Damas de ferro

Por Mariana Sgarioni

CASO VOCÊ AINDA NÃO TENHA PERCEBIDO, a adrenalina da aventura e do comprometimento ao prazer de estar ao ar livre também seduziu as mulheres. Enquanto há pouco tempo somente algumas poucas pioneiras batalhavam por acesso igualitário à aventura, o panteão de heroínas aqui retratadas representa a geração que abraça os lugares selvagens e os empreendimentos épicos como direitos de nascença. Na matéria que se segue, celebramos as atletas, exploradoras e inovadoras que estão levando vidas maiores e mais corajosas, e nos desafiando a segui-las. O mundo é grande e livre. Agarre-o. Ele é seu.

ESPORTE FINO

Janine Cardoso, 31 anos – escalada esportiva

COMO CHEGOU LÁ: Ela é chique até na escolha de seu esporte favorito – foi entrando numa loja em Paris que Janine se sentiu atraída pela primeira parede de escalada de sua vida. “Estava passeando com minha família e algo me enfeitiçou quando vi aquilo. Não resisti: mesmo sem nunca ter escalado nada, comprei todos os equipamentos e, na volta ao Brasil, já estava treinando nas academias”, lembra. Isso foi há doze anos. Hoje, a moça é nada menos que a tricampeã brasileira da modalidade. “O que mais me encanta na escalada é o desafio de chegar ao topo. Me sinto assim o tempo todo, querendo chegar mais e mais lá em cima. É uma das sensações mais estimulantes que existem”, diz.

O CÉU É O LIMITE: Ela quer chegar até as nuvens. E, para isso, não poupa esforços. Casada com o dono do ginásio de escalada Casa de Pedra, em São Paulo, Janine treina forte todo santo dia. Entre um treino outro, divide seu tempo entre as aulas que assiste na faculdade de Educação Física, a edição de textos de uma revista especializada em escalada, as instruções de escalada e os cuidados com a filha, a pequena Manuela, de três anos.

O QUE VEM POR AÍ: Janine será a única mulher a representar o Brasil no próximo circuito Mundial de Escalada, que começa este mês e termina em dezembro. Treinando com o campeão brasileiro André Berezoski, a moça tem mesmo tudo para atingir as nuvens.

CHARME

Andréa Marcellini, 26 anos, mountain bike

COMO CHEGOU LÁ: Ela trocou as sapatilhas de balé pelas de mountain bike. Pode parecer inusitado, mas até os 14 anos de idade a biker Andréa Marcellini só pensava em balé clássico. Nas horas vagas, andava de bicicleta com os meninos da pequena cidade de Itabirito, no interior de Minas Gerais, e se machucava toda. “Nunca esqueço da meia calça do balé grudando nas feridas do joelho ralado. Daí pensei: andar de bike é bem mais legal do que balé, pelo menos não tem meia calça!”, diverte-se. Foi então que passou a levar a vida sobre duas rodas mais a sério: ganhou uma mountain bike do pai, passou a treinar e a competir. Mas, ainda assim, Andréa queria mais. “Gostava mais de passear do que competir. Por isso, quis conhecer o mundo pedalando”, lembra ela, que .passou quetro anos viajando de bike pelo mundo

HORA DO BLUSH: A integração das mulheres em esportes considerados masculinos fez com que Andréa, em 2002, criasse o projeto Hora do Blush, um site de incentivo ao esporte feminino. O sucesso foi tão grande que, em 2004, ela passou a comandar a Race das Meninas, uma prova de mountain bike que em 2005 virou um circuito de três etapas e que em 2006 teve sua primeira etapa no dia 2 em abril. “Meu trabalho é mostrar que ninguém perde a feminilidade nem o charme mesmo estando imunda numa competição”.

O QUE VEM POR AÍ: No final de abril, Andréa fará o circuito mineiro de corridas de aventura. Mas seu objetivo maior é o Iron Biker, prova que acontece em outubro e que reúne mais de mil atletas por ano.

