O oscar das alturas


PAUSA: um auto-retrato a caminho do Cho Oyu

Por Mario Mele

Os grandes conquistadores do montanhismo são os candidatos de um tipo diferente de Oscar: o Piolet d’Or (Piqueta de Ouro), prêmio organizado pela revista francesa Montagnes desde 1991, que elege os maiores feitos dessa modalidade no ano. A 16ª edição do prêmio ocorreu no final de janeiro, quando estiveram reunidos em Grenoble, França, escaladores da Eslovênia, Ucrânia, Reino Unido e Cazaquistão.

Entre as concorrentes, havia investidas aos lugares mais inóspitos do planeta, como uma subida ao monte paquistanês Shingu Charpa pela face norte, realizada por um trio de escaladores ucranianos. Mas foram os eslovenos Marko Prezelj e Boris Lorencic – os primeiros a chegarem no topo do pilar noroeste do Chomo Lhari, no Tibet – que levaram a piqueta de ouro pra casa. A dupla demorou seis dias para completar o trajeto de mais 14,5 km entre ida e volta. “Se esse foi meu maior desafio? Que besteira, eu tenho família”, brincou Marko, insinuando que esse tipo experiência é quase uma rotina em sua vida.

Mas mesmo se demonstrando indiferença ao bem-sucedido projeto, Marko abre o jogo: “Tive a idéia há dez anos, mas somente há dois venho trabalhando duramente nisso”. Marko e Boris, que já se conhecem há algum tempo, não escalaram juntos muitas vezes antes da expedição ao Chomo Lhari. Para Marko, que foi até Grenoble e ostentou no palanque seu cintilante prêmio, o Piolet d’Or não passa de uma simples premiação da mídia. “Continuarei escalando com as revistas noticiando ou não”.

Alpinista solitário

Pavle Kozjek, outro esloveno, foi consagrado pelo júri popular. Pavle abriu sozinho uma nova via na face sudeste do Cho Oyu, no Nepal. Até aí tudo normal, se ele não tivesse feito a subida de 8.201 metros em apenas 15 horas. “No Cho Oyu, enfrentei escaladas de 5 graus em rocha. Isso não é difícil em montanhas baixas, mas numa altitude superior a sete mil metros torna-se um sério problema”, conta. Já que optou por subir em tempo recorde, não levou muitos equipamentos. Não tinha sequer uma corda à disposição para salvá-lo de qualquer imprevisto. “Fui muito bem preparado para lá. Planejei tudo com antecedência e sabia que não correria grandes riscos”.

Pavle se iniciou no alpinismo no final da década de 70, e rapidamente se identificou com o esporte. Até diminuiu sua freqüência na faculdade depois que encontrou muito mais diversão nos Alpes eslovenos. Hoje, com 48 anos, já se jogou em expedições pela Califórnia, Patagônia e Himalaia, entre outras. Mas ultimamente são os Andes peruanos que mais lhe têm chamado atenção. Lá já batizou uma das mais complicadas vias da Cordilheira Blanca (Peru). Saiba um pouco mais sobre algumas aventuras solitárias de Pavle Kozjek na conversa a seguir:


NO HABITAT: Munido da verdadeira piqueta, Pavle abre uma nota "rota gelada"

GO OUTSIDE: Por que a preferência por escalar sozinho?

PAVLE: Prefiro escalar dessa maneira por questão de velocidade e pela total liberdade nas decisões. Eu não tenho nada contra escalar em parceria. Mas se você é acostumado a escalar rápido demais, fica difícil encontrar o entrosamento. Nos últimos anos, não estou fazendo muitas ascensões desse tipo. Tenho uma filha de doze anos, o que está me obrigando ser mais cuidadoso.


Quais foram suas maiores conquistas escalando sozinho?

Eu escalo sozinho em vias de até 7 graus. Uma das minhas escaladas mais difíceis foi a American Direct, no Petit Dru (Alpes franceses). Na Eslovênia, costumo enfrentar rotas desse mesmo nível sozinho, sendo que alguns paredões ultrapassam facilmente os 1.000 metros. Mas minha grande realização foi abrir a via No fiesta hoy dia, no monte Huandoy Sur, de 6.133m, na Cordilheira Blanca. Ela é de grau ED+ (de extrema dificuldade), onde são misturadas técnicas de rocha e gelo.

Existe alguma razão em especial para tantos ótimos escaladores serem eslovenos?

Tradicionalmente, a Eslovênia é um país muito conectado com as montanhas, faz parte de nossa identidade. Acho muito importante que essa experiência seja passada entre as gerações: os escaladores mais velhos ensinam os mais novos. Para você ter uma idéia, até nosso primeiro ministro, Janez Drnovsek, é montanhista.

Você tem projetos para este ano (2007)?

Além de alpinista, sou engenheiro de software e trabalho no departamento de estatística da Eslovênia. Eu tinha um plano parecido com o do Cho Oyu para as montanhas Karakorum, no Paquistão: uma subida rápida e solitária. Mas, por questões de tempo, provavelmente irei ao Peru. Em três semanas consigo abrir uma boa rota por lá.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2007)







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