambiente da cachoeira”, diz o canoísta.
QUASAR LONTRA
O QUE FAZ: Equipe de corrida de aventura
DE ONDE É: São Paulo
POR QUE ESTÁ AQUI: Foram campeões do circuito Adventure Camp, do Brasil Wild Extreme e do Ecomotion Pro
DIFÍCIL FALAR EM PERFEIÇÃO, até porque nem sabemos se ela existe. Talvez sim, talvez não, mas a repetição é um dos fatores que pode te levar mais perto dela. Foi isso o que Rafael Campos, Tessa Roorda, Erasmo Cardoso (Xiquito) e Rodrigo Martins fizeram. Como a mais recente formação da equipe Quasar Lontra, os quatro vêm correndo juntos provas de aventura curtas, médias e longas desde o começo de 2008, e colheram os frutos em 2009. Foram campeões do circuito Adventure Camp (o mais disputado do Brasil), do Brasil Wild Extreme e do Ecomotion Pro – as duas provas expedicionárias realizadas no país. Nenhuma outra formação foi repetida tantas vezes nesses dois anos quanto essa ¬– nas provas longas, até a equipe de apoio é a mesma há pelo menos três anos. “O entrosamento que temos ajuda a conhecer as frescuras e os pontos fortes de cada um durante a prova”, explica Rodrigo.
Além da sintonia indiscutível do quarteto, outro fator fez a diferença durante o ano: sem patrocínios, a equipe apostou todas as fichas nas premiações que poderiam obter vencendo as provas. “Já havíamos corrido todas elas, então só nos restava ir para ganhar ou então teríamos que nos virar para pagar as despesas”, confessa Xiquito. Na liderança da equipe desde que ela foi formada pela junção da Lontra Radical com a Quasar, em 2001, Rafa também é uma espécie de olheiro, pois foi ele quem chamou Xiquito, Rodrigo e Tessa para integrarem a Quasar Lontra. Atualmente fora do Brasil em um doutorado de biologia, Tessa está agora focada nos estudos e enquanto não conseguir treinar como gosta, manterá sua decisão de se aposentar das provas. “Sempre fui muito competitiva e participar de uma competição a passeio não teria o mesmo gostinho”, conta ela. Para 2010 eles procuram outra mulher para integrar a equipe e já dão pistas dos planos. “Queremos provas mais expedicionárias, onde a estratégia seja mais importante do que a força. Mas já é certo que vamos correr o circuito Adventure Camp, as duas provas grandes do Brasil (Ecomotion Pro e Brasil Wild Extreme), se elas se confirmarem, e o mundial de corrida de aventura, na Espanha, pois ganhamos a inscrição ao faturar o Ecomotion Pro de 2009”, finaliza o capitão.

KAROL MEYER
O QUE FAZ: mergulho livre
DE ONDE É: Recife
POR QUE ESTÁ AQUI: Bateu o recorde mundial de apneia com a marca de 18min32s59 e chegou à marca dos 100 metros de profundidade no mergulho livre de lastro variável
KAROL MEYER DEFINITIVAMENTE NASCEU para o fundo do mar, e percebeu isso muito cedo. O dom para a apneia, especificamente, ela descobriu de brincadeira, quando conseguiu ficar 3min39s embaixo d’água na piscina do clube, aos 19 anos. Mas o que foi um dia sem querer, hoje é muito bem planejado e trabalhado. Até que, em julho do ano passado, aos 41 anos, ela se tornou o ser humano que mais tempo conseguiu ficar submerso sem respirar, com a incrível marca de 18min32s59 (não tente isso em casa). O recorde foi estabelecido na piscina de uma academia em Florianópolis, sob a supervisão de mergulhadores de segurança e testemunhas como o presidente da fundação Diver Free, Ricardo Branco, e o especialista em emergência no mergulho e juiz da Associação Internacional para o Desenvolvimento da Apneia (Aida) Archimedes Garrido.
