Por Ted Spiker
Colaboração Cassio Waki QUER FICAR EM FORMA? NÃO PENSE NISSO.
Ano passado, o judoca Flávio Canto completou sua coleção de medalhas com o bronze olímpico de Atenas – a 12a medalha olímpica na história do judô brasileiro. Um ano antes, nos Jogos Panamericanos de Santo Domingo, Flávio já tinha conquistado o ouro; antes disso, venceu quatro campeonatos sul-americanos e sete Pan-americanos. Alguém com resultados tão bons só pode treinar o dia inteiro, em regime semi-xiita, certo? Errado.
Aos 29 anos, Flávio gosta de intercalar os golpes no dojô com sessões de surfe, natação, corrida na praia e meditação. Judoca desde os 14, é essa variação que faz com que ele se mantenha apaixonado pelo seu esporte e motivado para os treinos. "É estafante fazer sempre a mesma coisa", diz. "O surfe é meu lazer.Preciso do mar para ser feliz. Se eu não fosse tão ruim de onda, virava surfista profissional", brinca. Além da vida multi-esportes, Flávio preza o bom humor e um ambiente com energias positivas. "Preciso estar feliz para fazer as coisas bem. Se eu não me sinto bem, não treino bem”, afirma.
Em algum lugar entre a esteira e os pesinhos, as carteirinhas de academia abandonadas e as tediosas rotinas de exercícios, muitos de nós perdemos o que Flávio tanto presa: um jeito mais leve e alegre de ver a saúde e o treinamento. Lembra do recreio no colégio, de brincar com os amigos, rindo se ganhasse ou perdesse, nem vendo as horas passarem? Taí o segredo de muitos campeões.
“Muitos de nós treinamos porque nos sentimos obrigados e não porque queremos”, diz Doug Newburg, 44, consultor de desempenho da Universidade de Medicina de Virgínia, em Charlottesville. Natalie Durand-Bush, 34, professora assistente de psicologia da saúde e esportes da Universidade de Ottawa, em Ontário, Canadá, concorda. “Infelizmente, as pessoas se preocupam só com resultados. Isso leva ao desgaste e à perda da condição atlética”, diz. Natalie entrevistou dezenas de campeões olímpicos e descobriu que brincar é muito mais importante do que a maioria das pessoas se dá conta. “Mesmo quando os treinamentos se tornavam mais sérios e as competições se aproximavam, os atletas olímpicos equilibravam isso com atividades físicas que os divertissem”, conta a professora.
Com os jogadores de vôlei das seleções olímpicas brasileiras, também foi assim. “Nas Olimpíadas de Barcelona, os jogadores e jogadoras adoravam jogar futebol antes dos treinos, para relaxar antes do ‘trabalho’. As meninas ficaram em quarto lugar e, os homens, com a medalha de ouro”, conta Regina Brandão, doutora em psicologia do esporte, responsável pela preparação e acompanhamento psicológicos das seleções de vôlei em Barcelona e da seleção de futebol na Copa do Mundo de 2002, além de vários times de futebol profissional.
Divertir-se parece ser uma boa estratégia – e é este o espírito que invade as páginas a seguir. Descobrimos treinos intensos disfarçados de brincadeiras e novas maneiras de refrescar velhos esportes. Damos dicas para evitar rotinas maçantes e ainda garimpamos lançamentos em equipamentos – afinal, nada dá mais vontade de fazer um esporte do que um brinquedo novo. Jogue fora aquelas rotinas e treinos chatos. Quer ficar em forma? Então comece a se divertir.
1. FAÇA A ENERGIA FLUIR
Para manter-se comprometido e motivado, você precisa gostar do que faz e estabelecer objetivos realistas. Abaixo, um guia para colocar isso em prática.
CORRIDA
A DIVERSÃO: uma vez por semana, “mate” o treino de corrida e vá jogar futebol, frisbee ou basquete. Ou desafie um amigo para um treino de sprints de 100 metros. Os sprints aumentam a força de sua passada, o que ajuda na hora de subir montanhas.
ENCARE: A Volta À Ilha é uma corrida de revezamento que percorre 150km em torno da ilha de Florianópolis, em Santa Catarina. O percurso tem as mais variadas paisagens e terrenos e acontece sempre em abril. A diversão pode ser dividida em equipes de dois a oito atletas. www.voltailha.com.br; a Crazy Race, como já indica o nome, é uma espécie de corrida maluca. São cinco voltas de 4km com 40 obstáculos diferentes, de paredes para escalar a buracos de lama para saltar. www.crazyrace.nu.
