DIZ A LENDA que o navio inglês The RMS Rhone, um gigante para sua época, teria sido vítima de um terrível furacão que o fez afundar, em 1867, em um pequeno paraíso caribenho. Basta colocar o rosto com a máscara na flor da água que uma visibilidade de pelo menos 60 pés te fará constatar que não há nada de lenda nessa história.
Estamos em uma das 60 porções de terras cercadas de água cristalina que formam as Ilhas Virgens Britânicas, também chamadas de BVI na sigla em inglês. O arquipélago, ainda pouco conhecido pelos brasileiros, fica à leste de Porto Rico e se tornou um destino de luxo por suas exuberantes praias e exclusivas hospedagens. Mas os amantes da natureza têm outra pérola além das atrações na areia: essas ilhas oferecem nada menos que 73 pontos de mergulhos.
Há poucos metros de Salt Island, a uma profundidade entre 9 e 26 metros, encontra-se o famoso RMS Rhone, eleito pela revista Sport Diver como um dos dez melhores naufrágios para se explorar no planeta. Motivos não faltam para justificar essa fama. Um dos principais é a ótima condição de preservação do navio britânico de 94 metros de comprimento e capacidade para 253 cabines de primeira classe e outras 60 divididas entre segunda e terceira.
Moderno e de projeto arrojado, ele foi o primeiro navio de hélices movidas a vapor da Europa. Era considerado na época impossível de afundar, à prova de qualquer mar revolto, a exemplo de seu conterrâneo Titanic, que viria a ser construído 45 anos depois. A embarcação, comandada por um experiente capitão que conhecia bem o território caribenho, não resistiu a um repentino furacão que a fez bater em uma rocha da ilha, causando explosões e seu trágico fim. Estima-se que havia cerca de 300 passageiros no Rhone, que afundou por completo em menos de 60 segundos. Apenas 23 sobreviveram.
Hoje o navio permanece divido ao meio. O gigante de ferro, que além de passageiros transportava pequenas encomendas pelas Américas, tornou-se um desafio eclético da exploração submersa. Os mais aventureiros e experientes o desbravam com pequenas penetrações e descidas noturnas. Já os mais contidos conseguem vivenciar um pouco de sua historia na superfície da água, com snorkel e uma visibilidade quase de piscina.
Ao longo de quase 150 anos do naufrágio, o casamento que se formou entre a vida marinha e a criação de metal do homem também valoriza a experiência. Sob águas preservadas dentro de um dos diversos parques nacionais de BVI, o navio virou morada de barracudas, imensas lagostas, peixes-papagaio, moreias, esponjas do mar, além de desinibidas tartarugas e muitos outros pescados coloridos, comuns nos corais do Caribe.
A inglesa Lara Artom, instrutora de mergulho há sete anos, dos quais quatro em BVI, explica que o Rhone fascina por ser uma aventura com uma forte carga histórica e por ser de fácil acesso. “As pessoas podem fazer seu batismo em um dos naufrágios mais famosos do Caribe de forma segura, literalmente em um interessante mergulho ao passado”, diz.
Ela tem razão. Antes de o visitante pular na água para dois mergulhos de 35 minutos cada, suficientes para explorar a popa e a proa do Rhone, os instrutores contam como tudo aconteceu. O relato é cheio de detalhes do dia do furacão e de como a tripulação só percebeu o iminente perigo quando era tarde demais. Descrevem com mapas em 3D o que será possível enxergar e os destaques de um dos mais incríveis navios do século 19.
Ao submergir essas informações envolvem os novos mergulhadores, e começa então uma rara simbiose entre esporte, história e natureza, tudo isso em um ambiente selvagem e incomum.
O CANAL DE SIR FRANCES DRAKE, que corta sutilmente as diversas ilhas de BVI – cujas principais são Tortola, Virgin Gorda, Peter e Cooper –, é um corredor de navegação tranquilo, com um raio de 29 quilômetros de comprimento. E é essa a verdadeira riqueza de se mergulhar em um dos 73 pontos do arquipélago: tudo é pertinho e com um belo patrimônio marinho, como conta Mike Rowe, diretor da Sail Caribbean Divers (sailcaribbeandivers.com), uma das principais operadoras de turismo das Ilhas Virgens.
“Quase todos os destinos ficam a 20 ou 30 minutos de nossa sede em Tortola, o que dá muita flexibilidade na escolha dos mergulhos. Poucos lugares no mundo oferecem diversidade de naufrágios, cavernas e magníficos recifes de corais em uma área tão linda e pequena”, explica o ex-marinheiro britânico, que conta com três décadas de experiência como professor de instrutores.
A geografia peculiar e a fama de “capital mundial da vela” também permitem um interessante formato de turismo de mergulho que Mike chama de “limusine subaquática”: cerca de 55% dos visitantes de BVI ficam hospedados em embarcações, e as operadoras vão ao encontro dos clientes para organizarem os mergulhos.
Dois tanques independente custam, em média, US$ 115, de onde estiver o veleiro do turista. “Levamos todos os equipamentos e o visitante pode aproveitar diferentes destinos sem ter que mudar seu roteiro”, explica.
As opções são realmente tentadoras. Além do The RMS Rhone, há outros emblemáticos naufrágios e passeios para ver de perto os belos tubarões da região. Destacamos outros cinco grandes mergulhos das ilhas.
