O guardião das fronteiras

Na edição de setembro da revista Go Outside (Ed. 111), publicamos a reportagem "Profissão: Perigo", que apresenta a história de pessoas que, apesar de não serem atletas outdoor, encaram expedientes que exigem altas doses de coragem, ótimo preparo físico e muito espírito aventureiro. Leia abaixo, o perfil de um destes personagens, o policial Sidnei Natal, que patrulha uma das regiões mais perigosas do país, na divisa do Brasil com a Bolívia e o Paraguai

Por Nina Rahe


JOGO DURO: O policial Sidnei, em estrada "cabriteira" de Dourados, no Mato Grosso do Sul (FOTO: Cristiano Alencar)

EM ÉPOCAS DE PLANTÕES INTENSOS, o paulista Sidnei Natal, de 45 anos, pode percorrer até 2.000 quilômetros na região de fronteira do Brasil com a Bolívia e o Paraguai. Policial há 24 anos, ele atua no Departamento de Operações de Fronteira (DOF) desde 2001 e, para chegar lá, o percurso é longo. Sempre que está em serviço, Sidnei deixa a cidade de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, onde mora, percorre cerca de 490 quilômetros de ônibus até Dourados, sede do DOF, e depois segue com uma equipe de quatro policiais para sua zona de atuação, a mais ou menos 300 quilômetros de distância. Em plantões de quatro dias de trabalho para oito dias de folga, Sidnei pouco dorme: os descansos não passam de duas horas e, a cada 40 minutos, a viatura precisa se deslocar.

Suas funções se concentram em estradas semidesertas, conhecidas como “cabriteiras” (os veículos roubados, no linguajar policial, são chamados de “cabritos”, daí o apelido dessas vias), e o deslocamento constante das viaturas é o que dificulta a operação dos “batedores de estrada”, bandidos que ficam monitorando a localização da polícia para avisar os traficantes. Os criminosos costumam andar armados e reagem com o arranque dos carros a qualquer abordagem, quase sempre fugindo para os outros países, fora do alcance das leis brasileiras.

Recentemente, a equipe de Sidnei estava em Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul, indo em direção à fronteira com o Paraguai. A uma distância de uns cem metros, uma carreta locomovia-se na estrada de terra. Os policiais ligaram o sinal luminoso e, quando o motorista percebeu que estava sendo seguido, começou a fechar a passagem da viatura. Foram seis quilômetros de perseguição, a poeira era tanta que não se via nada. Próximo à fronteira, alguém de tocaia passou a atirar contra a polícia, e o motorista da carreta também disparou. Ninguém se feriu, mas eles conseguiram fugir. “Ao mesmo tempo em que fico feliz por ninguém de minha equipe ter se machucado, sinto-me impotente ao saber que essas pessoas estão por perto, porém não mais em nosso país. Ou seja, não posso fazer nada”, diz.

Antes de entrar para o DOF, Sidnei trabalhou 11 anos no 2o batalhão da Polícia Militar de Três Lagoas. Lá realizava serviços de fiscalização de trânsito e atendimentos por rádio-patrulha. As ocorrências, em sua maior parte roubos e brigas domésticas, vinham com informações detalhadas – antes de se dirigir ao local, ele sabia exatamente o que iria encontrar. Hoje, porém, a situação é oposta: pelas estradas pode passar tanto alguém que acabou de explodir um caixa eletrônico como um motorista de uma carreta roubada. “É um trabalho às cegas”, afirma.

Para dar conta de uma área de 1.500 quilômetros, com mais de 50 municípios do estado de Mato Grosso do Sul, sete viaturas realizam a cobertura. As principais ocorrências são tráfico de drogas e contrabando – só neste ano, foram mais de 35 mil toneladas de maconha apreendidas. “Qualquer operação em uma cabriteira é arriscada, mas o trabalho é viciante, não sei explicar. Está no sangue”, diz Sidnei, que é casado há 25 anos e respirou aliviado quando o filho de 16 disse que queria ser botânico.


PARCEIROS: Sidnei e sua equipe em uma das estradas que patrulham, em Dourados


FORA DA LEI: Os policiais com tanque de gás apreendido, cheio de cocaína
(FOTOS: Arquivo Pessoal)

(Trecho de reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2014)