TÊNIS
A DIVERSÃO: Otaviano dos Santos, coordenador técnico do Clube Paineiras e mentor do ex-tenistas Jaime Oncins, recomenda o "quadradinho". "Além de divertido, é uma das técnicas que consagrou André Agassi", conta. Divida a meia-quadra em duas com uma linha perpendicular à rede. Você terá quatro quadrados. Fique bem no centro de um dos dois que são mais próximos à linha de fundo e estabeleça uma pontuação limite (cinco pontos, por exemplo). Num primeiro estágio, rebata só com "top spins". Mude para o quadradinho ao lado e só use "slices". Por último, volte para o primeiro quadradinho e rebata como quiser. "É um ótimo aquecimento e desenvolve técnica e criatividade", diz Otaviano.
ENCARE: os Torneios Abertos das federações de tênis são organizados para atletas amadores. Na federação paulista, atletas avulsos podem se cadastrar para receber o calendário semestral das competições. A cada jogo o tenista ganha uma pontuação para o ranking e, de acordo com os números, pode subir de categoria. (11) 3051-6688; www.tenispaulista.com.br.
FUTEBOL
A DIVERSÃO: durante o treino ou como aquecimento antes de um jogo, transforme o futebol num jogo “um contra um”. Faça duas linhas de oito cones cada, distantes uma da outra cerca de dez metros. Alinhem-se e larguem cada um com uma bola, driblando os cones e voltando, como num slalom. Quem ganhar avança para a próxima rodada até a grande final.
ENCARE: Junte mais seis amigos e entre na terceira divisão do Campeonato Paulista de Futebol Society. Em 2004, 32 equipes enfrentaram-se nos três meses de competição. Os jogos acontecem nas quatro regiões da capital. Atletas sem time podem se cadastrar no site da Federação Paulista de Futebol Society (FPFS), que também organiza campeonatos particulares para empresas e eventos. (11) 3168-6028; www.fpfs.com.br.
CAIAQUE OCEÂNICO
A DIVERSÃO: brinque com a velocidade e a potência das remadas: 50 remadas fortes, 50 fracas, dez rápidas, dez lentas. Se estiver remando com um parceiro, escolha um ponto qualquer na paisagem (uma pedra, uma praia) e reme forte até lá. Você pode fazer uma “melhor de cinco” – quem perder paga o jantar.
ENCARE: em Santos, na Garagem Náutica do Vasco da Gama, a Escola Canoa Brasil dá aulas de canoa havaiana e sedia etapas de campeonatos paulistas e brasileiros. Uma competição que pode ser encarada como passeio é a Volta à Ilha, com 80km ao redor da ilha de Santo Amaro. (13) 3261-2229; www.canoahavaiana.com.br.
CICLISMO
A DIVERSÃO: Pedalando sozinho? Faça contra-relógios baseados em calorias queimadas, por exemplo. Uma vez por semana, use um monitor de freqüência cardíaca que estime as calorias incineradas e pedale forte por 30 minutos. A cada semana, foque em queimar mais calorias, em vez de ficar de olho no tempo ou na velocidade média, que variam muito de acordo com o tempo e o terreno.
ENCARE: o Iron Biker, Desafio das Montanhas, percorre a região histórica de Ouro Preto e Mariana, em Minas Gerais. O primeiro dia traz 74km de mountain bike, e o segundo, 58km. O percurso é bem acidentado, mas não é só para profissionais. Para que não quer fazer a prova sozinho, a organização disponibiliza 100 vagas para equipes com três integrantes, além da categoria Tandem, com bikes de dois lugares. Este ano, a prova está marcada para os dias 1 e 2 de outubro. www.ironbiker.com.br.
2. AS REGRAS DA BRINCADEIRA
Segundo o psicólogo esportivo Jim Loehr, 62, administrar a energia – e não o tempo, a distância ou o número de repetições – é o segredo para otimizar um programa de treinos. Com exclusividade para a Go Outside, Loehr dá dez dicas fáceis de lembrar e de pôr em prática:
1. Veja a diversão como algo essencial
Antes de ganhar o Aberto da França de 1993 e 1994, o tenista espanhol Sergei Bruguera vez ou outra “pifava” na quadra. Até que ele começou a jogar futebol com os amigos para se distrair. “Isso deu-lhe nova energia. Os jogos de futebol ajudaram-no a vencer”, diz Loehr.
2. Ouça o seu corpo
Sintonize você mesmo – e não a sua rádio favorita – durante os treinos. “Observar seu esforço com um monitor de freqüência cardíaca ou cronometrar seu ritmo a cada quilômetro é uma boa maneira de se distrair do esforço”, diz Loehr.
3. Estabeleça padrões
Seja o que for que você faça para se manter saudável – 20 flexões de braço antes do banho ou uma pedalada semanal –, faça disso um hábito. Assim o exercício se tornará parte de sua vida.
