Texto e fotos por Marcelo Naddeo
Cada vez mais conhecido no circuito mundial de kitesurf, o Brasil troca a água pela neve e começa a mostrar que também pode fazer bonito no snowkite. Esporte criado há cerca de dez anos na Europa, mas que ainda é um tanto desconhecido por aqui, o snowkite é uma mistura interessantíssima de kitesurf e snowboard, em que o praticante faz manobras radicais ao deslizar no gelo com uma prancha de snow, usando uma pipa ou kite para aproveitar a força dos ventos. O resultado da brincadeira são vôos inacreditáveis, que terminam em aterrissagens cinematográficas. Além de muito equilíbrio, força e habilidade, é preciso dispor de uma bela dose de coragem para sobrevoar picos nevados e ainda fazer pousos sem se machucar.
Mesmo sem terem neve para treinar, os primeiros adeptos nacionais da modalidade se empolgaram e decidiram organizar o 1º Campeonato Brasileiro de Snowkite. O evento aconteceu entre os dias 20 e 24 de agosto em meio às belezas geladas do Chile, no Parque Nacional de Malalcahuello, a 700 quilômetros de Santiago. Dentro dessa reserva, no Centro de Montanha de Corralco, ocorreram disputas de slalom (em que os competidores devem fazer o menor tempo em um mesmo circuito), border cross (todos largam juntos e vence quem chegar primeiro) e freestyle (ganha quem fizer as manobras mais ousadas). Por trás do campeonato, estavam o kitesurfista Henning Sandtfoss, o snowboarder Guilherme Rosa, proprietário da agência de viagens Monreal Turismo, e o kitesurfista Fabio de Maria, dono da Hi Winds, loja especializada em equipamentos de prancha.
Florestas de araucária e termas cercadas pelo visual das Cordilheiras dos Andes foram cenário perfeito para a prova, que causou espanto entre os instrutores da estação chilena. Ninguém ali esperava ver competidores de snowkite, muito menos vindos de um país onde não há neve. Uma pequena multidão de curiosos não arredou o pé nem mesmo durante os dias de treino que antecederam o evento. A galera babou ao perceber que muitos dos snowkiters precisavam apenas da ajuda do vento para voar morro acima, dispensando o “lift”, aquele elevador típico para transportar esquiadores. Esse pode ser o embrião das expedições de snowboard: usar o vento para subir, guardar a pipa na mochila, e dropar a neve.
O sol forte e uma brisa certeira proporcionaram momentos de pura adrenalina no primeiro dia de treinamento livre. Pipas multicoloridas cruzavam o céu azul e quebravam o branco cintilante da neve andina. O palco desse espetáculo foi um platô localizado a 2500 metros de altitude, da onde partiam os voadores.
No segundo dia, com ótimas rajadas de vento e os ânimos ainda mais exaltados, Rafael Trappo, o Trappinho, instrutor e proprietário do Bessa Kite Club em João Pessoa, demonstrou muita intimidade com a neve, apesar de viver em um dos Estados mais quentes do Brasil. Os demais participantes aproveitavam as boas condições do clima para acelerar ou praticar subidas na montanha. Nesse quesito, a falta de prática dificultou um pouco as evoluções, mas devagarzinho os atletas foram conseguindo vencer o desafio. De quebra, o grupo se jogou num cânion formado em um vale das redondezas. Praticamente um “half pipe” natural, o local possibilitava movimentos muito parecidos com os do surf, skate e snow, com os brasileiros indo de um lado a outro das paredes e voando para fora das bordas em aéreos.
O cansaço batia à noite, mas a cozinha do resort e o vinhozinho chileno funcionavam como uma injeção de ânimo. Na seqüência, todos se reuniam para organizar o cronograma do dia seguinte e apreciar as imagens feitas pelos fotógrafos de plantão. Depois, cama para repor todas as energias.
O terceiro dia foi marcado pela chegada de Henning Sandtfoss e Roberto Hillman, o Beto, outro nome do circuito brasileiro de kite. Os dois mal acreditaram quando viram o tamanho do paraíso a sua disposição. Mal deixaram as malas no hotel e foram montar seus equipamentos para se juntar aos colegas. Aí, sim, o show se completou. Além do balé formado por todas as pipas no ar, Beto provou em instantes por que é considerado um dos destaques do kite nacional. Parecia mais um cabrito de tanto que saltava. Assim terminou o último dia de treino, com todos flutuando, unidos, no meio de um mar de gelo.
Enfim chegou o dia da competição. Bandeiras fincadas, circuitos traçados, rampas prontas e sinalizadas, juízes a postos, tudo arrumado, mas o convidado especial não apareceu: o vento. Para não perder a viagem, os competidores decidiram fazer algumas descidas de snowboard. As horas se passaram e de repente a natureza resolveu se manifestar. O vento soprou rapidamente e todos se organizaram para dar início ao evento. Foi diversão na veia: uns aceleravam nas curvas do circuito de slalom, enquanto outros se divertiam ao tentar completar as manobras no slider e na rampa especialmente construída para o campeonato – uma session de amigos, mas também os primeiros passos (ou melhor seria dizer vôos) de um novo esporte para os brasileiros.
Apesar das condições pouco favoráveis de vento, deu para fazer uma classificação geral, na qual Beto Hillman levou a melhor ao conquistar a primeira colocação. Rafael Trappo e Fabio de Maria ficaram em segundo e terceiro lugar, respectivamente. Mesmo sem neve, nosso snowkite promete.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de outubro de 2006)
COMO UMA ONDA NO AR: Rafael Trappo desliza na neve ao lado de Fabio de Maria
É DO BRASIL: Roberto Hillman faz bonito e vence o campeonato
HOMEM-PÁSSARO: Guilherme Rosa sobrevoa os Andes, levando junto seu snowboard