Sai da frente, prego!


FÊMEA ALFA: Carol Freitas, kiteboarder que já se acostumou a treinar com homens
(Foto: Pedro Arruda)

Por Eric Hansen

NÃO MUITO ANTES de planejarmos voar para os Alpes para nossa primeira viagem a dois, minha namorada me surpreendeu com um fim de semana romântico em Aspen. Olha, eu sou um bom esquiador e tal, mas a X Games – vamos chamá-la assim – mostrou-se fenomenal.

Ela zuniu em curvas supersônicas na descida, do cume açoitado pela ventania até o vale assombreado, voando sobre pedras, ziguezagueando entre árvores e costurando entre as colinas intermediárias com a velocidade de um carro de Fórmula 1. Eu vibrava por ela de longe, lá atrás, cada vez mais apaixonado.

Não que eu esperasse menos. Nos poucos meses em que vínhamos saindo juntos, X Games tinha mostrado ter mais culhões do que qualquer homem que eu conhecesse, e testemunhar as proezas atléticas dela havia se tornado uma espécie de passatempo para mim. Ela fazia de tudo – corria, pedalava, esquiava, escalava – com uma graça que permitia a ela sorrir mesmo quando me dava um ralo num pedal de 160 quilômetros na estrada. Como eu disse, ela era demais.

"Isso aí, baby!", eu gritava, debatendo-me na neblina gelada do rastro dela. "Vai, querida!"

Depois de uma semana, ela me deu um pé na bunda.

Muitas músicas de fossa depois, percebi que a intuição dela estava certa – não tínhamos a “liga”. Mas quando eu a vi subir em sua picape preta V8 e ir embora para sempre, uma pergunta permaneceu no ar: se eu esquiasse melhor, ela me amaria?

SUSPEITO QUE TALVEZ SIM, ainda que só por mais alguns finais de semana.

Em retrospecto, ficou óbvio para mim que eu e X Games sofremos do que passei a chamar de SDH, ou Síndrome do Déficit de Habilidade, uma aflição que se tornou muito comum em relacionamentos criados (e terminados) ao ar livre. Ele gosta de trotar leve; ela corre como uma queniana. Ela gosta de escalar na academia; ele escalou o El Captain, no Yosemite, solo e descalço. Uma pessoa é mais lenta, desengonçada e exausta. A outra fica dando gritos de encorajamento ou tira uma soneca enquanto espera na linha de chegada. Os sinais são claros, seja qual for o desequilíbrio.

Em minha pesquisa não-científica, SDH parece afligir mais severamente esportistas outdoor medíocres que vivem em cidades de praia ou de montanha – em outras palavras, eu e todos os meus amigos que conhecem as gírias, mas não sabem fazer os movimentos. Cercados por casais perfeitamente bronzeados e atléticos, imaginamos que nós também poderíamos ser, se não a melhor metade, pelo menos uma das metades de um casal alfa. Nós também poderíamos acordar com o nascer do sol e surfar um tubo gigante com nosso amor… se não achássemos ondas grandes tão assustadoras.

Pelo que sei, não havia Laird Hamilton & Gabrielle Reece (o casal mais alfa do mundo) na época dos cowboys, quando os homens se aventuravam sozinhos para beber e duelar. Mas então descobrimos o que o conselheiro sentimental nova-iorquino Ian Kerner me explicou – “Adrenalina torna o coração mais mole” – e agora mulheres e homens dividem não só trilhas, mas também primeiras escaladas de montanhas. Neste admirável mundo novo, o sonho do casal-alfa é comum e tentar acompanhar as Mulheres Maravilhas muitas vezes leva à frustração.

É possível vencer a SDH? Se não, como conviver com ela? Em busca de respostas, contatei Evan Marc Katz, um “personal trainer para pessoas que querem se apaixonar” e “o maior expert em namoros da América”, segundo o site EvanMarcKatz.com. Ele estava muito ocupado e dispensou minhas preocupações com uma gargalhada.

“A maioria das pessoas só quer achar um parceiro!”, Katz disse. “Não estamos falando em paz no Oriente Médio. Se ele gosta de fazer trekking e quer que ela o acompanhe, então ele terá que diminuir o ritmo. Se ela quer ir junto com ele, então terá que acelerar.”

