Por Xico Boggio
Fotos por Marcio Bruno
QUANDO ANUNCIARAM QUE EM BREVE POUSARÍAMOS, abri a janela e observei que uma densa neblina envolvia o avião. Aos poucos, uma cidade de 8 milhões de habitantes foi aparecendo por entre as nuvens e as montanhas. Nascida no vale do rio Rimac graças a civilizações pré-Incas como os Wari e os Ichimays, essa cidade teve sua história enriquecida com a dominação Inca e a colonização espanhola. Em 1821, foi batizada de Lima.
Quando cheguei não imaginava que a capital peruana pudesse me surpreender tanto. A primeira coisa que me chamou a atenção foi que as casas tinham tetos sem caída, eram retos ou com apenas uma “palha” para proteger da luz solar. É que mesmo coberta por nuvens durante nove meses do ano, a média anual de chuva em Lima é de apenas 4 mm – guarda chuva é algo raro por lá.
Uma das igrejas mais antigas da cidade é a Ermita de Barranco, construída no século 18 no ponto onde os pescadores que haviam se perdido no mar viram uma luz misteriosa e a seguiram. Graças a ela, eles se salvaram. O local santo, que está para ser reformado há anos, é todo feito de pau a pique e tem o teto cheio de buracos – mas parece que lá ninguém está muito preocupado com goteiras.
Os bairros mais charmosos ficam um pouco distantes do centro, mas é ali que o turismo fica interessante. Antigos distritos de veraneio, Miraflores e Barranco são os mais indicados para se hospedar. Vizinhos, os dois juntaram-se ao centro com o crescimento urbano e tornaram-se parte da cidade ¬(mas mantendo até hoje seu regimento próprio). Ambos possuem noite agitada, várias opções de hotéis, bons restaurantes, lojas, museus e a possibilidade da prática de esportes radicais ao atravessar a rua, já que ficam na orla, sobre falésias de 50 a 70 metros de altura que oferecem uma bela vista de várias praças e mirantes. Abaixo dos paredões, ficam praias formadas há 70 anos por braços de pedras artificiais que acumularam areia com a ajuda da maré. De Miraflores é fácil reservar um fim de tarde para ir até a ponta das falésias, bem ao lado da Plaza Del Amor, e saltar de parapente rumo ao horizonte do oceano Pacífico.
A CULINÁRIA LOCAL É EXCEPCIONAL, criativa e ousada, e chefs do mundo inteiro vêm aprender e pesquisar sobre os segredos da comida peruana. Como Lima é a segunda maior colônia japonesa da América Latina, alguns pratos típicos têm uma forte influência nipônica, com toque e tempero andino. Ceviche é um exemplo: peixe cru marinado com acompanhamentos variados como milho e batata doce. Segundo o chef Alfredo Aramburu, que comanda a cozinha do Alfresco, o segredo é colocar o limão logo antes de servir para não passar do ponto. E ele sabe do que fala: os “tiraditos” de salmão que Alfredo prepara são especialidade da casa.
Se você aprecia comida caseira, vá direto ao Gloria Del Campo, onde legumes, porcos e cabras criados no próprio local são grelhados ao ar livre. Para o jantar, o restaurante Cala oferece um delicioso Lomo Saltado. Na boemia, perca-se nas saborosas cervejas Cuzqueñas na Calle de las Pizzas, ou curta a noite no Bar Picas, no Barranco, para provar um Pisco Sauer, uma batida alcoólica feita de pisco (a cachaça peruana de uva), clara de ovo e limão com uma gota de Angustura no final.
As praias de Lima possuem ondas gordas com no máximo 1 metrinho. São boas para surfar com longboard ou para quem não quer se locomover muito além de Barranco e Miraflores. Se não é o seu caso, o ideal para pegar altas ondas é viajar cerca de meia hora até o sul, após o vale do rio Lurin e o salto do Frade – onde, reza a lenda, um frade negro morreu ao saltar no mar em busca da nau do seu amor proibido. Ali começa uma sequência de praias perfeitas para uma surf trip: Pulpo, com ondas rápidas e boas para bodyboarders; Pico Alto, onde as ondas chegam a 6 metros; Playa de Cavalleros e Playa de Señorita, ambas com esquerdas e fundo de areia; Punta Hermosa, com a onda “La Isla” (que quebra no fundo, com até 3 metros) e Punta Rocas (onde surfei meio metrinho, mas fiz a cabeça).
O mar é gelado, mas nada que uma roupa de borracha de 3 mm não resolva. Se a sua vontade de conhecer diferentes ondas não for saciada, continue até El Hauyco, esquerda com fundo de pedra, ou até St. Bartolo, onde você poderá escolher o seu lado preferido.
