Febre das pranchas


(Foto: Getty Images)

Por Cassio Waki e Fernanda Franco

O HALFPIPE DE 110 METROS DE COMPRIMENTO DOS JOGOS OLÍMPICOS DE INVERNO DE TURIM, NA ITÁLIA, FICOU PEQUENO. A enorme construção de gelo e neve era limitada para as manobras do snowboarder californiano Shaun White, 19 anos. Com a medalha de ouro garantida, White transcendeu as barreiras do snow e presenteou o público de todo o mundo com manobras de surf, executadas sobre uma pista de neve e sob uma temperatura negativa. Skatista profissional e surfista ocasional, antes de embarcar para Turim ele conquistou, no ano passado, a medalha de prata no skate vertical do X Games, realizado nos Estados Unidos.

Este é só um exemplo recente de como cada vez mais os esportes de prancha se misturam, se complementam e evoluem juntos. Assim como Shaun White, muitos esportistas estão fazendo da vida uma grande onda. Simplesmente pra aumentar as chances de se divertir, acabam por enveredar por outros boardsports. “Por mais que existam as tribos do skate, do surf, do kitesurf etc., não há como negar que um esporte influenciou e ainda influencia o outro”, afirma Flávio Ascânio, 41 anos, skatista, surfista, snowboarder, wakeboarder, sandboarder e fundador e coordenador do primeiro curso de pós-graduação em esportes de prancha no mundo, a Universidade da Prancha, que pertence ao Centro Universitário Unimonte, em Santos. “Os esportes de prancha estão ligados por serem um estilo de vida e terem uma origem em comum”.

Outro expert no assunto, Luis Roberto de Moraes, 43, mais conhecido como Formiga, faz coro. “A prancha serve como um elo entre as tribos. No começo, cada um fazia o seu, mas hoje cada vez mais as pessoas praticam mais de um”, concorda o repórter da ESPN Brasil, que iniciou sua carreira no skate, estendeu suas habilidades para o surf, o snowboard, o kite, o skysurf, o kitesurf, e hoje se dedica ao tow-in ou surf em ondas grandes. “O que importa é estar em cima de uma prancha. Se um surfista estiver nas dunas do Rio Grande do Norte, tomando água de coco e ver alguém fazendo sandboard, certeza de que ele vai querer dar uma dropadinha”.

É da Califórnia e do Havaí que o conceito boardrider foi exportado para o Brasil. No paraíso dos esportes de prancha, esse conceito é chamado de “Maui Style” (nome de uma das ilhas do arquipélago) e, basicamente, gira em torno da pergunta: o que fazer com uma prancha quando não tem onda? Assim surgiram esportes como windsurf, wakeboard, kitesurf, entre outros. “Em Maui, a mistura de modalidades é muito intensa. O cross-training – treinamento que utiliza exercícios de outro esporte como complemento para o esporte praticado, como, por exemplo, andar de kitesurf para melhorar o preparo e a técnica na hora do tow-in – é prática comum. Uma prancha ajuda a outra e ambas se complementam”, diz Formiga, que voltou em fevereiro de uma temporada na ilha. “O importante é ficar horas no mar se divertindo, independente do esporte. É o que chamamos aqui de ‘Waterman’, aquele cara que pratica todo e qualquer esporte na água que envolva ficar em pé numa prancha”, diz Vitor Marçal, 41, e há 16 anos salva-vidas profissional do litoral norte de Oahu, no Havaí.

Outro surfista que tem enveredado pelo mesmo lado é Luis Gontier, 37, o Pipo, proprietário da Gzero, loja especializada em trazer para cá as novidades em esportes de prancha. Hoje você pode encontrar Pipo testando novas brincadeiras em pranchas do chamado Soul Surf, movimento que resgata pranchas que fizeram parte do começo da história do surf, como as mono, bi, quadriquilhas, fish e wingtails, trazendo de volta a essência de que o esporte deve ser praticado por qualquer um que queira ter aquela sensação de estar numa onda com o vento no rosto, curtindo a interação com a natureza.. “Morando em São Paulo, tenho a oportunidade de surfar uns 50 dias do ano. Se tiver uma outra opção como kite, por exemplo, posso me divertir muito mais, mesmo que não tenha onda no fim de semana. Porém, esse conceito ainda é muito novo aqui no Brasil. Poucas pessoas ainda têm tempo, dinheiro e locais para fazer várias modalidades, mas acredito que isso vai ‘virar’”.