4. Ser divertido não significa ser fácil
Quando jogar tênis, jogue para ganhar. Na hora de escalar, busque paredes cada vez mais difíceis. “Dar o melhor de si, mesmo brincando, leva a uma melhor performance”, diz Loehr.
5. Saiba quando retroceder
O corpo humano tem um mecanismo de auto-proteção, a exaustão, que previne que ele treine muito forte, todo dia. Intercale treinos bem feitos com descanso e recuperação.
6. Saiba o que te move
Descubra o que o motiva — competir contra o relógio, contra outra pessoa ou num time — e use isso para dar mais gás aos treinos. “O Tande, por exemplo, não gostava de treinar. Detectamos que ele precisava de desafios e fizemos um trabalho específico para motivá-lo. O Zé Roberto, técnico da seleção na época, desafiava-o: ‘Hoje vamos ter um treino difícil. Duvido você colocar cinco bolas na quadra. Aliás, acho que duas é muito pra você’. O Tande ficava ‘mordido’ e, no fim, treinou mais que todo mundo para a Olimpíada de Barcelona, quando a seleção conquistou o primeiro ouro do vôlei brasileiro”, conta Regina Brandão.
7. Refresque-se
A cada duas horas, tire 10 minutos para andar um pouco, comer alguma coisa ou se esticar. Isso vai deixar suas reservas de força mais abastecidas para o treino ou jogo.
8. Registre tudo
Loehr mantém um diário de treino há dez anos. “Quanto mais dados você anotar, mais você vai quer colocar, e mais vai treinar. É viciante”, diz Loehr.
9. Belisque
Pequenas refeições, ingeridas ao longo do dia, ajudam a manter melhores níveis de energia. Coma alimentos com baixo índice glicêmico, como grãos integrais, proteínas e frutas. Além disso, beba líquidos constantemente. Músculos 3% desidratados perdem até 10% de sua eficiência.
10. Aprenda com os maus dias
Um jogo ruim, uma atitude letárgica ou uma lesão persistente podem tirar seu treino dos trilhos. Use esses obstáculos para reexaminar e reestabelecer seus objetivos.
3. PROGRAME SEU CÉREBRO PARA A DIVERSÃO
Quando o assunto é fitness, os maiores obstáculos são as barreiras mentais que trapaceiam sua força de vontade. Veja aqui como se manter motivado:
“Não tenho tempo”
A solução: Em vez de treinar um certo tempo por dia, comprometa-se a fazer um certo número de minutos semanais – 100 ou 1.000, não importa. Assim você terá flexibilidade para compensar um treino perdido e manter-se fiel aos seus planos.
“Não sou muito bom nisso”
A solução: Estabeleça objetivos de curto prazo. Se você está treinando para um evento de longa duração que acontecerá daqui a seis meses, determine objetivos que você possa alcançar a cada dois meses.
“Estou num dia ruim”
A solução: quando estiver cansado, pratique seu esporte favorito. Divertir-se é a melhor maneira de eliminar a falta de vontade e trazer benefícios físicos. “O segredo é usar o treino para dar um tempo do resto”, diz Natalie Durand-Bush.
“Dói”
A solução: aceite a dor – desde que não seja causada por uma lesão. “Doses pequenas de desconforto aceleram os ganhos de força e de condicionamento”, diz Chris Jordan, da LGE Performance Systems, uma empresa de treinamento para atletas e executivos.
“Estou entediado”
A solução: crie seu próprio treino. Em vez de correr ou pedalar uma hora, ache uma trilha e corra por 15 minutos, depois suba na bike e pedale por meia hora. Termine o treino com 15 minutos de corrida em subidas. Programe seus treinos para não fazer sempre as mesmas coisas, na mesma seqüência.
4. O TREINO DE SETE MINUTOS
Brinque todo dia e você ficará em forma. Mas se você quer performance, você precisará de músculos – daqueles que são geralmente cultivados em salas de musculação.
Calma. Também achamos que não existe nada menos divertido do que um treino de musculação. E temos boas notícias para aqueles que têm fobia de academia: seu corpo pode ser sua melhor máquina de treinamento. Com o treino integrado desenvolvido por Nancy Cummings, preparadora física e pesquisadora do National Training Center, em Clermont, na Flórida, você vai desenvolver força, equilíbrio e flexibilidade para mandar bem em qualquer esporte. Já que este treino leva menos de dez minutos, ele pode ser feito dia sim, dia não, antes do café da manhã.
1. Tábua de deslizar
Apóie os antebraços, mãos e pontas dos pés no chão e mantenha-se paralelo ao chão, olhando para baixo. Os braços devem ficar bem próximos do corpo. Mantenha pernas, quadris, peito e cabeça alinhados. Deslize para a frente e para trás, o máximo que puder. Comece com 10 repetições e aumente para 15 depois que estiver mais acostumado com o movimento.