Eu disse a ele que isso raramente era assim fácil.

Ele respondeu, “Se é assim, você deveria contar suas bençãos.”

O que foi isso, algum tipo de enigma Zen? Deixado à deriva, comecei a viajar na história de meus próprios relacionamentos para ver se não haviam algumas lições a serem aprendidas. E havia.

MESMO DURANTE MINHA PAIXÃO por X Games, eu deveria ter percebido que estava sendo um pouco ansioso.

Eu fazia sobremesas para ela, perguntava se ela queria ir andar de moto comigo, deixava pequenos bilhetes de "Saudades" feitos de gravetos no capacho de sua porta – coisas que eu até faria normalmente, só que não tudo em uma semana. Quando decidíamos nos separar para fazer algo sozinhos, eu ia pedalar com os caras e ela… ia pedalar com os caras.

Virei a mesa quando conheci a Vaqueira, uma linda jovem em ebulição que era super em forma por fazer números de trapézio, mas não era das mais outdoor. Fugimos para Telluride no fim de semana do dia dos Namorados para podermos curtir um romance e – agora eu me dou conta – para que a apavorasse.

Depois de uma manhã preguiçosa fazendo as descidas de esqui azuis (as mais fáceis da estação) favoritas dela, sugeri (ou melhor, insisti) tentarmos uma das descidas mais difíceis – uma diamante negro dupla. A encosta que eu estava morrendo de vontade de esquiar começava a 3.960 metros e ficava cada vez mais inclinada até que não segurasse a neve. Mas invés de preocupá-la com os detalhes sujos, foquei no quanto ela se divertiria. No topo, acho que até cheguei a dizer que “Não, você se sairá bem.”

Na metade da descida, ela se desequilibrou, caiu que nem uma boneca de pano e escorregou de cara por 100 metros antes de ficar enroscada numa cerca de cordas acima de uma pequena faixa de pedras. Encontrei-a tremendo e falando baixinho. Assim que eu galantemente a resgatei, ela gentilmente pediu que eu calasse a boca.

Claramente, quando expostos à SDH, nós homens somos excelentes em achar a pior maneira possível de agir. E o pior: somos surpreendentemente grossos ao fazer isso. Um amigo meu que normalmente é muito paciente dispensou uma gata no meio de um fim de semana de esqui porque ela tinha um pino na perna. “Ela chorava quando não conseguia me acompanhar”, ele lembra. “‘Vamos lá’, eu disse, ‘É só um pino de aço.’ E saí esquiando, como um verdadeiro babaca.”

Agora, mais do que nunca, são os homens que comem poeira. E ainda por cima somos ríspidos. “Quando comecei a fazer mountain bike, mandei muito bem. Adorava pedalar”, diz Jen, uma corretora de imóveis em Aspen. “O cara com quem eu estava saindo, um patrulheiro de esqui, odiava isso. Ele não ia pedalar com a gente. Não torcia por mim nas competições – aliás, ele nem aparecia para me ver. Eu ligava depois para contar como tinha me saído e ele dizia ‘Ah.’”


PAIXÃO ALADA: Juliana Sé, instrutora e campeã brasileira de pára-quedismo, é casada com um instrutor da modalidade

ENTÃO O QUE VOCÊS MULHERES querem que a gente faça? “Se você não é um esquiador excepcional, mas está saindo com uma garota que é, faça algumas aulas”, diz Sandra, 30 anos, que esquia 100 dias por ano. “Diga a ela que vai viajar a negócios e faça um curso de duas semanas em Jackson Hole.”

Annika, uma esquiadora que já estrelou sete filmes da modalidade, diz que é ainda mais fácil: você não precisa ser melhor que ela no esporte dela – desde que você seja bom em alguma coisa. “Quero me sentir desafiada e motivada pelo meu namorado”, ela explica. “Talvez eu possa ser melhor no esqui, mas se ele for melhor na mountain biker, por exemplo, posso andar atrás dele e aprender com ele.”