HORAS VAGAS: O tricampeão brasileiro de kite, Guilly Brandão, brinca de wake na lagoa da Conceição, em Floripa
(Foto: Alexandre Cappi)

TER SEMPRE À DISPOSIÇÃO ALGUMA ATIVIDADE DEIXA A VIDA AINDA MAIS DIVERTIDA. É com esse pensamento que os apaixonados por prancha criam seu estilo e trazem de volta a essência que deu vida a cada um desses esportes: o prazer do drop. “Se não tem vento, vou pro mar surfar e aproveitar o swell”, diz Guilly Brandão, 24, tricampeão brasileiro de kitesurf. “Quem gosta de prancha, gosta de fazer tudo o que ela oferece, pois é sempre a mesma base, só muda o lugar: neve, mar, areia ou asfalto”, completa. Felipe Motta, 29, pentacampeão brasileiro de snowboard e skatista nas horas vagas, concorda. “Na verdade, a prancha é uma maneira de você se divertir em diferentes lugares”. O primeiro brasileiro a encarar Jaws, no Havaí, João Simonsen, 39, é outro que agarrou o conceito de boardrider. “Vou todos os fins de semana para a praia e é pouco provável que eu fique na areia. Abri meu leque de opções e tenho sempre uma atividade à minha disposição, mesmo que o mar não esteja legal pro surf”, diz.

Com a evolução da tecnologia nos materiais e no desenho das pranchas, os praticantes podem cada vez mais personificá-la de acordo com seu estilo. “Hoje as pessoas não querem mais ter a prancha do Kelly Slater. Elas querem ter uma que atenda às suas necessidades”, fala Pipo. Até porque não há um jeito padrão para subir numa prancha e realizar as manobras. “É como uma impressão digital. Não há estilos iguais, cada um cria o seu. O corpo registra e guarda na memória todos os aprendizados da prancha. Você se fortalece e desenvolve seu estilo buscando experiências anteriores. Tenho muito de quando comecei minhas primeiras manobras no skate, aos 9 anos”, lembra Formiga.

Esse salto no desenvolvimento dos equipamentos também possibilita a recriação e aperfeiçoamento de modalidades que pareciam não mais existir, como as pranchas fish. “É mais uma alternativa para quem quer começar a surfar. Ela é tão eficiente para os iniciantes como os longboards”, diz Pipo.

O leque de opções – seja para os profissionais se desafiarem em ondas gigantes com suas superpranchas de surf ou kitesurf, seja para o iniciante que quer ter o gostinho de se sentir sublime em cima de uma prancha no mar, na neve, na areia ou no asfalto – aumenta cada vez mais. “O lance é não ter vergonha de começar, de aprender. Parece que o ser humano, quando chega a certa idade, não quer mais pagar mico e deixa de fazer várias coisas. Eu paguei mico e agora estou sempre me divertindo”, afirma Simonsen. Sem ter vergonha de cair, levantar e cair de novo, logo mais você estará experimentando uma nova sensação. Depois de algumas sessions, você voltará pra casa com novas lembranças e manobras para comemorar – só que agora, de um novo esporte.

NA ALMA

Pai de todos os esportes de prancha, o surf é o caminho mais “fácil” para quem quer se tornar um boardrider

PASSADO

Há registros de que o esporte tenha surgido cinco mil anos atrás na região onde hoje é o Peru, quando os Incas projetaram jangadas para, na volta da pescaria, aproveitarem as ondas para ganhar velocidade em vez de serem surpreendidos por elas e perderem toda a carga. Porém, não se pode concluir que os incas tinham o intuito de surfar. O que se pode afirmar é que o povo da Polinésia, acostumado a realizar grandes travessias, aprendeu a aproveitar a energia das ondas nessas jornadas e levou o costume do surf ao Havaí. Foi lá que ele se desenvolveu, tornando-se parte da cultura, religião e arte do arquipélago. O primeiro registro oficial de um homem surfando é de uma expedição da marinha real britânica do fim do século 18, em documento de autoria do capitão James Cook, que relatou suas impressões sobre os nativos que deslizavam nas ondas da baía de Waimea.