2. Giroflex
Deite-se no chão com as mãos ao lado do tronco, palmas viradas para baixo. Mantendo pernas, quadril, tronco e cabeça retos, empurre o corpo para cima, estendendo o braço direito e girando o tronco 90o, de maneira que seu braço direito aponte para o céu e seu peito fique perpendicular ao chão. Gire de volta, apoiando a mão direita no chão, e abaixe o corpo até que ele fique a poucos centímetros do chão. Repita para o outro lado. Comece com 10 repetições e aumente progressivamente para 15.
3. Dor de cotovelo
Deite de costas, com joelhos flexionados e pés apoiados no chão. Cruze as mãos em cima do peito, com os cotovelos para fora, e então levante o tronco num ângulo de 45o em relação ao chão. Gire para a esquerda até que o cotovelo esquerdo toque o chão, e então gire 180o para a direita para que o outro cotovelo faça o mesmo. Faça 10 repetições.
4. Relógio maluco
Imagine que você está de pé no centro de um relógio. Avance à frente com sua perna direita até que sua coxa direita esteja paralela ao chão e apontando para 12 horas. Volte á posição inicial e faça o avanço lateral com a mesma perna para as 15 horas e depois, de costas, para as 18 horas. Depois, com a perna esquerda, avance de costas para as 18 horas, de lado para as 21 horas e, finalmente, para as 12 horas. Repita o circuito seis vezes.
OS GURUS DA DIVERSÃO
“MISTURE TUDO”
Quando as ondas somem, o surfista profissional Keith Malloy, 31, que vive entre as praias da Califórnia e Havaí, se mantém em forma com um programa de cross-training que ele mesmo criou. Três vezes por semana, ele faz mountain bike para fortalecer os músculos da coxa e dar um tempo para sua coluna, que fica arqueada durante a remada. Para fortalecer os membros superiores, abdominais e dorsais, ele escala, pega jacarés e – no verão, quando o Oceano Pacífico fica liso – rema. “A bike e o remo são uma ótima combinação. Me sinto em forma o ano todo”, diz Malloy.
“VÁ CABEÇA A CABEÇA”
Jeremy Bloom, atleta de esqui freestyle com títulos mundiais e jogador de futebol americano nas horas livres, tem uma receita simples para se divertir no esporte: competição. Quando jogava no time da Universidade do Colorado, ele apostava com seus companheiros quem faria mais flexões de braço. Jeremy é o maior rival dele mesmo, estabelecendo objetivos de treino como o peso que ele quer conseguir levantar ou quantas repetições quer fazer de um certo exercício. Tudo para manter-se afiado e pronto para tudo.
“TRANSFORME O TREINO EM RECREIO”
Quando não está competindo, a corredora de aventura Robyn Benincasa, 38, capitã da equipe Merrell/ Wigwam, lidera um treinamento de três horas numa academia em Solana Beach, Califórnia. O treino inclui rugby no mar (com água pela cintura) e corrida com carrinhos de construção. Brincando, os participantes correm mais de 16km e trabalham os principais grupos musculares. “Quando você torna a coisa menos séria, a parte atlética fica menos sofrida”, diz Robyn.
“ADAPTE-SE”
Flávio Canto tem um treino que ele chama carinhosamente de “suicídio”. “São tiros em que eu corro até um ponto, volto para o início, corro até outro ponto, volto… Já fiz as demarcações com cocos numa praia do Caribe e com bolas de neve na Suíça. Adaptar o treino de acordo com o ambiente faz com que ele fique mais divertido", diz.
“MUDE DE CENÁRIO”
Sebástian Cuattrin, canoísta de velocidade que participou das últimas quatro Olimpíadas e que acumula 10 medalhas em Pan-americanos, 18 em Sul-americanos e 96 em competições nacionais, aposta na mudança de ares para alavancar os treinos. “Na época de treinamento de base, gosto de fazer corrida e bike em trilha, natação, canoa havaiana e rapel”, diz. “Mesmo nos treinos de canoagem o grupo com que treino gosta de variar. Ir para uma represa a 10km daqui já muda o ânimo do pessoal".
“USE A CRIATIVIDADE”
Róbson Santos "Urubu", 33 anos, é campeão brasileiro e tricampeão do Desafio Internacional de Mountain Bike Downhill – aquela modalidade em que ganha quem descer as ladeiras mais kamikazes no menor tempo. Em alguns treinos, ele chega a fazer 50 descidas. “Mas se fizer só isso, por mais que eu goste, cansa”, diz o paranaense. Para que isso não aconteça, Urubu tem uma arma secreta: uma cama elástica. “Amarro o guidão da bike na cama com uma corda elástica. Em cada salto, tento reproduzir os movimentos que acontecem durante a descida", diz.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2005)
Fotos por Christian Gaul