Não tem coordenação suficiente para isso? Então simplesmente tente não ser um tapado. “Não ache que precisa me levar pruma ‘aventura’”, diz Jennifer, um ex-competidora de freestyle que mora em Park City, Utah (EUA). “Vença o seu ego; divirta-se. E se isso não funcionar, então simplesmente me veja de costas e aproveite esse ângulo.”

Hum, isso eu posso fazer!

Mas como é que chegamos a essas regras da recreação?

Para Helen Fisher, professora de pesquisa da antropologia na Universidade de Rutgers e autora de Why We Love: The Nature and Chemistry of Romantic Love (Por que amamos: a natureza e a química do amor romântico, em português), pelo menos uma parte da resposta é que, bem, milhões de anos de evolução não nos trouxeram muito longe. As mulheres ainda não conseguem ignorar o sex-appeal do Cro-Magnon, um homem que é forte e hábil o suficiente para proteger e prover. “Uma mulher pode não precisar mais dessas características no mundo moderno, mas isso não quer dizer que ela não esteja ligada nelas”, diz Fisher. Os homens, não surpreendentemente, são ainda mais rasos. “Homens procuram por sinais de saúde, fertilidade e juventude, o que inclui uma silhueta esguia, pele clara, olhos brilhantes, cabelo esvoaçantes e uma personalidade otimista.” Em outras palavras, humanos são geneticamente predispostos a sofrer de SDH.

FELIZMENTE, O DESTINO às vezes intervém a nosso favor. Foi o que aconteceu quando eu conheci a Dancing Queen, uma estudante de engenharia sueca com um senso de humor malicioso e um amor irrestrito por música dos tempos da discoteca.

Em nosso primeiro encontro esportivo, ela esquiou quase tão bem quando a X Games. Mas o que ela mais amava – “estar em contato com a natureza”, como ela simpaticamente colocou – por acaso era também o que eu mais amava. Nos oito meses seguintes, remamos, pedalamos, andamos a cavalo e corremos pelas trilhas das Rochosas Canadenses. Nenhuma vez ela se desmanchou e chorou em cima de seu lanche de trilha, e eu não tive nenhum ataque histérico quando descobri que ela não conseguia andar numa linha reta com a canoa. Naquele inverno, ela me convidou para visitar sua família na Suécia, e mesmo na escuridão do inverno escandinavo, continuamos nossas aventuras, inclusive numa pequena långfärdsskridskoåkning, ou “patins de expedição em águas naturais.” Fantástico.

Juntamos nossos patins, que eram na verdade lâminas de 45 centímetros que são presas a botas de trekking; enchemos uma mochila com barras energéticas suecas (cachorros quentes) e bebida isotônica sueca (uma térmica de sopa de amoras quente); e saímos para explorar um grupo de ilhas perto da costa. Nosso plano era ambicioso: curtir as cinco horas de luz do sol.

Dancing Queen clipou suas lâminas e saiu patinando com leveza. De longe, eu podia ouvir ela me encorajando. Forcei o ritmo para alcançá-la e deslizei uns bons 5 metros. Atrito, aquela força maligna que luta contra todos os movimentos, quase não existia ali.

Vagamos para o norte, seguindo rachaduras que corriam como fitas pelo gelo e perseguindo peixes que nadavam letargicamente nas profundezas ainda líquidas da água. Dancing Queen segurou seu bastão para cima e, com o vento nos empurrando por trás, deslizamos juntos, costurando e arremetendo como gaivotas. Foi brega pra caramba. E maravilhoso.

Infelizmente, o visto americano da Dancing Queen expirou pouco depois, e manter um relacionamento transoceânico via emails e mensagens de texto mostrou-se desafiante demais.

Não me pergunto mais por que nos demos tão bem, principalmente depois que me mudei para Nova York, onde a SDH nem de longe é tão prevalecente quando a SCECS (Síndrome dos Caras em Calças Skinny). Aliás, numa noite dessas, uma mulher muito atraente me disse que achava que as pessoas deviam “curtir mais a natureza”, como se a natureza fosse um encontro na hora do almoço. Logo depois, eu estava tentando controlar uma paixonite por uma professora de ginástica chamada Jewel, que me brutalizava na aula para pernas. Neste momento, vivendo na cidade, um pouco de SDH me pareceu ótimo, mas não diria que é uma benção.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2008)