SURF NO CÉU: Formiga foi um dos precursores do skysurf no Brasil
(Foto: Divulgação)

PRESENTE

Graças à tecnologia – que desenvolveu pranchas mais resistentes e criou máquinas ágeis o suficiente para arrastar um surfista até uma onda impossível de ser “pega” no braço –, o homem passou a desafiar ondas que chegam a 70 pés (21 metros) ou um prédio de sete andares. É o TOW-IN, em que, por meio de um jet ski, o surfista é “estilingado” numa onda gigante com uma pranchinha que chega a pesar 10 quilos (reforçada com chumbo para não ficar batendo na água e atrapalhar o equilíbrio).

E quando o mar não está pra ondas? Para não ficar fora de forma, os havaianos criaram um modelo maior de prancha em largura e comprimento, ficaram nela em pé e saíram remando. Nascia o STAND UP PADDLE (“Remo em Pé”), que foi resgatado há pouco tempo por Laird Hamilton. Hoje, os surfistas já se desafiam em competições dessa modalidade. No início do ano, a dupla de surfistas brasileiras, Maria Hamilton (ex-mulher de Laird) e Andréa Boler chegou em terceiro lugar na Travessia de Molokai, uma tradicional competição feita até então somente de canoa havaiana. “Com o surf, vieram outros esportes com o intuito de simular seus movimentos e sensação em momentos que não havia ondas”, diz Flávio Ascânio.

FUTURO

Outra inovação que a tecnologia (e a criatividade do big rider Laird Hamilton, criador do brinquedo) trouxe para os surfistas é o FOILBOARD, uma prancha com botas fixas e uma quilha (hidrofólio) que chega a medir 1,5 metro. O sistema, parecido com uma asa de avião, sustenta e direciona a prancha, dando-lhe ao mesmo tempo velocidade e facilidade de manobra. O surfista chega a flutuar com toda a prancha, sem encostar-se à água. “É como flutuar num tapete mágico, pois não há o atrito da prancha com a água”, diz Vitor Marçal, adepto da modalidade no Havaí.

Ao contrário das pranchas de surf convencionais, o foilboard necessita do apoio de um jet-ski. Se você acha que esta é uma desvantagem em relação às pranchas de surf normais, saiba que com uma foilboard é possível atacar as ondas ainda em formação sem ter que esperar que elas cheguem à praia. Aliás, este foi um dos motivos que levou Hamilton a construir esta prancha: como o foilboard não necessita da rebentação da onda para fazer as suas manobras, ele acredita que poderá surfar ondas oceânicas com mais de 30 metros de altura.

“O stand up paddle é um dos esportes mais completos, já que fortalece toda a musculatura. O kitesurf também ajuda no fortalecimento, pois nele somos puxados a todo instante. Já o foilsurf melhora o equilíbrio”, Haroldo Ambrósio, big rider.


ONDA GIGANTE: Formiga se desafia no tow-in
(Foto: Zep)

SOPRO DE CRIATIVIDADE

A idéia de instalar um mastro com vela numa prancha de surf se materializou na mão dos surfistas, como não podia deixar de ser

PASSADO

Quando o windsurf chegou ao Brasil no fim da década de 1970, a vida de uma família de velejadores se transformou. Dudu Mazocatto, 35 anos, foi colocado em cima de uma prancha de windsurf pelo seu tio aos 8 anos e nunca mais largou o esporte. “Ele levantou a vela pra mim e eu segui sozinho sentindo o vento no rosto”, lembra Dudu, que após se formar em engenharia naval se mudou para Maui, no Havaí, onde morou por seis anos. Junto à lenda viva do esporte, Robby Naish, o brasileiro desenvolveu equipamentos de kitesurf e hoje é representante da Naish no Brasil. “O windsurf é minha religião”, diz.

O windsurf une os fundamentos do surf e da vela. E não foi à toa que foram velejadores que começaram a desenvolver o conceito de free-sail, ainda na década de 1950. Somente 20 anos mais tarde, a proposta de instalar um mastro com vela numa prancha de surf tomou forma na mão dos surfistas.

PRESENTE

No início, as manobras eram baseadas no surf. Depois o esporte ganhou versatilidade, já que possui um meio de propulsão que aumenta as possibilidades de manobras e propicia uma melhor entrada em outras modalidades. Há pranchas e velas desenhadas especialmente para cada modalidade. Na Race, pranchas e velas potentes buscam velocidade – que, aliás, é um dos tempero que fascina, principalmente em regatas, onde a vela atinge cerca de 70 km/h; no Speedy, sub-modalidade da Race em que o velejo é feito em linha reta e o que importa é o velocímetro, o wind chega a 90 km/h. O Wave e o Freestyle representam o segmento mais radical do Wind, com manobras baseadas em outros esportes como wakeboard, snowboard e skate.