SEM ERRO

Carol Freitas, 24 anos, kite surf

COMO CHEGOU LÁ: Aos 11 anos de idade, a pequena Carol já dava banho – literalmente – nos seus concorrentes de barco à vela. Mas foi só aos 19 que ela viu o kite surf pela primeira vez, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. “Achei o esporte futurista e envolvia tudo o que eu mais gostava na vida: vento, mar e adrenalina”, diz a carioca, que se tornou a primeira campeã brasileira e sul-americana da modalidade. A razão do sucesso, segundo ela, é a paixão pelo esporte. “Eu sempre quis ser atleta profissional, o esporte foi o que sempre fiz de melhor. Quando a gente gosta do que faz, não tem como dar errado”, diz.


SUINGUE SANGUE BOM: Carol se acostumou a treinar sempre com homens, já que o kite surf é um esporte que nem sempre atrai a ala feminina. “Na última etapa do Mundial do ano passado já havia 11 mulheres competindo!”, comemora. Seu treino é puxado: faz aulas de cama elástica, exercícios aeróbicos e fica cerca de duas a três horas diárias dentro da água. E ainda sobra tempo para a faculdade de comunicação social. “Confesso que tenho faltado um pouco. É difícil conciliar”, diz, sorrindo.

O QUE VEM POR AÍ: No final de abril, Carol estará na primeira etapa do circuito Mundial de kite surf na Venezuela. Depois, a idéia é correr o maior número possível de etapas – a final será em Fortaleza, em setembro.


PROMESSA

Maya Gabeira, 18 anos, free surf

COMO CHEGOU LÁ: A carioca Maya Gabeira é uma surfista quase sem querer. Aos 14 anos, empolgou-se com o namorado que pegava onda e resolveu aprender. No ano seguinte, foi para a Austrália e pronto: passou a competir com gosto. A paixão foi tamanha que, em 2004, acelerou o segundo grau, fez as provas todas até o meio do ano, pegou o canudo e embarcou sozinha para o Havaí, onde vive até hoje. “Sempre que tem onda surfo em Pipeline pelo menos duas vezes ao dia. Tenho corrido e malhado cinco vezes por semana. Isso mantém o rip e me deixa bem preparada fisicamente e muito animada”, conta. Segundo a crítica especializada internacional, Maya é uma das cinco surfistas em todo mundo que mais devem se destacar em 2006.

ALOHA: Filha do deputado federal Fernando Gabeira e da estilista Yamê Reis, Maya conta que tem o apoio dos pais, mas com algumas reservas. Eles morrem de medo que algum acidente aconteça – e ela já passou por poucas e boas quebrando ondas gigantes. “Não acredito que coisas horríveis venham a acontecer. E se acontecerem, é uma fatalidade, né? É uma experiência. Se for feliz o tempo todo, se for tudo combinado, como vou aprender? Se nada der errado nunca, ninguém evolui.”

O QUE VEM POR AÍ: Maya está treinando para conseguir surfar ondas gigantes, de preferência as maiores do mundo, em Mavericks, na Califórnia. Qual a onda perfeita? “Aquela que me leve”, resume.

PIONEIRA

Roberta Borsari, 33 anos, caiaque surf

COMO CHEGOU LÁ: Esta paulistana gosta de ser a pioneira em tudo o que faz. Foi assim que resolveu começar a fazer canoagem, há cerca de dez anos, quando pouca gente (pra não dizer quase ninguém) havia ouvido falar no esporte. Dentro de um caiaque, a moça só não faz chover. Já participou de diversas modalidades excêntricas como caiaque-polo (jogo de pólo dentro da piscina num caiaque) e caiaque olímpico com balizas em rio. Até resolver colocar seu caiaque dentro do mar. “No começo, eu pegava onda de caiaque mais na brincadeira. Quando percebi que levava jeito pra coisa, passei a competir”, lembra a então tri-campeã brasileira de rafting.

CLUBE DO BOLINHA: A idéia do caiaque surf foi ótima, mas só tinha um problema: não havia mulheres na categoria. O jeito que Roberta arrumou foi competir entre os homens. E ela vem detonando seus adversários: sempre está no pódio. No ano passado, ficou em oitavo lugar no mundial da Costa Rica e hoje é a oitava do ranking mundial. “Os homens têm uma relação de espanto comigo. Eles me respeitam, mas, no fundo, ninguém quer perder para uma mulher. Melhor perder do pior participante do que para mim”, brinca. “O legal é que estou ali competindo com eles de igual pra igual. Não sou café com leite”. Como Roberta mora em São Paulo, sua rotina de treinos práticos se restringe aos sábados e domingos, quando desce ao litoral. Durante a semana, ela se dedica a uma outra arte: webdesign do site Universo On Line, que também é seu patrocinador.


