Bala nas agulhas


A JATO: Roberta escala a agulha Guillaumet

Por Piti Vieira
Foto por Arquivo Pessoal

Localizada na província de Santa Cruz, na Patagônia Argentina, Chaltén – um pequeno povoado rodeado pela cordilheira montanhosa do Fitz Roy (3.441 metros) e Cerro Torre (3.128 metros) – atrai todo verão centenas de trekkers e os melhores alpinistas do mundo com o sonho de galgar seus imponentes cumes. Em sua sétima visita à região, a escaladora Roberta Nunes, 33 anos, desembarcou ali para tentar o cume do Fitz Roy, feito que ainda não carimbou seu extenso currículo no esporte. Num ano atípico – grande parte da parede rochosa do Fitz Roy encontrava-se completamente congelada em pleno final de janeiro, expulsando escaladores experientes de todo o mundo, que baixavam com seus dedos praticamente congelados –, a brasileira mudou de planos e partiu para uma nova conquista. Junto com um amigo americano, Sean Leary, 30, ela decidiu tentar algo quase impossível para a Patagônia: escalar as agulhas Guillaumet (2.593 metros) e Mermoz (2.754 metros) o mais rápido que pudessem, pois as condições não apresentavam 24 horas completas de bom tempo.

Até então, somente a americana Steph Davis, uma das mais fortes escaladoras dos Estados Unidos, com seu marido Dean Potter tinham completado tal proeza, em pouco menos de 15 horas. No dia 26 de fevereiro, Roberta e Sean atacaram a Guillaumet. Três horas depois estavam no cume da agulha. Sem parar, completaram um link intermediário entre os picos – três pequenas agulhas com grandes dificuldades técnicas – em cinco horas e levaram mais duas até o cume da Mermoz. Estava feito. Com três quilos a menos, mãos raladas e uma alegria que explodia em seus olhos, Roberta e Sean tinham escalado as duas montanhas em apenas 10 horas. Confira abaixo, na entrevista que a escaladora concedeu à Go Outside, um pouco mais dessa aventura.

Go Outside Por que foi tão legal assim subir os dois picos no mesmo dia?

Roberta Nunes Primeiro, porque foi na Patagônia, local de instabilidade climática radical. Segundo, por causa do tamanho e dificuldade das paredes graníticas. A possibilidade de escalar dois picos ali em tão pouco tempo chega a ser quase surreal.


Se o Fitz Roy estava congelado, porque a Guillaumet e a Mermoz não estavam?

A via de escalada que eu ia fazer no Fitz era a Franco Argentina, que fica na face sudeste da montanha. É uma parede que fica na sombra boa parte do tempo. Como não houve muitos períodos de bom tempo esta temporada, as fissuras e fendas não descongelaram, tornando a escalada quase que impossível. As vias escolhidas na Guillaumet e na Mermoz ficam na face oeste, mais exposta ao sol, mas com muito mais vento [os ventos ali podem atingir os 120 km/h].

Como foi, do começo ao fim, a escalada da Guillaumet e da Mermoz?

Partimos do campo avançado Pidras Negras. Fomos leves em equipamento e escalando ao mesmo tempo. Comecei guiando a Guillaumet e fizemos o cume em três horas. Levamos mais cinco horas para o link intermediário e, por fim, Sean guiou as doze cordadas da Mermoz em duas horas. Voamos pela parede. Chegamos ao cume da Mermoz no fim do pôr-do-sol, de onde já se via a tempestade cinza escuro chegando do sul. Pegamos neve forte no fim da descida, escura e neblinosa. Confesso que senti um baita medo. Foi difícil encontrar o caminho da volta. Caminhamos horas no glaciar para não entrar em hipotermia. Foi um gigante aprendizado de como manter o controle em momentos extremos.

Quais equipamentos vocês levaram?

Apenas o essencial: roupas para frio e vento, mochila de 30 litros, três quilos em equipamentos de escalada, duas cordas de 60 metros, barras e géis energéticos, frutas secas, castanhas, 1,5 litro de água para cada um (com sais, por ser água de desgelo) e lanterna. Seria impossível escalar tão rápido se tivéssemos mais peso.

De 0 a 10, que grau de dificuldade você dá para essa escalada?

Sinceramente? 10.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2006)