BÃ-BÃ-BÃ: Kauli Seadi é o melhor do mundo no wind
(Foto: Divulgação)

FUTURO

Não tão veloz como na água, a vela de wind ganhou a neve, o asfalto e a areia. Dos três, o snowboard é o mais rápido, por razões físicas, quando uma vela é acoplada à prancha. Outra possibilidade é o windski, em que uma pequena prancha é instalada num esqui. O velejo é mais tradicional e feito em grandes áreas planas. Na falta de neve e mar, foi só colocar duas alças, encaixar uma vela menor num skate e deslizar pelo asfalto. O windskate não precisa de tanto vento como o seu progenitor e por isso tornou-se boa alternativa pra quem mora longe do mar. Outra vertente do windsurf saiu da água e ganhou a areia com o carveboard – skate com rodas grandes. O grande barato é se você estiver numa praia que tenha areia dura, pois dá para reproduzir com mais precisão os movimentos do windsurf.

“Quem faz wind, vê o kite e fala: ‘Também quero’. Todos do wind fazem kite, nem sei dizer quem não faz”, Dudu Mazocatto, windsurfer.

NA CRISTA DA ONDA

Nos últimos anos os praticantes desse esporte vêm roubando a atenção da galera da praia. São os kitesurfistas, que misturam manobras do surf, windsurf e wakeboard


PASSADO

O kitesurf tem esse nome porque seu fundamento é voar sobre a água puxado por uma “pipa” (kite em inglês). Os pioneiros do kite, como é mais chamado, foram os irmãos Legaignoux. Em 1984, os dois franceses, que eram surfistas e windsurfistas, desenvolveram os primeiros protótipos dos equipamentos e, em seguida, produziram os kites para venda. Mas o “momento mágico” do esporte foi quando windsurfistas começaram a usar o kite para diversão. Robby Naish, ícone do wind, gostou tanto que se tornou não só seu maior divulgador, como um dos grandes fabricantes de kite.

As origens do kite remetem aos princípios do wake. Começou com a prancha do wakeboard e com a vela do parapente, que depois foi adaptada para um tamanho menor até chegar à pipa. As botas deram lugar a alças e a prancha ganhou características próprias. Atualmente já tem kitesurfistas encarando os obstáculos do próprio wake – sliders e kickers – em lagos e represas.

PRESENTE

O kitesurf é considerado o esporte de prancha do momento. “As pessoas estão descobrindo. Depois de experimentar, percebem que é uma mistura de todos os esportes”, afirma Guilly Brandão, tricampeão brasileiro de kitesurf. “Surfistas têm mais facilidade com o kitesurf nas ondas (waveriding), pois deslizar na prancha é como surfar”. O kitesurf nas ondas já desafia até seus limites em ondas gigantes: big riders costumam treinar kite para enfrentá-las. “O kite ajuda muito para fazer tow-in por causa da força e da velocidade que ele exige. É o esporte que você mais aprende a pilotar a prancha em alta velocidade, usando todas as partes dela”, conta Formiga. O big rider taitiano Malik Jouyex, morto em Pipeline, no Havaí, no fim do ano passado, foi o primeiro ser humano a entrar numa onda gigante puxado por um kite.


REPARA NA PRANCHA: Velejo de kite para curtir o drop nas ondas
(Foto: Alexandre Cappi)

FUTURO

A novidade é o kitefoil. O que teve origem no wake e se adaptou ao surf, agora fez a volta e retornou para o kite. “É uma inovação. Veio da curiosidade de colocar dois esportes e dois equipamentos diferentes e fazer funcionar. O Rush Randle [especialista em foilsurfing] começou e logo após me aventurei nessa. A diferença é que você pode fazer kite com muito menos vento e com uma pipa menor, pois o foil não tem resistência na água, a quilha levanta e corta a água o tempo todo. Mas é preciso muita experiência para fazer o kitefoil”, diz Vitor Maçal. A neve também está se tornando a praia do kite. A onda agora é deslizar nas montanhas de kitesnow e já tem até Copa do Mundo.

