Por Fernanda Franco
Foto ilustração por Rafael Mathé
Em 2005, a Amazônia sofreu a maior seca de todos os tempos por conta do aquecimento do Atlântico. Inesquecível também foi a tragédia do furacão Katrina, que devastou Nova Orleans nos EUA, e a onda de calor na Europa que matou, em 2003, cerca de 30 mil pessoas. Os efeitos do aquecimento global continuam se concretizando, cada vez mais próximos de nós: neste ano, até o fechamento desta edição, três etapas do campeonato mundial de esqui alpino foram canceladas porque não há neve suficiente na Europa. Uma seria em St Moritz, na Suíça, e duas seriam na França, em Val d’Isere e Chamonix. A temperatura hoje nesses lugares não permite nem mesmo a fabricação de neve artificial. Ou seja, se você contava com o inverno no hemisfério norte para se divertir nas pistas de esqui, pode guardar os esquis no armário novamente.
O planeta dá sinais de que o “bicho-homem” já passou dos limites, ignorando todos os avisos. Agora, com os sintomas visíveis ao mais cético dos humanos, não há mais como fingir que não está acontecendo nada. Para comentar a situação do aquecimento global, ouvimos o pesquisador do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) Philip Fearnside, 59, um cientista americano residente há 28 anos no Brasil e uma das maiores autoridades no mundo no assunto.
GO OUTSIDE: Vamos direto ao ponto: o que é o aquecimento global e por que isso acontece?
FEARNSIDE: O aquecimento global é o aumento da temperatura média do planeta, causada pelo efeito estufa. O efeito estufa acontece da seguinte maneira: a energia do sol entra pela atmosfera em forma de ondas curtas (raios ultravioletas). Ela é absorvida pela superfície da Terra, que a devolve ao ar em forma de calor, que é outro tipo de onda (infravermelha). Esse calor precisa ser disperso para voltar ao espaço e não acumular por aqui. O grande problema é que há na atmosfera um acúmulo de gases (dióxido de carbono e metano) que bloqueia a saída do calor, e isso aumenta a temperatura média do planeta.
Quais ações do homem mais jogam esses gases pelo ar?
O fator que mais contribui é a queima de combustível fóssil (carvão mineral, gás natural, derivados de petróleo). Cada combustível libera uma quantidade de gás para gerar energia. O que menos vale a pena, proporcionalmente, é o carvão mineral, que libera muitos gases para gerar pouca energia. O combustível mais bem aproveitado e com menos gases liberados é o gás natural.
Qual a contribuição do Brasil para o aquecimento global?
O Brasil é o 4º país do mundo em emissões de carbono. Tem apenas 2% da população mundial, mas emite 6 a 7% dos gases, o que representa o triplo da média mundial. O maior problema brasileiro não é a queima de combustíveis fósseis, como no restante do mundo, mas sim o desmatamento. As madeiras que não são totalmente queimadas vão apodrecendo e liberam gases de efeito estufa. E não é pouco: metade do peso seco das árvores é de carbono ou metano, e o metano ainda é 21 vezes mais devastador para o efeito estufa que o carbono. Ele é liberado nas queimadas, através da ação dos cupins e também nas hidrelétricas. A água que sai das turbinas é tirada do fundo do lago e possui alta concentração do metano.
E como estão os índices de desmatamento no Brasil ?
Em 2006, segundo o INPE, o Brasil teve 13,3 quilômetros quadrados de desmatamento anual. Chegamos a ter 27,4 metros quadrados em 2004, ou seja, o índice já caiu pela metade – mas tudo indica que isso ocorreu por causa da queda do preço da soja e da arroba do boi, o que diminui o desmatamento para pastagens e plantações, e não por consciência ecológica. Além disso, o câmbio real x dólar também caiu, desestimulando as exportações. Porém, segundo o Governo, foram a reservas criadas e a intensificação da fiscalização que fizeram com que caísse o desmatamento.
O que as mudanças de temperatura podem significar para as diversas regiões do planeta?
A África será um dos locais que mais sofrerá, pois o aquecimento traz a diminuição de chuvas e o continente já sofre com a falta d’água, a fome, a sede. Estudos indicam que a Amazônia pode morrer com o aumento da temperatura do planeta, porque as matas precisarão de mais água para sobreviver e as chuvas tendem a ficar escassas. A previsão é que em 2080 a floresta Amazônica sumirá se não houver diminuição nas emissões de gases. Nos países nórdicos, no entanto, será possível plantar. O aumento da temperatura trará um ganho na agricultura desses locais. Porém a vegetação atual e nativa não conseguirá sobreviver.
Qual risco para as populações das cidades litorâneas?
O aumento do nível do mar não é grave para quem freqüenta a praia de Copacabana e só vai ter que subir um pouquinho sua cadeira. O problema está em comunidades beira-mar que sofrem risco de tufões, como são chamados na Ásia os ventos fortes, ou furacões, como são chamados na região do Caribe. Apesar dos tsunamis não terem relação com o aquecimento global, é fato que a destruição causada por um tsunami de qualquer magnitude seria muito maior com o aumento do nível do mar.
Existe algum exagero nas previsões dos cientistas?
Não. O que aconteceu nos últimos anos, como a velocidade do derretimento de gelo, aumento do nível do mar e o aumento dos furacões, está ocorrendo ainda mais rápido que o previsto. Além disso, a comunidade científica tem mostrado uma tendência a ocultar os problemas mais graves para não ser taxada de alarmista. Agora que as coisas mais graves estão aparecendo, tudo parece uma grande surpresa, mas na verdade não é.
O que o Brasil pode fazer para melhorar a situação?
Aqui, nós temos a oportunidade de fazer algo diferente. Na maioria dos países baixar a emissão de gases mexe muito na economia porque depende da diminuição da queima de combustíveis. Para nós, o que temos que fazer é frear o desmatamento e isso não mexe na economia: são poucos fazendeiros que exploram a região e as pastagens geram poucos empregos e dinheiro. Por isso, inclusive, o Brasil deve ter um papel de liderança nesse movimento e assumir um compromisso de redução de emissão de carbono.
O que cada indivíduo pode fazer?
Cada cidadão tem seu papel na diminuição de emissões de carbono. Evitar desperdício de energia e reciclar materiais são ótimos passos. A reciclagem do alumínio, por exemplo, é das mais importantes, já que se utiliza muita energia para produzir esse material. Além disso, é possível pressionar a classe política para que definitivamente o Brasil assuma um compromisso na redução de emissão de gases.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2007)