Por Sueli Rumi QUANDO IAN ADAMSON, O LANCE ARMSTRONG DAS CORRIDAS DE AVENTURA, contou, durante uma palestra que deu no Brasil, sobre seu recorde mundial de 424 quilômetros remando por 24 horas no rio Yukon, corredeira abaixo, a primeira pergunta que veio à cabeça de Eduardo Coelho, empresário e ex-corredor de aventura, era se existia alguma marca deste tipo, mas no mar, com caiaque oceânico.
Bastou isso para que ele, Carmen Lúcia da Silva e Fábio Paiva começassem a pensar no Desafio 24 Horas de Caiaque Oceânico/Sea Kayak. “Somos parceiros de remada de longa data e existe uma sinergia muito grande entre a gente. Desde o início achamos que tinha tudo para dar certo”, explica Coelho.
A partir da idéia, foram 18 meses de muito treino, muito preparo psicológico e muita pesquisa. Era preciso saber se havia alguma marca nacional ou mundial e quais seriam as exigências da Confederação Brasileira de Canoagem para se realizar um evento deste porte. E, principalmente, escolher a embarcação certa, o local e épocas ideais. Carmen, arquiteta que mora em Angra dos Reis (RJ), visita suas obras remando e é uma das maiores atletas de canoagem do Brasil, explica que não era só uma questão de remar. “Isso para os três é muito fácil, pois somos muito fortes. Era uma questão de estratégia. Uma escolha errada e tudo se perderia”, afirma.
Fábio Paiva, que largou a vida de engenheiro para fabricar caiaques já na década de 80, ficou encarregado de construir os barcos ao mesmo tempo resistentes e de alta performance. Carmen e Coelho usaram um caiaque duplo oceânico em Kevlar (mesmo material utilizado para coletes à prova de bala e para capacetes de motociclistas) e Fábio usou um caiaque individual em fibra de carbono.
Coelho explicou a razão de terem escolhido o litoral de Santos para realizar o Desafio: “é o quintal da nossa casa, sempre remamos por aqui. Então não teríamos problema de orientação noturna. Por garantia, optamos por iniciar a remada no fim da tarde para atravessar a madrugada mais descansados, mais despertos” – uma decisão mais do que acertada. Porém, ao contrário do que imaginavam, a maior dificuldade não foi remar em mar aberto durante a noite.
O DESAFIO COMEÇOU EXATAMENTE às 18h38 do dia 16 de dezembro, uma sexta-feira de tempo bom depois de uma semana desanimadora de muita chuva. A largada foi no Canal de Bertioga, em direção ao mar, sentido horário. Quando chegaram à Praia do Tortuga, às 22h08, para a primeira parada – estavam previstas quatro delas para que Marcelo Lopes, diretor de Canoagem Oceânica da Confederação Brasileira de Canoagem, a CBCa, checasse as informações do GPS e a obediência às regras estabelecidas, e para que o Dr. Clemar Correa avaliasse as condições físicas dos atletas – Carmen, Fábio e Coelho estavam entusiasmados com as condições do mar. “Lua cheia, mar liso, temperatura agradável, era tudo que queríamos!”, disse Carmen.
Porém, esta tranqüilidade era só um presente da Natureza para quem tinha tanto pela frente. Depois da Biquinha (São Vicente), aonde chegaram no início da madrugada de sábado (17) depois de terem remado pouco mais de 55 quilômetros, o trio seguiu para o Porto de Santos. Foi ali que enfrentaram os 20 minutos mais longos de suas vidas. “Entrou um vento noroeste super esquisito e não eram simplesmente marolas laterais. O mar ficou todo repicado, a água batia de todos os lados. Era preciso fazer apoio com os remos para não virar e esperar que o vento nos tirasse dali”, conta Carmen. “E, para piorar, o lugar era complicado, pois tinha os navios grandes e atrás era um mangue fundo, com muita vegetação”, lembra. Naquele momento, qualquer erro seria fatal para o projeto.
Para completar, Carmen e Coelho se perderam de Fábio. “Ficamos um tempão sem saber o que tinha acontecido. Até que, finalmente, ouvimos o grito dele. O vento tinha empurrado ele em direção ao mangue e seu caiaque estava cheio d’água. A nossa experiência e o nosso preparo fez com que conseguíssemos sair dali inteiros para continuar”, diz.
Para os três, esse foi o momento de “verdadeira roubada”. Porém, como as conquistas fáceis não são tão saborosas, depois de 17 horas de remada, 125 quilômetros percorridos e uma nova parada na Praia do Tortuga, Carmen, Coelho e Fábio pegaram um vento contra que baixou a velocidade de remada, que até então era de até 13 km/h, para 3 km/h. “Aparecer este vento contra quando você já está cansado e ainda faltam sete horas para tudo terminar foi desanimador”, diz Fábio Paiva, que durante toda a remada se concentrou para que uma crise renal que teve duas semanas antes não retornasse. “Naquele momento não sei de onde puxamos uma força extra e seguimos em frente. Acho que se não tivéssemos nosso preparo e, principalmente, nossa sinergia, não teríamos conseguido”, completa.
Foram cerca de 35.000 remadas completas cada um (a pá do remo entra na água nos dois lados do caiaque) e 163 quilômetros percorridos. Recorde brasileiro e mundial. Felizes? Sim! Eles comemoraram muito. Mas não ficaram satisfeitos e já pensam em outro desafio para bater esta marca.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2006)
BRAÇO DE FERRO: Fábio, Carmem e Coelho depois de 35 mil remadas e 163 km de mar
Fotos por Fábio Paiva
PREPARATIVO: Fábio ajeita o colete
MAIS PREPARATIVOS: Carmem prepara o caiaque e Coelho explica o Desafio à imprensa