“O kite e o foil ajudam muito no tow-in, pois os pés ficam presos na prancha e ganha-se muita velocidade”, Jorge Pacelli, big rider.

PONTE AÉREA


O surf deu o pontapé inicial para a criação do wake, que hoje se desafia em rampas e corrimões

PASSADO

Em 1986, uma turma de “cientistas” pregou duas alças numa pranchinha de surf para aproveitar as águas de um lago plácido e ser puxado por uma lancha. Era o Skuffing, precursor do que hoje é o wakeboard. “Não era rápido, não tinha muita emoção e era muito experimental. Quase abandonei. Alguns anos depois, finalmente surgiu uma prancha de wake. Comprei e continuo até hoje”, lembra Rogério Rodrigues, 40 anos, o Lalau, empresário que iniciou sua trajetória nos boardsports na década de 70 com o skate, freqüentou muito as pistas em Alphaville, São Bernardo do Campo e o Wave Park, em São Paulo, e hoje se aventura também no snowboard.

PRESENTE

Para incrementar a brincadeira, o wakeboard se inspirou no snow e no skate e trouxe para a água sliders (corrimões) e kickers (rampas). Nos Estados Unidos foram criados os “cableparks”, onde se é puxado por uma espécie de “lift” a aproximadamente 40 quilômetros por hora, seja para fazer manobras ou encarar os obstáculos. Há algum tempo, os americanos vêm desenvolvendo o wake no mar, puxados por jet skis. A mania agora é o wakesurf. “A gente enche o barco de gente na parte de trás para fazer peso.

Isso gera uma marola de uns 70 centímetros. Você é puxado e depois se solta na onda com uma prancha especial de wakesurf, que é mais larga e com mais flutuação que o surf”, diz Lalau. Outra opção é o wakeskate, que nasceu quando as botas foram tiradas da prancha para criar um novo desafio: fazer manobras do skate dentro d’água. Hoje, os fabricantes especializados já têm pranchas e até calçados específicos.

FUTURO

O que tira o sono dos wakeboarders hoje em dia é criar obstáculos mirabolantes. Os campeonatos desafiam os atletas a saltar rampas com corrimões e um “gap” entre elas – um espaço de cerca de três metros. Outras são em curva passando por cima de barcos ou carros, que ficam estacionados fora d’água. Outro desafio fica por conta de uma manobra, o 1800º – três voltas completas e seguidas em torno de si. Uma empresa americana oferece 1,8 mil dólares para quem a fizer e comprovar numa filmagem. O único wakeboarder no mundo a realizar a manobra foi o norte-americano Parks Bonyfay, em 2000.


MANOBRA PERFEITA: Marreco, o melhor do Brasil, vê o mundo girar

“O wake ajuda bastante no kite. Além das manobras serem trazidas dele, os dois esportes utilizam o mesmo princípio: o atleta é puxado”, Guilly Brandão, tricampeão brasileiro de kitesurf.

TRINCA ARRETADA

Eles são os parentes underground dos esportes de prancha aquáticos, mas o skate, o sandboard e o snowboard não ficam devendo nada em adrenalina e diversão

PASSADO

No Brasil, o sandboard passou por uma série de transformações até chegar ao que é hoje. O que surgiu com surfistas deslizando nas dunas com suas pranchas de surf, ganhou modelos menores com alças para segurar os pés até chegar a um protótipo próximo ao do snow, com botas e tudo. “Participei de campeonatos de snow em 1995, e dois anos mais tarde, quando o sand entrou no país, pude ajudar no desenvolvimento de equipamento e também de manobras”, conta Flávio Ascânio.

A relação entre snowboard e sandboard é muito próxima, porém não se pode deixar a influência do skate de lado. Ainda mais porque é um dos esportes de prancha mais antigos, já que foi por volta da década de 20, que surgiu uma espécie de patinete, criado como uma alternativa para a bicicleta, muito cara na época. Rodas de patins foram pregadas a caixotes de fruta com uma espécie de guidão. Depois de um tempo, as paredes do caixote caíram, tiraram o guidão e, foi na década de 50 que o skate propriamente dito surgiu. Em meados de 80, os Z-Boys, retratados no filme do diretor Stacey Peralta, Reis de Dogtown, introduziram as manobras do surf no skate, revolucionando o esporte.

