A surpresa dos Bálcãs

Por Tim Sohn

Fotos por Joshua Paul

“LEGAL, NÃO?”. Tonci Lucic, meu alto, sujo e viciado em Game-Boy anfitrião na ilha croata de Hvar, é uma cabeça sem corpo, mas sorridente, oscilando ao ritmo das ondas enquanto avançamos pelas águas quentes do mar cobalto do Adriático. Sobre nós, um castelo do século 16 mantém vigília sobre uma cidadezinha medieval cujas vielas adornadas com flores foram erguidas por nobres venezianos. Logo em frente à costa, pode-se ver as Pakleni Otoci (“Ilhas Satânicas”), morros verdejantes que se sobressaem das águas calmas como gigantes parcialmente submersos em tépidas banheiras cheias de Tang azul-anil.

A ilha dálmata de Hvar é a estrela mais brilhante dessa constelação de mais de mil ilhas que orbitam ao longo dos 1.776 quilômetros de litoral da Croácia, uma faixa estreita de morros cobertos de lavanda que terminam em vales isolados, onde nadar não é exatamente uma escolha, é mais uma prazerosa obrigação. “Normalmente nadamos todos os dias, às vezes até duas vezes no mesmo dia”, me conta Tonci.

Eu conheci Tonci, um entusiasta das artes marciais, skatista e ocasionalmente dono de pousada de 30 anos de idade, porque sua esposa, Teja Dittmeyer, é linda. Perto do final da minha primeira viagem à Croácia, desembarquei da balsa na cidadezinha de Hvar e dei de cara com a acolhedora imagem de uma mulher que, deduzi por seus rabos-de-cavalo loiros e calça justinha, ser uma instrutora de ioga sueca. Ela era um oásis de sensualidade no meio da multidão de senhoras com caras de boazinhas que tipicamente recepcionam os viajantes nas docas e estações rodoviárias, oferecendo quartos para alugar em suas casinhas peculiares. Eu havia aprendido a confiar nessas ofertas para encontrar lugar para ficar, mas, por alguma razão, naquele dia, a roupa colada foi uma propaganda mais eficiente. Somente quando Teja me entregou nas mãos de Tonci e saiu atrás de mais clientes para sua recém-renovada casa de pedras, percebi que fui vítima do clássico truque da isca.

Ao longo daquela primeira viagem, e posteriormente outra de quatro semanas, viajei de barco, ônibus, trem, lambreta, bicicleta, caiaque, a pé e no lombo de um burrico. Passei uma manhã passeando pelos morros diante de Dubrovnik e ainda consegui chegar à praia para um relaxante mergulho. Caminhei pelas ruínas de palácios romanos e fortes napoleônicos e visitei catedrais, museus e castelos. Segui trilhas na montanha, enfiei minha cabeça em cavernas de pedra calcária e encarei antigos campos minados. Provei comida italiana tão boa quanto as que comi na própria Itália e ouvi minha voz ecoar nas cavernas de concreto de silos de mísseis iugoslavos desativados.

O TURISTA TÍPICO ainda pode ter dificuldade em achar no mapa essa pequena nação balcânica em forma de ferradura com cerca de 4,5 milhões de habitantes. Provavelmente seria mais fácil para eles lembrarem das imagens da CNN sobre os conflitos nos Bálcãs do início da década de 1990. Desde que a guerra acabou, em 1995, a Croácia tem se tornado cada vez mais democrática, seguindo a rota da recuperação econômica e da integração com o restante da Europa.

Essa integração tem acontecido de modo informal ao longo da última década, à medida em que experientes viajantes europeus têm redescoberto esse ex-parque de diversões da elite centro-européia. Em 2004, 7,9 milhões de visitantes estrangeiros foram para a Croácia, uma incrível recuperação depois da baixa de 1,3 milhões que se seguiu à guerra de 1995. O turismo se tornou a galinha dos ovos de ouro da decaída economia croata, totalizando 23 % do PIB da Croácia e 27 % dos empregos no país. Os primeiros turistas a voltarem foram os austríacos, os alemães e os italianos, vizinhos que sempre compuseram a maior parte dos aficionados por nudismo e moda que abarrotavam os hotéis do costa adriática. Posteriormente, chegaram mais escandinavos, franceses e britânicos, conforme se espalhou a notícia de que, para um país pouco maior que o estado de Alagoas, há muito mais coisa a se fazer na Croácia do pegar um bronzeado.

As vantagens evidentes dessa região costeira de herança latina — a maior parte da costa foi parte do Império Romano e mais tarde esteve sob o domínio de Veneza — há muito fizeram delas um dos locais favoritos de marinheiros, mergulhadores e pescadores, lista essa que se ampliou para incluir praticantes de caiaque marinho, windsurf e paraglider. Desde a península de Ístria, ao norte, passando pela costa e ilhas da Dalmácia, até Dubrovnik, ao sul, a geologia de rochas calcárias, com cavernas e correntezas subterrâneas, criou uma impressionante série de penhascos, picos e cavernas. Os parques de Velebit do Norte, Paklenica e Biokovo são grandes exemplos de terreno costeiro, ótimo para caminhadas, escaladas, exploração de cavernas e camping, enquanto o rio Cetina, um das centenas de cursos d’água dálmatas, se tornou uma popular corredeira classe III-IV.