O QUE VEM POR AÍ: O próximo desafio de Roberta agora é trazer ao Brasil o título da Copa do Mundo, que acontece em outubro, na Escócia. Por enquanto, ela é a única mulher da América Latina a participar do campeonato.

VÔO LIVRE

Juliana Sé, 32 anos, paraquedismo

COMO CHEGOU LÁ: “Desde muito pequena, eu sonhava que voava”. Pois um dia, ela voou mesmo. Foi só completar 18 anos que Juliana, contrariando a vontade dos pais, começou a saltar de pára-quedas. Ela até tentou outros esportes voadores, como asa delta e paraglider, mas não teve jeito, a paixão ficou com o pára-quedismo mesmo. “Eu queria sentir meu corpo em queda livre, solto, com liberdade de movimento. No ar, são infinitas as possibilidades”, diz. Juliana começou a saltar em Campinas, interior de São Paulo, e hoje já conta com quase 7 mil saltos no currículo. Do interior paulista, ela partiu para morar nos Estados Unidos e Europa, onde trabalhou com instrutora, saltando todo santo dia. Só voltou ao Brasil no ano passado, tempo suficiente para acumular alguns títulos: foi campeã brasileira de free-style, free-fly (modalidade mais artística) e vice-campeã de pouso radical.

SONHOS DE ÍCARO: Juliana hoje mora na ilha de Itaparica com o marido, que também é instrutor de pára-quedismo. E logo a família vai aumentar: a moça está grávida de 4 meses de um menino. “Mas continuo saltando normalmente. Vou continuar até quando a barriga permitir”, brinca.

O QUE VEM POR AÍ: Segundo Juliana, sua prioridade agora é o bebê. Por isso, embora continue saltando e dando instruções, as competições ficaram para segundo plano. Ela também está organizando e coordenando o grupo que deverá bater o recorde brasileiro de maior formação feminina em queda livre – serão mais de 18 meninas saltando juntas e fazendo malabarismos no ar.

DUPLA DINÂMICA

Silvana Nabuco, 64, natação máster, e Silvia Nabuco, 39, surf de ondas grandes (free surf)

COMO CHEGARAM LÁ: Silvana Nabuco tem o esporte no sangue e passou isso para os filhos. Triatleta desde cedo, Silvana acompanhava o marido, Luiz Nabuco, nas regatas oceânicas e nas provas de ciclismo e natação. Tanto que criou os dois filhos, Silvia e Fernando, em um barco. Um belo dia, aos 51 anos de idade, resolveu participar de uma prova de natação. O resultado: vice-campeã mundial. Logo em seguida, bateu o recorde sul-americano e quatro recordes mundiais, sem contar os 14 títulos que acumula. “Para quem começou tarde até que está bom, né?”, diz, sorrindo. A filha Silvia não poupa elogios. “Minha mãe chama a atenção de todos pelo astral e pelo excelente condicionamento”, conta a surfista, que parece ter herdado todo o talento nas águas. “Cresci dentro de um barco. Por isso tinha dificuldade em fazer amigas da minha idade; aos 13 anos eu nem sabia o que era namorar e ficar menstruada”. Assim como Silvana, em tudo que Silvia se arriscou, se deu bem. Foi campeã de vela, ciclismo e triathlon – este último a levou a uma estafa física. Para relaxar, começou a pegar umas ondas no litoral norte de São Paulo e se apaixonou pelo mar. Hoje treina para o surfe de ondas grandes.

TAL MÃE, TAL FILHA: “Tem gente que acha que chega a uma certa idade e não pode fazer mais nada. Eu provo o contrário”, diz Silvana, que treina três horas por dia e chega a fazer travessias de três quilômetros em lagos e represas. Silvia, a filha, não se faz de rogada, chegando a ficar sete horas no mar do havaí, com ondas de até 20 pés quebrando.