Playgroud Painted Walls Chikuzen West Seal Dog A Catedral Fora d’água Tirolesas fantásticas Trilhas cênicas Triathlon off-road Vai lá
Onde ficar. Apesar de mais da metade dos turistas de BVI se hospedar em veleiros, as ilhas contam com algumas das mais exclusivas acomodações do Caribe. É o caso da famosa Necker Island, uma ilha particular do bilionário inglês Sir Richard Branson, dono da Virgin Pacific. Ele aluga a pousada com toda a ilha pela bagatela de US$ 60 mil a diária. O preço pode ser dividido em um grupo de até 22 pessoas (neckerisland.virgin.com).
Para aqueles que não se importam com luxo e, sim, com um lugar bem localizado, a dica é o hotel da marina de Nanny Cay, na ilha de Tortola. A pousada é descontraída e recebe viajantes de todo o mundo, com quartos a partir de US$ 105 a diária (nannycay.com).
Quando ir. O sol brilha praticamente todos os dias em BVI. Vale, contudo, estar atento às condições climáticas entre junho e outubro, período em que furacões podem ser frequentes, embora seja a melhor época para mergulho, com águas claras e poucas correntes.
Como chegar. Não há voos diretos do Brasil para BVI. O melhor acesso é a partir de Miami, com voo de 1h30 para Porto Rico (San Juan) e outro voo de 24 minutos até Beef Island, nas BVI, oferecidos pela Air Sunshine, pela American Eagle e pela Cape Air. Há ainda uma nova opção de São Paulo até o Panamá, pegando conexão até St. Maarten e outra conexão até BVI.
A terceira alternativa é via Miami até St. Thomas, nas American Virgin Islands, seguindo de ferry para Tortola nas BVI.
Outras informações podem ser conseguidas no site do BVI Tourist Board: bvitourism.com
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2014)
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BELEZA NATURAL: Quase 150 anos transformaram o naufrágio do Rhone em um show de cores
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Localizado próximo à estonteante ilha Jost Van Dyke, onde fica a White Bay Beach, considerada uma das dez praias mais lindas do mundo, o Plyaground é exposto por águas do Oceano Atlântico com paredes rochosas íngremes da região de Green Cay. Pode-se mergulhar até 15 metros de profundidade e, em algumas épocas do ano, dá para visualizar gigantes cardumes de enormes peixes tarpão ou pirapema presos nos cânions.
Na região da baía de Dead Chest, surge uma série de cânions submersos que se elevam a partir de 11 metros de profundidade. No final do terceiro penhasco, surgem dois belos arcos cobertos por esponjas encrustadas como se fosse uma paleta de um artista – o que explica seu nome de “muros pintados”, repleto de recifes de corais, tartarugas verdes, polvos e peixe-sapo.
É o nome de um navio frigorífico coreano afundado em 1980, cerca de dois metros da ilha de Guana. Recomendado apenas para mergulhadores experientes, a exploração chega a quase 23 metros em um dos mais empolgantes mergulhos dessa parte do Caribe. Ao nadar ao lado da quilha do navio, é possível chegar perto das cinco pás da hélice onde circulam arraias, barracudas e tubarão de recifes. O navio de 75 metros também é lar de um gigantesco peixe mero de 270 quilos.
Nas vizinhanças da ilha Seal Dog, a descida que chega a quase 14 metros leva a cavernas belíssimas, com cânions cobertos por corais macios e inúmeras espécies de esponjas. Famoso também por ser morada de diversos grandes camarões, o local é procurado por oferecer um incrível mergulho noturno enfeitado por pontos vermelhos de luz, que nada mais são do que reflexos dos camarões que povoam os corais.
Literalmente dentro da Ilha de Jost Van Dike, há uma caverna secreta submersa que leva a uma sala cenográfica. Um teto magnífico é iluminado por um pequeno facho de luz que conseguiu vencer as rochas para dar um pequeno brilho ao lugar. Embora seja possível conhecer parte do lugar com snorkel e um bom fôlego, há diversos paredões com recifes e esponjas coloridas que exigem tanque para que o visitante desfrute de uma piscina natural no salão de nove metros de profundidade. Na experiência, há a garantia de encontrar algumas das mais de 90 espécies de peixes catalogadas nesse canto do arquipélago.
PATOTA: Mergulhe ao lado de cardumes de xeréus nas Ilhas Virgens
(FOTO: Divulgação)
Outras atrações das BVI além do mergulho
A proposta da Original Virgin Islands Canopy Tour é levar o visitante por “trilhas” pelas copas de árvores tropicais da ilha de Tortola, em sete observatórios (o mais alto deles a 280 metros acima da água). As tirolesas desenhadas pelo designer Darren Hreniuk, um dos grandes nomes dessa atividade no mundo, permitem descidas com visuais fantásticos. facebook.com/ovctbvi
Muitas das ilhas de BVI oferecem trekkings incríveis devido à geografia de morros de algumas delas. Os passeios guiados pelas colinas das ilhas Virgin Gorda, Tortola, Peter e Norman revelam cenários únicos, de um dos lugares mais belos de todo o Caribe.
Em Peter Island, uma das mais luxuosas ilhas-resort do Caribe, foi desenvolvida uma opção esportiva original para o turista suar e conhecer os encantos desse pequeno paraíso privado. O hóspede pode programar um desafio solo ou em equipe, em dois formatos de triathlon: o Islander Challenge, com 800 metros de remada em caiaque, 8 quilômetros de bike e 3,2 quilômetros de corrida. Já para os mais preparados, a opção é o Islander Challenge 2.0, que conta com 1,6 quilômetros de nado pela águas de Deadman’s Bay, 16 quilômetros de bike e 8 quilômetros de corrida. peterisland.com