Embora o norte, com características germânicas, seja mais conhecido por seus castelos de conto-de-fada no topo de morros, há muito espaço para caminhadas e bicicletas na região de Zagorje, ao norte de Zagreb — além do mais, nunca se está muito longe de uma boa cerveja ou de um bom salsichão. E, em quase toda parte, oferece-se um forte café turco, um lembrete que durante o século 16 a tênue linha que separa a Europa Ocidental e as tendências expansionistas do Império Otomano passava bem no meio da Croácia.

Conforme a redescoberta da Croácia ganhava fôlego, a imprensa européia se engajou em uma onda de re-nomeações. A costa foi chamada de a “Nova Riviera” e Dubrovnik, a “Nova St Tropez”; a península de Ístria, que fica perto da Itália, virou a “nova Toscânia”; e Zagreb, como toda bela porém periférica capital da Europa Oriental ou Central, foi chamada de a “Nova Praga”. E todo esse glamour tem seus precedentes: em certas épocas, a costa recebeu nobres em férias e figuras notáveis da cultura, como Gustav Mahler, Vladimir Nabokov, James Joyce e Anton Chekhov. A lista de alvos dos tablóides a visitar o lugar recentemente inclui Steven Spielberg, John Malkovich e Andre Agassi; o iate de Tom Cruise supostamente deixou as docas de Hvar no ano passado; e dizem que Clint Eastwood e Robert De Niro compraram suas próprias ilhas particulares.

ÓCULOS DE SOL, embora não sejam normalmente reconhecidos por economistas como medida de fartura, me parecem servir para avaliar a prosperidade relativa de qualquer cidade. Passeando pelas ruas de Zagreb, a capital da Croácia, com 800 mil habitantes, usando só meus óculos de grau, me senti nu, exposto como um estrangeiro. Atraído pelo barulho de conversas agitadas, latido de cães e a risada de crianças, acabei na Tkalciceva, a larga alameda de pedestres entre Kaptol e Gradec, os dois antigos morros que flanqueiam o centro histórico da cidade. As mesas ao ar livre dos cafés estavam repletas de capitalistas trabalhadores, jovens na moda e ocasionais gângsteres de cabelo engomado que constituem a nova burguesia das antigas cidades comunistas – todos vendo suas vidas por detrás de lentes das marcas Armani, Dolce & Gabbana, Gucci, e Prada.

E não são só os óculos de sol: os BMWs, Audis e Mercedes, os celulares, os iPods e os edifícios de escritórios são todos evidências de uma cidade em desenvolvimento. Mas, mesmo enquanto eu visitava as galerias de arte moderna, caía na farra em boates ao som de DJs italianos, passava os olhos pela tradução croata da autobiografia de Bill Clinton (Moj Zivot) em uma livraria local, e bebia café com estudantes croatas loucos para corrigir minhas concepções errôneas sobre sua nação, o passado nunca estava muito distante. Em contraste com essas novidades, os prédios grandiosos, bulevares amplos, igrejas maravilhosas e excelentes museus incutem na cidade uma sensação de dignidade igual à de Viena e a grandiosidade perdida da Europa Central.

Famosa por sua beleza e charme quase teatrais, Dubrovnik parecia um cenário apropriado para testar o rumor que as mulheres na Croácia são gostosas. A cidade de praia, com uma população de 30 mil pessoas, segue a costa e cresce ao redor de um centro histórico cercado por muros que foi declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO. Numa certa noite de minha primeira viagem ao país, um amigo inglês e eu nos juntamos à multidão reunida na Stradun, uma via de pedestres que fica onde antes havia um canal separando a ilha de Laus do continente, e depois para um estreito beco pavimentado, um espaço arcaico abarrotado de jovens bem-vestidos que não conseguiram entrar em nenhum dos vários bares mal-iluminados. Escolhendo um ao acaso e nos esprememos pelo corredor de entrada somente para nos depararmos com um paredão de beleza — diante de nós, apertadas como sardinhas numa lata, havia um mar de mulheres de pernas longas e belos rostos, cujos olhos brilhantes mediram nosso exterior desgrenhado e nos esqueceram no mesmo nanossegundo. É provável que essas mulheres falassem inglês fluentemente. Infelizmente, nunca descobrimos. Batemos em retirada para o beco e pedimos cerveja de um garçom que estava passando.

“Nossa. Impressionante”, disse meu amigo, Howard, após recuperarmos o fôlego. Mais tarde, após recontarmos o incidente diversas vezes, o lugar passou a ser conhecido como “o Pote de Mel”. Quando voltei a Dubrovnik quatro meses depois, a multidão sazonal já tinha ido quase toda embora e, com ela, a vida noturna. Quando tentei encontrar o bar da fartura novamente, não consegui. Mas ainda havia BMWs novinhas ao lado de carros croatas acabados e antigos barcos a remo ancorados ao lado de iates milionários na marina. E eu conheci Esme, uma mulher de meia-idade e voz macia que me alugou um belo apartamento pertinho da Stradum por US$ 15 por noite. Na minha última noite, quando me vi de pé acima da cidade, no topo das ruínas de um forte construído por Napoleão, e fiquei observando o sol se pôr sobre os telhados de telhas vermelhas e o Adriático, não senti tanta falta do Pote de Mel. Mas, se eu voltar para Dubrovnik, talvez tente achá-lo novamente.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2006)