Nos arredores da capital, Lomas Del Chirimoyo é a pedida pra quem quer se jogar num downhill de bike. No pé dessas montanhas de até 600 metros de altura conheci Alfonso Roda, dez vezes campeão peruano de downhill e, agora, aos 40 anos, guia da região. Ele logo soltou: “Quem é que pedala?” Eu, um mero trilheiro, disse: “yo!”. Na caçamba de uma velha Saveiro, começamos a subir. Descer aquela estradinha já seria radical. Imaginei, com frio na barriga, como seria a trilha. Ao chegar ao topo, o motorista nos descarregou e se foi. Capacete, joelheiras, cotoveleiras e uma bike profissional na mão. Comecei a concluir que aquilo era uma forma de sacrifício Inca moderno. Lá de cima não víamos nada além de nuvens e pirambeiras. “El Duque”, apelido local de Alfonso, partiu na frente.
Foram menos de 10 minutos de taquicardia pura entre as montanhas do distrito de Pachacamac (Pacha = terra; camac = movimento), nome dado em virtude dos abalos sísmicos da região, que também tem ótimos pontos para quem gosta de escalar. Derrapagens, saltos e um pequeno corte após um tombo do nosso fotógrafo foram as consequências de uma descida como eu nunca havia feito na vida. Ao final, durante aquele silêncio impregnado de adrenalina, Alfredo soltou: “Escutem os tambores”. Um som misterioso se aproximava, como se os Incas ainda estivessem por ali. Foi quando três bikers surgiram por entre as névoas, chacoalhando suas bikes e fazendo jus ao nome da região.
ATÉ HOJE O MISTÉRIO DAS LINHAS DE NAZCA continua sem solução. Alguns dizem que foram os próprios Incas que riscaram o solo; outros afirmam que foram os alienígenas. Mas o que ninguém pode negar é que ali venta sem parar. Uma das teorias que sustentam a perfeição dos desenhos gigantes que se vê do céu é a de que homens eram amarrados e levantados em grandes pipas para coordenar a elaboração das figuras – talvez fossem eles os primeiros kitesurfistas da história?
Não muito longe (por volta de três horas de carro) de Nazca fica Paracas, uma praia perfeita para a prática do kitesurf. Mar liso, praias longas e, o melhor, vento todos os dias do ano. Às 14h30 a areia do deserto que beira o mar passa a esfriar e o vento começa a soprar em direção ao oceano. São 15 a 30 nós de ventania das 15h até as 18h30, quando pude velejar ao lado de pelicanos gigantes enquanto o pôr do sol no deserto colore o mar e o céu do lugar. E a água nem é tão fria quanto eu imaginava.
Também em Paracas é possível agendar um passeio de buggy gigante pelas dunas da região. São pequenos caminhões no estilo Mad Max com até oito lugares, usados para desbravar a área conhecida como Deserto Califórnia, uma região do grande Deserto de Ica formado entre o mar e a serra no interior do país. Pequenos oásis, fazendas com irrigação de água subterrânea proveniente das serras e dunas de até 250 metros de altura formam a paisagem. Os motoristas não são dos mais radicais e as dunas que eles me levaram no deserto não eram lá essas coisas, mas há muito mais emoção naquelas inóspitas e virgens areias, como descobri na volta de Paracas para Lima.
Paramos em um povoado no meio do deserto, com um grande lago no meio circundado por dunas de areia de até 400 metros de altura chamado Huacachina, um ponto obrigatório para os sandboarders. É um dos melhores lugares do mundo para a prática do esporte – não era coincidência que no dia seguinte seria disputado um mundial ali. Para quem curte um rafting, a duas horas de Huacachina localiza-se Lunahuana, com corredeiras de nível III e IV perfeitas para lavar a areia impregnada neste Oásis.
SERVIÇO
MTB downhill
Para falar com El Duque: dontorcuato3@hotmail.com tel: (51-1) 819-8323 / 231-1326
Kitesurf
Falar com Santiago Jost: gerente@nautiperu.com, tel: (51 1) 444-5004
Nautiperu.com ou perukite.com
Surf
Falar com Alberto Arevalo: Alberto@perulines.com, tel: (51 1) 9941-71264
Informações turísticas
Para todos os esportes e turismo: Susana: smenendez@promperu.gob.pe
promperu.gob.pe ou limavision.com ou peruvision.com
Para comer
Para agendar um jantar caseiro e delicioso: loscavenecia.com
Como chegar
Passagens aéreas custam de US$ 600 à US$ 1.000 ida e volta pela TAM, LAN, Avianca e TACA.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2010)
PANORÂMICA: Miraflores vista da Plaza del Amor. Quem não quiser pular de parapente pode só curtir o visual de cima das falésias
ÁGUA FRIA: Mas o visual e as ondas compensam
VENTANIA: Toda tarde tem veleo em Paracas
AO VIVO: As famosas e ainda inexplicadas linhas de Nazca
SUAVE: A duna de Huacachina é uma das melhores do mundo para o sandboard
BUGGY: Usado para explorar as montanhas de areia