Entre a descoberta do dom e o registro do seu nome no Livro dos Recordes, Karol aprimorou suas técnicas de respiração, obteve experiência batendo recordes crescentes nas diversas modalidades do mergulho livre, e ganhou vários prêmios como atleta e instrutora de mergulho. Também em 2009, inspirada pelo recorde, Karol foi pra Bonaire, ilha do caribe que faz parte das Antilhas Francesas. Com a excelente estrutura encontrada lá e o treinamento de um dos maiores nomes da apneia mundial, Patrick Musimu, Karol bateu outra marca: os 100 metros de profundidade na modalidade lastro variável/No Limits, em que ela afunda com o auxílio de um sled (espécie de máquina que a conduz) e sobe com o próprio esforço. Agora, Karol e Patrick criaram o Kapa Team, para treinarem juntos para novos títulos mundiais. Praticante e instrutora de ioga, essa pernambucana que vive em Florianópolis ministra aulas aproximando os dois temas – tudo para desenvolver e incentivar a simbiose entre homem e mar.
CRISTINA DE CARVALHO
O QUE FAZ: Corredora
DE ONDE É: São Paulo
PORQUE ESTÁ AQUI: Conquistou um impressionante 7º lugar feminino na disputadíssima Ultra Trail du Mont Blanc, em que competem as mais fortes corredoras de montanha do mundo
ELA ADMITE QUE ADORA FAZER FORÇA, competir e sair da rotina. Faz sentido: afinal, Cristina de Carvalho, 40 anos, já foi da seleção brasileira de triathlon, participou de nove IronMan entre 1994 e 2000 (sendo campeã da categoria e 12ª melhor do mundo nessa prova em 1996) e inúmeras corridas de aventura (nas quais, entre dezenas de resultados importantes, destaca as duas vezes em que integrou a equipe brasileira melhor colocada no Ecomotion Pro, em 2003 e 2006). Para ela, “provas de corrida de montanha variam o cenário e são uma oportunidade de ampliar vivências e explorar as peculiaridades de todas as modalidades esportivas”.
Cris não se diz corajosa, mas é. Com apenas duas ultramaratonas de 80 quilômetros no currículo, ela se inscreveu na Ultra Trail du Mont Blanc (UTMB), considerada a ultra de montanha mais difícel e disputada do mundo, com 166 quilômetros e 18.800 de desnível total, que dá a volta completa pelo maciço do Mont Blanc e passa pela Itália e pela Suíça antes de voltar para a França. Depois de vencer duas noites frias e muitas montanhas de 3 mil metros de altura, Cris foi a sétima mulher a terminar o percurso, fechando a volta do Mont Blanc em 33h23min13s. Se não tivesse se perdido nos últimos seis quilômetros, seria a quinta colocada. “Fazer prova de montanha à noite é muito difícil porque desafia o bom senso.
Quando entrei na segunda noite, o silêncio, o escuro, as estrelas e a minha exaustão me lembraram que o universo dormia enquanto eu tinha pela frente duas montanhas que provavelmente seriam tão lindas quanto as anteriores, mas que eu não poderia ver de fato. Achei injusto com meus olhos”, conta ela, que considera a UTMB a prova mais dura que já enfrentou. Mãe de Luigi, 3, e coordenadora do Núcleo Aventura e do Projeto Mulher, dois grupos de treinamento da capital paulista, ela explica que, apesar de seu lado competitivo, o principal foco na troca de experiência com seus alunos não é, necessariamente, o resultado nas competições. “O que procuro é bem estar, liberdade, suor, raça, força e vida. Minha busca constante é pela inspiração mútua, uma construção integrada de ideais”, finaliza Cris.
EQUIPE DE RAFTING DE SÃO LUIS DO PARAITINGA (SP)
PORQUE ESTÁ AQUI: Durante a enchente na virada do ano, 25 guias de rafting armaram uma operação de resgate com botes e caiaques que levou mais de 24 horas e salvou mais de 500 pessoas
Com a enchente que assolou São Luis do Paraitinga, no interior paulista, no primeiro dia do ano de 2010, alguns guias de rafting perderam tudo o que tinham. Outros viram sua família passar pelo desespero de ver a água levar tudo o que construíram na vida. Ainda assim, eles não deixavam de sorrir quarenta dias depois da tragédia, mesmo sem ver a rotina da cidade de volta ao normal. “É o jeito!”, disse Luciano Tadeu, que é enfermeiro no hospital da cidade. Alarmados com os 80 centímetros de água que já tomavam conta da região central da cidade no começo da manhã de 1o de janeiro, cerca de 25 guias de rafting se mobilizaram voluntariamente e armaram uma operação de resgate com botes e caiaques que levou cerca de 26 horas ininterruptas.