PRESENTE

Não é porque no Brasil não neva o suficiente que suas chances de um dia deslizar num snowboard são pequenas. O jeito é se preparar para o dia em que for até a neve e não sentir tanta dificuldade. Encarar as manobras de skate e do sandboard são ótimas alternativas. “Se nevar numa pista para skate, vira snow”, conta Felipe Motta, 29 anos, que começou no skate, passou pelo wakeboard e hoje é pentacampeão brasileiro de snowboard.

O fera do sandboard mundial, o brasileiro Digiácomo Dias, 23, já desbancou atletas da Finlândia e Estados Unidos em torneios de snowboard. “Não tive dificuldades para andar de snow, pois são esportes muito parecidos. Quem faz ‘sand’ tem mais facilidade para depois encarar a neve, porque o atrito na areia é maior”, conta. Depois de experimentar e se consagrar na neve, Digiácomo parte agora para o mar. “Tinha receio, mas meu irmão está me levando para o surf aos poucos e, também, estou fazendo aulas de kitesurf”, revela o sandboarder que jura que é só para lazer.

FUTURO

O ‘sand’ não pára de evoluir. O nordeste brasileiro desenvolve o kitesand. O princípio é o mesmo do kitesurf, ser levado pelo vento, mas a nova diversão ainda está em experimento. “Funciona em dias que chove e a areia fica mais dura. E se usar uma prancha com PVC, você chega a uma velocidade comparável ao snow”, diz Digiácomo, que treina sand e surfa na praia da Joaquina e brinca de kite na Lagoa da Conceição, tudo no norte da ilha de Florianópolis.

“Hoje podemos andar de skate em vários lugares. Concreto, madeira, pedra, asfalto. Só na água que não”, diz Felipe Motta. Para dar uma mãozinha surgiram modalidades como mountainboard, carveboard e downhill. Inventado por surfistas, o carveboard colocou rodas maiores para literalmente surfar no asfalto. O mountainboard segue o mesmo princípio, porém é mais direcionado para encarar trilhas, já que suas rodinhas são off-road. Já o downhill é sinônimo de velocidade. O skatista chega até a ficar de joelhos, dependendo do grau da curva, já que pode chegar a uma velocidade de 130 km/h.

“Em Maresias tem uma pista de skate. Antes, só descia pra praia se tivesse onda, agora desço de qualquer jeito, pois tem a pista pra se divertir”, Felipe Motta, pentacampeão brasileiro de snowboard.

“Sinto as influências dos primeiros movimentos do skate até hoje”, Luis Roberto Formiga, repórter da ESPN Brasil, que iniciou sua carreira no skate, estendeu suas habilidades para o surf, o snowboard, o kite, o skysurf, o kitesurf, e hoje se dedica ao tow-in.


BERÇO: Sandboard nas areias de Floripa, onde tudo começou, em 1986
(Foto: Alexandre Cappi)


CURIOSIDADES

– Uma prancha de tow-in pesa 10 quilos e tem até chumbo, para não trepidar demais com a força da onda.

– O surfista de tow-in chega a usar dois coletes salva-vidas para encarar as ondas gigantes.

– Ondas gigantes chegam a 70 pés ou 21 metros ou um prédio de 7 andares.

– As ondas mais procuradas são as de 100 pés (30 metros). O primeiro surfista que conseguir o feito embolsa US$ 1 milhão.

– O Brasil é o primeiro país no mundo a criar uma pós-graduação de esportes de prancha no mundo, em 2002, a Universidade da Prancha, do Centro Universitário Unimonte.

– Nos anos 40, o californiano Robert Simons, inventou a prancha de fibra de vidro, também chamada Simon’s board.

– O kitesurf começou com a prancha do wakeboard e com a vela do parapente, que depois foi adaptada para um tamanho menor até chegar na pipa.

– Na década de 20, uma espécie de patinete foi criado como uma alternativa para a bicicleta, muito cara na época. Rodas de patins foram pregadas a caixotes de fruta com uma espécie de guidão. As paredes do caixote caíram, tiraram o guidão e, foi na década de 50 que o skate propriamente dito surgiu para simular os movimentos do surf nas ruas.

– Egípcios e nórdicos utilizavam uma espécie de prancha para descer montanhas de neve ou dunas a fim de transportar materiais ou até mesmo pessoas.

– Surfistas pegavam pranchas quebradas, pedaços de madeira ou papelão e tentavam dropar as dunas de areia como se fossem ondas.

