Queda à vista


PERRENGUE: Seis horas de trekking com a ajuda de burros para chegar ao rio Mambucaba

Por Cassio Waki

Fotos por Pedro Oliva / Jason Hale / John Grace

A idéia surgiu despretensiosamente, num jantar nos Estados Unidos, durante a disputa do Green River Race, a mais famosa competição de caiaque extremo do mundo, que acontece em novembro no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e reúne cerca de 80 canoístas em cada edição. Ali na mesa, os melhores do mundo conversavam sobre o Brasil e sua vontade de explorar algumas de suas regiões. Por forças do destino ou não, Pedro Oliva – recordista brasileiro em descida de cachoeira com a marca de 22 metros de queda e nosso único representante na competição – estava lá, sentado num canto, e, de repente, virou o centro das atenções ao propor à mesa o desafio: “Se forem ao Brasil, levo vocês para explorar rios ainda desconhecidos”.

Pouco depois, no início de dezembro, estavam todos no Brasil, com seus equipamentos nas costas e mapa aberto para traçar o plano de viagem. Na equipe, os americanos Andrew Holcombe, Pat Keller, Rush Sturges, Jason Hale, Ryan McPherson, Polk Deters, John Grael e Dave Garringer, todos considerados lendas-vivas do caiaque extremo – modalidade em que os atletas descem corredeiras e cachoeiras dentro de pequenos caiaques construídos especialmente para redemoinhos e turbilhões. Pausa para dizer que unir todas essas feras tem chances próximas a 0% de acontecer. “São atletas que viajam o mundo todo em busca de novas expedições, competições e roteiros. Além disso, alguns deles têm outros ramos profissionais, o que torna suas agendas lotadas e praticamente impossíveis de conciliar”, conta Pedro.


ADRENA: Canoísta Rush Sturges enfrenta queda de dez metros

Apesar de não haver um plano a ser seguido, os atletas estipularam duas regras: ir somente a rios jamais explorados e encarar descidas classe 5 (a escala de dificuldade vai de 1 a 6, sendo que descidas classe 6 são consideradas mortais). A “zona alvo” era a Serra do Mar, que passa pelos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. No Brasil, o mapa da região, feito em 1972 e disponibilizado pelo IBGE, foi deixado de lado. Coube aos americanos trazer um mapa mais atualizado. “É incrível como a experiência deles contou nesse momento, porque eles batiam o olho no mapa e sabiam que ali poderia ter um rio para descer. Aconteceu assim com o rio Paraitinga. São poucas pessoas que sabem de seu trecho de descida e foi só olhar o mapa pra eles matarem a charada”, conta Marcelo Gutierrez, guia da Trilha do Ouro, responsável pelo apoio aos canoístas.

O grande perrengue aconteceu no rio Mambucaba, que fica entre Angra dos Reis e Paraty, no Rio de Janeiro. Para chegar próximo à sua nascente são necessárias seis horas de trekking. Para ajudar no transporte dos equipamentos, alguns burros foram convocados e, em cada um deles, foram amarrados dois caiaques. “Foi uma expedição épica no Mambucaba. Abriu meus olhos em relação ao Brasil, pois é uma região com cachoeiras incríveis bem no meio de uma mata linda”, disse Pat Keller, 20 anos, o número 1 no mundo em caiaque extremo e atual campeão do Green River Race. “Foram três dias de viagem, pois há pontos no rio onde não é possível remar, já que são cachoeiras com cerca de 90 metros de altura. Tivemos que carregar o caiaque varando mato. Dormimos na beira do rio e no dia seguinte melhorou, pois só foi água”, conta Pedro.

Depois da viagem, o Brasil pode entrar definitivamente na rota de exploração de rios para descida. O país já está, pelo menos, entre os destinos do currículo dessa galera: Nepal, China, Japão, Nova Zelândia, Austrália, Uganda, Zâmbia, Nicarágua, Guatemala, Chile, Argentina, México, Panamá, Equador, Canadá, EUA e outros. “O Brasil tem um potencial enorme para esportes de água branca. Há rios e cachoeiras por todos os lados, é só uma questão de explorar para encontrá-los”, afirma Andrew Holcombe.


MAPA: Grupo escolhe o seu próximo rio

Os rios explorados pelas feras

– Rio Paraitinga

Localização: O rio corta a cidade de São Luiz do Paraitinga, na Serra da Bocaina, em São Paulo.

Características: Parece que não oferece nenhum desafio para os canoístas, já que é plano e calmo quando corta a cidade. Mas se você subir até a nascente, numa altitude de quase 2.000 metros, encontrará corredeiras de nível 5. Um desnível muito acentuado, cheio de curvas e pedras e volume d’água ideal para descida em rios, especialmente, em janeiro.

Curiosidade: “Eles vão morrer”, bradavam os nativos da região.

– Rio Guaripu

Localização: Divide os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, próximo à cidade de Campos Novos de Cunha.

Características: Um rio que permite descer de sua nascente, enfrentar algumas cachoeiras e escorregar por rochas.

Curiosidade: Quando parece que está tudo calmo, vem uma queda alucinante.


PAT KELLER: O melhor do mundo

– Rio Mambucaba

Localização: Entre as cidades de Angra dos Reis e Paraty, ambas no estado do Rio de Janeiro.

Características: Uma expedição que dura por volta de três dias e exige carregar o caiaque por várias horas no meio da Mata Atlântica, em partes onde a floresta é ainda inexplorada pelo homem. Para se chegar próximo a nascente é necessário fazer um trekking de 6 horas.

Curiosidade: Um dos mais difíceis do mundo, por estar dentro de uma mata fechada. Opinião unânime dos canoístas.

– Rio do Turvo

Localização: Incrustado na divisa entre os estados do Paraná e São Paulo, próximo à cidade de Barra do Turvo.

Características: Quedas com mais de 10 metros de altura com alto volume d’água. O rio passa por baixo de uma caverna que impossibilita uma descida contínua e obriga os canoístas a carregar os caiaques por horas.

Curiosidade: Ao ver Pat Keller se jogar de uma cachoeira de 20 metros de altura, Marcelo Gutierrez ficou passado: “Eu já pensava em como chamar um helicóptero de resgate”, contou.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2007)