Com a ajuda de outros voluntários, e graças ao conhecimento das técnicas adquiridas nas descidas do mesmo rio que agora afogava a cidade e ao convívio muito próximo com a comunidade local, os “meninos do rafting” salvaram pelo menos 500 pessoas, incluindo idosos, deficientes físicos e muitos animais de estimação. “Como nascemos aqui, conhecemos todo mundo pelo nome e isso passou muita tranquilidade e confiança a todos no momento do resgate”, explica Rodrigo Mindé, 28 anos. Ao longo do dia, a água chegou a 10 metros de altura, cobrindo o telhado de muitas casas, incluindo o asilo da cidade. Foi preciso coragem para quebrar portas e janelas em busca das pessoas, destelhar casas e enfrentar cachorros assustados e ilhados. Não havia luz – a iluminação noturna foi garantida pela lua cheia. Os fios de energia, sem utilidade, serviram como cabos de apoio, usados para conduzir o bote com mais facilidade ao longo das corredeiras urbanas. Quando a água baixou, ninguém deu falta sequer de um cachorro de rua. Para o grupo, além da satisfação de ter participado da operação, ficou o reconhecimento e o respeito da cidade. Se antes eles eram vistos como os marginais que só queriam saber de brincar no rio, agora são os “anjos do remo”. Tem até garoto pedindo para vestir o colete e o capacete dos guias só para dar uma volta no quarteirão se exibindo.
TORBEN GRAEL
O QUE FAZ: velejador
DE ONDE É: São Paulo
POR QUE ESTÁ AQUI: foi o capitão do veleiro Ericsson 4, vencedor da 10a edição da Volvo Ocean Race, uma das regatas mais desafiadoras do planeta
QUANDO ESTAVA NA METADE da regata volta ao mundo Volvo Ocean Race, em abril do ano passado, Torben declarou em entrevista à Go Outside que aquela era uma das conquistas que ainda faltavam em sua carreira. Mas dali a dois meses ele já pôde riscar mais essa competição da sua lista de títulos pendentes. A regata volta ao mundo é uma das provas mais difíceis da vela oceânica, realizada a cada três anos. Ela costuma ser divida em dez pernas e toma todo o tempo da tripulação durante cerca de oito meses consecutivos. Ou seja, se você estivesse entre os velejadores nem poderia pensar em vida social durante esse tempo e veria sua família apenas durante as paradas, que duram poucos dias. Sua missão seria viver integralmente em função do barco para que ele completasse, o quanto antes, uma volta inteira ao globo atravessando os oceanos Pacífico, Atlântico e Índico, enfrentando calmarias e tempestades que viessem pelo caminho. Na Volvo Ocean Race, Torben não era apenas um tripulante.
Ele era o capitão do veleiro sueco Ericsson 4. “A competição está no meu dia a dia, é o que eu gosto de fazer”, lança. “É claro que, com o passar do tempo, as provas de altíssimo nível começam a ficar meio complicadas, mas a gente vai testando os limites”, pondera ele, que em 2009 também ganhou o prêmio de melhor velejador do ano pela Federação Internacional de Vela (ISAF). Em julho, Torben fará 50 anos, mas tudo leva a crer que quer mais encrencas. “Já estou em negociação para participar de mais uma America’s Cup”, diz, referindo-se à competição de maior prestígio da história do iatismo mundial. Se rolar, essa será a quarta participação de Torben – que, mesmo sendo o maior colecionador de medalhas olímpicas da vela, sonha com uma vitória inédita nessa prova. “Muito dessa competição tem a ver com o desafio tecnológico. Quando você tem um barco que anda bem, a regata fica mais fácil”, explica. Quando se trata de Torben, meio século de vida ainda é cedo para se aposentar. O Brasil agradece.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2010)