Vivendo de brisa


(Foto: Michele Fernandes)

Por Cassio Waki

O estilo arrojado e insaciável de garoto que sempre quer ser o primeiro a entrar na água e o último a sair tem rendido excelentes resultados ao catarinense Kauli Seadi. Em abril deste ano, ele deixou para trás lendas como o australiano Jason Polakow e o argentino Francisco Goya e colocou o Brasil no pódio mais respeitado do windsurf em ondas do mundo, o casca-grossa Jeep Hawaii Pro. Em Hookipa, na ilha de Maui (Havaí), ele tentou realizar um double looping, mas não conseguiu finalizar a manobra e teve que se “contentar” com o excepcional e inédito vice-campeonato da primeira etapa da modalidade wave do circuito profissional, o Professional Windsurfing Association (PWA), entidade que organiza o campeonato mundial. O primeiro lugar ficou com o ícone do windsurf havaiano Josh Angulo, 30.

Este foi o melhor resultado de um brasileiro no mundial e aumentou as chances de Kauli conquistar mais um degrau no ranking. Atualmente, ele é o 2º colocado na categoria waves (em que o atleta faz manobras enquanto surfa a onda), 2º na free-style (só manobras) e 1º na indoor (disputada numa piscina de ondas, equipada com rampas e enormes ventiladores). O título, embora esperado, já que sua característica principal é o estilo radical de surf, veio consagrar a fama internacional de Kauli, que há cinco anos estampa as capas das principais revistas especializadas nos Estados Unidos e na Europa. “Acredito muito na minha própria capacidade de superação. Em cada competição encaro lendas do windsurf, caras que admirava quando comecei a velejar”, conta. “Na água, não sinto medo de nada. Ao contrário: me concentro pra poder render o máximo. Quando assisto às minhas manobras em vídeo, fico de cara. Me pergunto se sou eu mesmo”.

Tido pelos colegas como o mais obstinado dos competidores, o brasileiro está sempre tentando e testando manobras novas, que ele mesmo inventa e trata de acrescentar ao cardápio de rotinas do wind. Uma delas é a Puneta – homenagem a um período de treinos que fez em Maui, longe das mulheres –, em que o velejador faz um giro de 360 graus com a prancha e com a vela ao mesmo tempo, mantendo os pés do lado contrário à direção da prancha. “Quando caio na água, abro a mente e deixo a criatividade rolar, com consciência da técnica e força necessárias para realizar a manobra. Só depois é que me dou conta do que consegui fazer”, explica. Suas modalidades preferidas são Wave e Freestyle, em que o que importa é a originalidade, a plástica e grau de dificuldade da manobra..


(Foto: Yerome Youvet)

É O AMOR

Kauli nasceu em Florianópolis e começou surfar aos 4 anos quando ganhou sua primeira prancha de surf de seu avô Luiz. Até os 12, o mar era para ele uma brincadeira de criança. Preferia jogar tênis com um colega cujo pai era velejador e o apresentou ao windsurf. Foi assim, que por uma vacilada do destino, ele subiu numa prancha a vela. Não demorou um ano para perceber que aquela era sua praia e, incentivado pela família, aos 13 já era campeão brasileiro.

Aproveitar o que a vida tem pra te oferecer a cada segundo e não fazer só aquilo que o sistema te impõe. É assim que Kauli Seadi encontra seu equilíbrio físico e mental, segundo ele, a alma dos resultados. Obcecado pela vela, treina, em média, 6 horas por dia e faz tudo o que é necessário para se tornar um atleta nota 10. Quando está em Floripa faz preparação física nas dunas, para desenvolver força e impulsão nos membros, natação e power ioga em casa. Foi praticando essa vertente da ioga que trabalha a respiração, a consciência e sobretudo o corpo, que ele conseguiu desenvolver a capacidade de atingir um equilíbrio próprio no meio da turbulência. Hoje ele consegue se concentrar no meio da muvuca antes de entrar no mar para uma competição.

Quanto ao espiritual, Kauli se diz um cara do bem e de bem com a vida. “Adoro brincar, rir, conversar e conhecer pessoas. O fato de ser um cara light contribui muito para o meu equilíbrio. Acredito que a estrutura técnica, física e psicólogica que tive durante a adolescência, dos meus pais e principalmente do Netão, treinador da Mormaii, me deu uma ótima base. Hoje, como profissional, me sinto seguro e completo, pronto pra trabalhar fortemente a minha modalidade”. Além de competir com os maiores feras do esporte mundial, o garoto prodígio do windsurf busca realizar outro sonho, o “Destino Azul”, projeto que possui com mais dois amigos brasileiros e que visa velejar o mundo inteiro e parar nos melhores locais para fazer as coisas que mais lhe dão prazer: “Velejar, surfar, fazer tow-in e amar”.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2005)