Tartaruga ninja


VIAGEM INSÓLITA: Fiadi e sua casa portátil

Por Daniel Nunes Gonçalves

O primeiro brasileiro a chegar aos dois pólos da Terra quer tentar um desafio ainda maior: atingir o pólo sul sozinho, numa caminhada que vai oscilar do nível do mar antártico até os 3.000 metros de altitude do extremo sul. E o que é mais inovador: Julio Fiafi fará isso usando um trenó ultramoderno que ele mesmo concebeu, em parceria com empresas brasileiras como Holos e Barracuda e com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A “cápsula” – um apelido provisório que deve pegar – acaba de ser aprovada depois de um rigoroso teste de cinco dias no continente gelado. A invenção resolve dois inconvenientes que dificultam a vida dos exploradores polares há quase um século: o peso do trenó para carregar comida e equipamentos em longas expedições, e a dificuldade para montar acampamento em meio ao frio desumano, ao vento cortante e às condições climáticas oscilantes.

O primeiro trenó com cobertura rígida e habitável deixou boquiabertos os aventureiros estrangeiros da base antártica de Patriot Hills, em janeiro. Noruegueses, ingleses e norte-americanos não acreditaram que era um brasileiro – é, o cara vinha de um país onde não neva – o maluco que arrastava, pra cima e pra baixo, aquela cápsula vermelha com design futurista. “O maior desafio das expedições polares é carregar pouco peso e ainda assim ter autonomia para o maior número de dias possível”, explica Fiadi, que conseguiu desenvolver um trenó que pesa apenas 25 quilos. Nele, pretende carregar 100 quilos nos 60 dias de caminhada previstos para o trekking de 1.200 quilômetros até o Pólo Sul. A distância é dez vezes maior do que os cerca de 120 quilômetros que ele andou, em 2000, para percorrer o último grau de latitude de cada pólo, sempre em grupos de oito pessoas.

Feito de materiais de última geração usados em aviões e carros de Fórmula 1, como fibra de carbono, kevlar e divynicell, o novo trenó é bem diferente dos tradicionais, espécies de barquinhos de fibra de vidro cobertos por lonas. A começar por funcionar também como uma barraca de 1,27m de altura (ideal para alguém ficar sentado dentro) e 2,50m de comprimento (com sobra para Julio, que mede 1,87m, dormir confortavelmente). A frente aerodinâmica e a largura de 80cm ajudam a minimizar a resistência ao vento, queterão de ser encarados de frente na rota planejada por Fiadi.

O formato do trenó ajuda a aproveitar bem a luz solar, que não cessa durante os dias sem noite do período previsto para a empreitada. Janelas circulares permitirão levar calor para o seu interior – no teste, a temperatura externa era de 20 graus negativos, enquanto dentro da cápsula o termômetro marcava 20º C. Painéis solares instalados na lateral permitiram que Julio recarregasse baterias dos equipamentos testados em seu escritório polar: celular iridium, GPS, computador com acesso a internet por satélite, câmeras de filmar e fotografar. Não é um luxo?

A empolgação de Julio Fiadi com sua ‘cápsula’ é tamanha que ele nem se importou de voltar dirigindo os 6.000 quilômetros que separam Punta Arenas, no Chile (onde pousou o avião russo que o levou à Antártica) até São Paulo, onde mora. Foram 8 dias de viagem solitária – só um aperitivo pra quem está prestes a realizar uma proeza bem mais ousada.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2007)