O QUE VEM POR AÍ: Silvia pretende correr todas as seis etapas do circuito do Super Surf e está treinando duro. Já Silvana se prepara para o Mundial Master, que acontece em agosto, em São Francisco, na Califórnia.

MULHER-MARAVILHA

Cristina de Carvalho, 37 anos – corrida de aventura

COMO CHEGOU LÁ: Quem assiste hoje à rotina desta empresária, mãe e superdona de casa nem imagina a atleta que está por trás. Pois é isso mesmo: Cristina é uma espécie de mulher-maravilha. Ela treina no mínimo uma vez por dia, dirige pessoalmente duas assessorias esportivas, coordena treinos de corrida, condicionamento físico e ciclismo (ufa!) e ainda tem tempo para se dedicar de corpo e alma ao pequeno Luigi, de quatro meses. Se ela cansa? “De jeito nenhum. Adoro ser versátil em tudo o que faço”, diz Cristina, uma das precursoras da corrida de aventura no Brasil, modalidade, aliás, que ela considera “light”. Pode até ser, para quem estava habituada a competir – e ganhar – provas superfortes de triathlon, duathlon e ironman. Mas foi na corrida de aventura que ela se encontrou, finalmente. “Eu gosto de me divertir com o esporte e não apenas ficar pensando em competição. Sem contar que a corrida de aventura me dá espaço para todas as minhas outras atividades”, diz. Além de ser uma das mulheres mais fortes na modalidade, Cris é também preparadora física dos melhores atletas de aventura do país com o seu Núcleo Aventura, assessoria esportiva especializada em treinamento para a lama.

MAMÃE DO ANO: Entre todas as outras atividades que Cristina se refere, a mais importante agora é cuidar do filhote, amamentar e preservar seu aleitamento. “Enquanto estiver amamentando, só vou entrar em provas em que possa escolher meu ritmo. Por isso, tenho preferido as provas individuais, em que a equipe não dependa tanto de mim. Preciso dar um tempo ao meu corpo”, conta.

O QUE VEM POR AÍ: Cristina, por enquanto, não tem nenhuma meta exata a ser cumprida. Pretende competir individualmente ou como free-lance em alguma equipe de corrida de aventura – mas ainda não se decidiu em qual. Enquanto isso, a mamãe de Luigi trata de lamber a cria e preparar seu corpo e mente (seus e os de seus alunos) para o que está por vir.


CAPITÃ CAVERNA


Leda Zogbi, 43, espeleologia

COMO CHEGOU LÁ: Espeleo, o quê? Esta é uma das perguntas que Leda mais está acostumada a ouvir quando conta sua atividade: espeleologia. Para os não iniciados, trata-se de uma mistura de ciência e esporte que estuda, explora e mapeia cavernas. E Leda é uma das maiores feras no Brasil quando o assunto é se enfiar em “assuntos cavernosos”, como ela mesma brinca. “Há muitas idéias erradas a respeito de cavernas, como elas são apertadas, escuras e causam claustrofobia. Muito pelo contrário. Há salões imensos e amplos lá em baixo, sem contar que todo grupo de espeleólogos que se preze leva muita, mas muita iluminação em cada expedição. Ninguém fica no escuro, isso não existe. Outra coisa, a pedra não cai, ela fica ali parada. Não tem perigo, desde que você esteja com uma equipe profissional”, diz.

MULHER DAS CAVERNAS: O trabalho de Leda é praticamente descobrir e explorar a formação do mundo. A partir de lugares com maior concentração de calcário, ela e o grupo do qual participa, o Pierre Martin, um dos maiores do Brasil, viajam em busca de novas formações rochosas que ainda não foram mapeadas. “É um trabalho essencialmente de equipe. Um não funciona sem o outro”, diz ela, que já explorou mais de 500 cavernas pelo mundo, entre elas grutas da França, Espanha, Grécia e Brasil.

O QUE VEM POR AÍ: Nos fins de semana, Leda costuma viajar para as grutas do Petar (Parque Estadual Turístico do Vale do Ribeira), na divisa de São Paulo com o Paraná, a maior concentração de cavernas do Estado. Nos próximos meses, irá para o Tocantins explorar uma região ainda não cadastrada. “A partir de seu mapeamento, a caverna passa a ser protegida pela lei”, diz.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2006)