– A Igreja Protestante desestimulou por mais de 100 anos a prática do surf.

– Lá pelos anos 70 houve o racionamento de água nos EUA, e muitas pessoas tiveram que esvaziar suas piscinas. Foi aí que os skatistas perceberam que essas piscinas vazias poderiam se tornar pista. Estava inventado o bowl.

– Foi o havaiano Brett Lickle, junto com Laird Hamilton, quem inventou o foilboard. Brett Lickle também inventou uma prancha motorizada.

– O pai do surf moderno é o havaiano Duke Paoa Kahanamoku. Ele participou de quatro olimpíadas e ganhou um total de três medalhas de ouro e duas de prata como nadador. Viveu até os 94 anos e morreu em 1986.

– A primeira prancha de windsurf que chegou ao Brasil foi trazida por Fernando Germano do Clube de Campo do São Paulo, e os pioneiros foram Klaus Peters e Marcelo Aflalo, em São Paulo.

EVOLUÇÃO

1890 nasce no Havaí Duke Paoa Kahanamoku, que anos mais tarde resgatou o costume de surfar as ondas.

1913 Duke introduz o surf na América.

1963 a americana Naomi Albrecht é a primeira pessoa a ser fotografada velejando de windsurf.

1965 se comercializaram os primeiros skates fabricados industrialmente e começaram as primeiras competições.

1966 o engenheiro norte-americano Sherman Poppen juntou dois esquis com cordas para sua filha, fazendo o snowboard “pré-histórico”.

1968 os amigos Hoyle Schweitzer e Jim Drake patenteam um equipamento chamado de windsurf que combinava características do surf com veleiros.

1979 o norte-americano Tony Finn inventa o “skurfing”, embrião do que viria a ser o wakeboard, em que uma pessoa é puxada por uma lancha em cima de sua prancha de surf.

1984 o windsurf é integrado às Olimpíadas. Até hoje é o único esporte de prancha em Jogos Olímpicos de Verão. No mesmo ano, o kite é inventado pelos irmãos franceses Bruno e Dominique Legaigneux.

1986 os irmãos McFly inventam, na ilha de Florianópolis (SC), o sandboard.

1991 alças para os pés, usadas para prender o surfista à prancha, tornaram possível, até para iniciantes, pegar ondas mais desafiadoras.

1996 o kitesurf chega ao Brasil. Um francês aproveitou sua passagem por Florianópolis para impressionar os locais com o esporte radical.

1997 é inventado o foilboard.

1998 preocupado com a queda do público, o snowboard foi introduzido nos Jogos Olímpicos de Inverno, em Nagano, devido à sua popularidade entre os jovens.

1999 a primeira competição de surf em onda artificial atrai, além de surfistas, skatistas e snowboarders.

TREINAMENTO

Dropando o treino

É tudo muito divertido, mas se você se descuidar um pouco pode se machucar feio ou mesmo ficar um dia inteiro dolorido por passar horas no mar, deitado numa prancha, exigindo músculos das costas e do pescoço que no dia-a-dia não são tão requisitados. O jeito é se precaver com exercícios complementares, que vão deixar seu corpo pronto para a prancha que estiver aos seus pés. “Cada esporte tem sua particularidade nos treinos e é difícil encontrar uma fórmula padrão para todos. Mas, com certeza, eles exigem músculos fortes, resistentes e ágeis, porque há esportes que envolvem quedas de impacto muito forte como o skate e o wakeboard, por exemplo”, diz Daniela Paiva Castro, professora especializada em surf e esportes de prancha pela Unipran.

“Fortalecimento muscular é insubstituível. Previne possíveis distensões, diminui o impacto nas articulações e trabalha com a explosão, fundamental para a execução das manobras. A pliometria, que são os exercícios de saltos, também é importante, pois além de fortalecer os músculos, desenvolve a propriocepção, ou seja, a noção que a pessoa tem do espaço, deixando-a com melhor equilíbrio e agilidade”, recomenda. E nunca deixe de alongar antes e depois de qualquer exercício.

O programa Pronto Para a Ação, que a Go Outside publica a terceira parte nesta edição, tem tudo para te deixar preparado para mandar bem em qualquer um desses esportes de prancha. Acesse o www.gooutside.com.br e leia a íntegra das duas primeiras partes do programa, com todas as informações sobre treino de endurance e de força funcional.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2006)