Eco-nomia

Por Cassio Waki

Ilustração por Davi Calil

Os porcos criados por Fábio Manhães, suinocultor e biológo, fazem mais do que comer, chafurdar e defecar – eles ajudam a alimentar os geradores da fazenda em que vivem. O cocô produzido em um dia por 100 porcos pode gerar a mesma quantidade de combustível de um botijão de gás de 13 quilos, naquela que é provavelmente a energia limpa mais fedida que existe. “Em dois anos não teremos de pagar mais nenhuma conta de luz”, comemora o biólogo, que estima que o criadouro gaste cerca de R$ 2.500 por mês em energia elétrica. O objetivo do projeto em que Fábio e a Granja Doramix, do Mato Grosso do Sul, trabalham, capturando e tratando o gás metano emitido pelos dejetos de nove mil suínos, é diminuir a emissão desse gás, um dos mais nocivos à atmosfera, e reduzir as conseqüências do efeito estufa. E, de quebra, eles podem ganhar um dinheirinho para manter o projeto em andamento, graças ao protocolo de Kyoto e ao mercado de crédito de carbono.

Firmado em 1997 pela ONU, o protocolo de Kyoto só entrou em vigor em fevereiro de 2005, depois que a Rússia assinou o documento e garantiu a adesão da maioria dos países que mais emitem gases do efeito estufa. Com base no ano de 1990, o protocolo estipulou metas de diminuição de emissões de 5%, em média, para os países desenvolvidos durante o primeiro período do projeto, de 2008 a 2012. Como essa diminuição implica em grandes investimentos por parte dos países “devedores”, a ONU criou o mercado de crédito de carbono, uma espécie de moeda ecológica com a qual países desenvolvidos (mais poluentes) podem comprar de países em desenvolvimento (menos poluentes, como o Brasil) créditos para que consigam se manter dentro dos limites estabelecidos pelo documento. Além de equilibrar as diferenças mundiais de emissão, os créditos de carbonos servem para incentivar e manter o desenvolvimento sustentável de projetos como o da Granja Doramix.

Para entender melhor como funciona esse mercado que paga por gases virtuais não emitidos, voltemos aos porquinhos. Ao fim de um ano de redução de emissão de gases metano, Fábio apresenta um relatório para a ONU, que lhe concede um crédito em créditos de carbonos. Esses créditos de carbonos podem ser comprados num “pregão” também regulamentado pela ONU, e a grana que Fábio arrecadar ajuda a manter seu projeto e a continuar protegendo a camada de ozônio. “A grande vantagem do mercado de crédito de carbono é que, além de reduzir os custos para diminuir a emissão dos gases de efeito estufa, com a verba adquirida pelos créditos, os projetos terão um desenvolvimento sustentável”, afirma Luiz Bouabci, especialista em sustentabilidade pela Cátedra Unesco na Fundação Politécnica da Catalunha, na Espanha. “Sem o mercado, realizar um projeto ambiental como esse é praticamente inviável”, concorda Fábio. Bacana, não?

RIQUEZA TUPINIQUIM

Dentro desse mercado, o Brasil figura entre os três países com maior potencial para se investir, graças à enorme gama de alternativas para gerar energias limpas – biomassa (álcool, bagaço da cana de açúcar, biodigestores) e energias eólica, solar e hidráulica, entre outras. Porém, esse potencial ainda precisa ser mais bem desenvolvido e aproveitado. “O potencial é muito grande, mas ainda há muito o que ser trabalhado, pois a falta de conhecimento dos empresários sobre essa oportunidade de mercado faz com que grande parte do potencial brasileiro não seja aproveitado”, afirma Pablo Fernandez, biólogo especialista em crédito de carbono da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador de projetos da Ecosecurities, que elabora projetos de desenvolvimento sustentável para empresas. Pablo estima que uma tonelada de metano destruída equivale a 21 toneladas de gás carbônico não emitidas. Se cada tonelada de gás carbônico valer US$ 5, como está sendo previsto, a tonelada do metano valerá US$ 105. “Uma criação de nove mil cabeças de porcos, que produz 0,45 toneladas de metano ao ano, pode render US$ 22.500 em créditos”, contabiliza.

No Brasil há somente quatro projetos desse tipo em andamento: um é o dos porcos e os outros três são baseados em aterros sanitários. Um deles é o da empresa Marca Ambiental, do Espírito Santo, que criou uma maneira de tornar seu aterro sanitário ecologicamente viável. O aterro recebe 1.200 toneladas diárias de lixo de nove municípios, numa área de aproximadamente dois milhões de metros quadrados e, sem o projeto, emite por volta de 10.000 toneladas de gás metano por ano. Com o tratamento desse gás, a empresa deixa de emitir 7.000 toneladas de metano por ano, o que equivale a 147.000 toneladas de gás carbônico – o mesmo que a quantidade de carbono eliminada por 22 mil carros em um ano (considerando a média nacional de rodagem anual de 20.000 quilômetros). “Com os créditos, iremos investir ainda mais na sustentabilidade do projeto”, garante Mirela Souto, gerente de projetos da empresa capixaba.

“Nosso objetivo maior é fazer com que um aterro sanitário seja ecologicamente correto e que agregue valor à empresa”, completa. “Os consumidores vão querer, cada vez mais, buscar produtos de empresas que se preocupam com o meio ambiente”, acredita Bouabci.

O processo

Os países se dividem em dois grupos: os desenvolvidos que possuem metas para redução de emissão de gases que intensificam o efeito estufa, e os em desenvolvimento, que não possuem metas e ainda podem vender seus créditos para os desenvolvidos.

Formas para os desenvolvidos atingirem suas metas:

1. Reduções por meio de políticas públicas internas ou programas governamentais.

2. Comércio de Emissões – se um país pode emitir até 95% do que emitia em 1990, mas emite apenas 93%, a diferença de 2% é transformada em permissões de emissão que ele pode vender para um outro país. Isso é um incentivo para os países emitirem cada vez menos, já que toda diferença entre o que ele emite e sua meta pode ser convertida em capital.

3. Implementação Conjunta – um país pode realizar reduções de emissão dentro do seu próprio território ou financiar projetos que reduzam as emissões em outros países desenvolvidos. Nesse caso, o país financiador é que registra a redução de emissão, e não o país sede. Essa redução pode ser utilizada no abatimento de suas metas.

4. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) – é o único mecanismo que permite a participação de países em desenvolvimento como o Brasil. Assim como na implementação conjunta, países desenvolvidos investem em projetos que levem à redução de emissão. Esse investimento é feito pela compra de créditos de carbono que funcionam como um subsídio para viabilizar atividades que protejam a camada de ozônio.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2005)