Por Renata Leão Ele é um dos melhores canoístas do mundo, já ganhou mais de cem títulos, e agora, aos 32 anos, se prepara para o 14º mundial de sua vida. Mas, o mais interessante na história desse atleta não são suas vitórias no esporte. O que Sebastian Cuattrin tem de melhor é a força que a vida o obrigou a ter depois de lhe pregar dois sustos: uma hepatite que quase o matou e a perda do pai, tudo ao mesmo tempo, aos 25, no auge da carreira. Adepto desde criança do: “Quando entro numa coisa, é para ganhar, nem que seja jogo de botão”, ele se viu obrigado a enxergar as coisas por um outro ângulo depois desses acontecimentos.
Engenheiro civil argentino, o pai de Cuattrin veio lecionar na Universidade Vale do Rio Doce, em Governador Valadares, quando o filho tinha seis anos. Foi nessa cidade mineira que o canoísta cresceu e pegou gosto pelo remo. Segundo de um time de cinco irmãos homens, justo ele – que não era muito amigo da água por ter se afogado quando criança – se apaixonou pela canoagem e driblou as regras da casa para começar a praticar o esporte aos 14 anos. A família vivia pertinho do Rio Doce e Cuattrin ficava encafifado sempre que via alguém passar remando. Um dia, pediu que um amigo o ensinasse. Tomou um caldo, foi flagrado pelo pai, levou uma surra, mas gostou da coisa. “Até hoje tenho muito respeito pela água, afinal, só morre afogado quem acha que sabe nadar”, brinca.
Convenceu o pai a deixar que ele treinasse com uma turma de pessoas mais velhas. Em menos de um ano, virou o monstro da canoagem na cidade. “O fato de dominar a força do rio me despertou um tremendo fascínio”, conta o esportista, que comprou seu primeiro caiaque com o dinheiro que juntou trabalhando como office boy do jornal da cidade. Não satisfeito com os treinos de fim de tarde com os veteranos, passou a cair no rio às 5h30, antes de ir para a escola. “Só depois o pessoal mais velho foi descobrir e entender o porquê da minha evolução rápida em tão pouco tempo”. Seis meses depois, o moleque, então com 15 anos, embarcava para o mundial de canoagem no Canadá. Era a primeira vez que ele saía do Brasil. E que um brasileiro participava de um mundial. “Tomei um rodo dos caras e voltei decidido a treinar em dobro”, conta.
Cuattrin ultrapassou os canoístas mais velhos rapidinho. Na volta do Canadá, o treinador da seleção brasileira na época, Carlos Bezerra, o convidou para treinar em São Paulo. Depois de quatro anos remando na raia da USP e ganhando dezenas de títulos, resolveu seguir os conselhos do próprio Bezerra e foi atrás do que havia de melhor na canoagem, a Europa. Pediu para que o bambambam do esporte, o treinador polonês Zdzsilaw Szubski, o recebesse. Foi para a Polônia, quase morreu com o frio, mas se acostumou com os graus abaixo de zero rapidinho. Em 95, a confederação brasileira resolveu bancá-lo e o trouxe de volta com o treinador polonês. Em 96, foi finalista olímpico em Atlanta.
A carreira deslanchava até que, em 97, uma hepatite o tirou das águas e quase o matou. “Treinava, passava mal e continuava treinando. Não admitia uma doença, pois estava acostumado à dor. Um atleta só pára quando desmaia”, confessa. Foi preciso que um amigo médico desse um toque: “Isso é hepatite”. Internado em Londrina, onde vivia na época, as suspeitas se confirmaram. Passassem mais alguns dias, ele teria morrido. “Todos os dias, o dia inteiro, só pensava na rasteira que a vida tinha me dado. Foi aí que passei a dar valor às pequenas coisas”.
Depois de 60 dias de molho, Sebastian voltou com tudo e ficou em oitavo do mundo no mundial do Canadá. Na seqüência, foi o terceiro do podium dos Jogos Mundiais da Natureza, no Paraná, depois de ter remado 256 quilômetros em seis dias. Mas mal teve tempo de esquecer o baque da doença, a vida lhe reservou outra surpresa. Assim que chegou ao Brasil, soube que o pai, que viria morrer alguns dias mais tarde, estava com câncer. “Esse foi o maior golpe que tomei. Ele era o grande incentivador de tudo”.
Hoje, apesar de não concordar mais com a máxima de vencer acima de qualquer circunstância, Sebastian não pára de conquistar títulos. Coleciona mais de cem e se prepara para mais um mundial, o da Croácia, em agosto. Mora em São Bernardo do Campo, treina na represa Billings sete horas por dia, é casado há dez anos com uma mineira de Valadares, bota a maior fé em Deus, escolheu a igreja evangélica pra acalentar a alma e é louco para ter filhos. Mas, por enquanto, está concentrado nos jogos sul e panamericanos do ano que vem e nas Olimpíadas de 2008. É tão metódico, que preferiu receber a repórter da Go Outside em um local público, para não ter desentendimentos com a esposa, “a pessoa mais importante do mundo, a louca que topou viver com um cara que só pensa em treinar, treinar, treinar”.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2005)
SEBASTIAN CUATTRIN: Em casa
Fotos por Guto Seixas