Paraísos perdidos


TENSO: Trekking em torno do lago Band-i-Amir hoje ficou restrito às populações nômades e a meia dúzia de loucos

Experimente falar “Boa tarde, gostaria de tirar um visto para o Iraque” para alguém da Embaixada do Iraque em Brasília. Você pode ouvir algo como: “Olha, não é possível, mas se você for louco para querer ir até lá, mande um pedido que encaminhamos para o Ministério das Relações Exteriores. Saiba que a responsabilidade é toda sua. Quem vai, raramente volta.” Esse diálogo nada animador inaugurou nossa investigação sobre os lugares mais belos e perigosos do mundo. A resposta, sem meias palavras, fez este repórter relembrar a sensação que o acometeu quando, em meio a um giro pela Europa, na década de 1990, teve a brilhante idéia de alcançar o Marrocos a partir do sul da Itália, atravessando a Tunísia e a Argélia por terra.

O projeto foi abortado na Sicília, diante de uma advertência nada auspiciosa proferida por um anjo anônimo, que bradou: “Você vai morrer!”. Na época, a Argélia passava por uma sangrenta guerra civil e os estrangeiros, especialmente jornalistas, corriam o sério risco de serem degolados. Hoje, a Argélia aos poucos se abre para o turismo. Há até uma estação de esqui em funcionamento – uma prova de que o tempo passa, o mundo dá voltas e tudo se transforma. Assim, não ficamos tão descrentes dos paraísos que mostramos nessa reportagem, atuais “terras do nunca”. Quem sabe um dia será possível desfrutar dias relaxantes nesses picos?

AFEGANISTÃO

O patrimônio cultural riquíssimo e as paisagens deslumbrantes ainda estão nas mãos de terroristas

Por Marcelo Delduque

Acha possível imaginar que durante a década de 1970 o Afeganistão era um plácido destino turístico dos hippies? Que a então simpática capital Cabul era uma das mais clássicas rotas de mochileiros da época, que ia da Europa ao Nepal? Os tempos realmente mudaram. Vieram os soviéticos, o regime do Talibã (proibindo cidadãos de usar câmeras, internet, ler livros, cerceando direitos das mulheres e por aí vai), Bin Laden (procurado no mundo todo principalmente pelo ataque terrorista ao World Trade Center) e o exército norte-americano que bateu de frente com tudo isso.

Cabul, ou o que sobrou dela, tenta se levantar das ruínas, enquanto as bombas continuam. O governo do presidente Hamid Karzai consegue controlar só um pouco mais que a capital. O resto do país é uma verdadeira terra de ninguém dominada por milícias fundamentalistas. As lavouras de papoula para produção de ópio são uma das bases da economia afegã e o tráfico internacional da droga alimenta essas milícias. O sul e o leste, infestados de remanescentes do Talibã e da rede terrorista Al Qaeda, são chamadas de “no go areas”, ou seja, lugares para se passar longe de acordo com o guia Lonely Planet, uma das bíblias dos viajantes.


BENÇÃO: Afegão se concentra antes de iniciar suas preces no Band-i-Amir

Um triste contraponto é que nessas terras sofridas, onde a vida se fixou nos férteis vales que contrastam com a aridez das montanhas, há paisagens magistrais, pontuadas por antiqüíssimas intervenções humanas. O país localiza-se entre o Irã, a Índia e a Ásia Central, e foi uma importante rota comercial disputada por diversos impérios durante cerca de três milênios. Ou seja: o patrimônio cultural afegão está entre os mais ricos do mundo.

Bom exemplo das maravilhas afegãs são as lindíssimas montanhas calcárias de cor ocre do vale do Bamiyan, onde foram esculpidos os dois budas gigantes – destruídos em 2001 pelo regime do Talibã. As esculturas se foram, mas os enormes nichos onde elas se encontravam podem ser vistos no pé do vale. Na região há ainda uma série de cavernas para se explorar em caminhadas pelas montanhas. Do alto, a vista do vale e dos picos nevados ao fundo é magnífica. A insurgência aí é menos preocupante que as minas terrestres.

Próximo a Bamiyan, está um dos mais fantásticos santuários naturais do Afeganistão, os cinco lagos de Band-i-Amir, localizados a quase 3 mil metros de altitude. O azul turquesa da água contrasta violentamente com a aridez da terra, numa paisagem quase irreal. Mais distante, no coração de um vale remoto na região central do país, o Minarete de Jam, uma torre de forma cilíndrica com cerca de 65 metros de altura e ricamente adornada, construída do século 12 por ordem de um sultão, é considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Entre as cidades, destaca-se Mazar-i-Sharif, um dos últimos bastiões de resistência Talibã durante a invasão do exército americano em 2001. A cidade é célebre por abrigar a incrível mesquita de Hazrat Ali. Em Mazar-i-Sharif e em todo o norte afegão, é disputado, durante a primavera, o violento buzkashi, espécie de jogo de pólo, uma antiga tradição local, em que no lugar da bola utiliza-se uma carcaça de cabrito. Em seu livro A Filha do Contador de Histórias, a escritora inglesa Saira Shah define o esporte como uma “paródia de guerra”: “Existem poucas regras: cada time pode fazer praticamente de tudo para impedir o progresso do outro e apossar-se da carcaça. Os bravos cavalinhos, descendentes das montarias dos mongóis, são treinados para executar todo tipo de manobra e até para morder os cavalos do time adversário”, escreve. Vizinha a Mazar esta cidade está Balkh, município onde está uma das mais antigas mesquitas do mundo, uma das capitais do Império de Alexandre, o Grande, e, segundo a lenda, o sábio Zaratustra teria ali realizado suas pregações.

Se você perdeu a onda dos aventureiros hippies, vai ter que exercitar a paciência antes de poder conhecer todas essas maravilhas in loco. Se resolver ir agora, é porque tem alguns parafusos a menos (o que não é necessariamente tão ruim). Para ficar com água na boca, eis mais um trecho do livro de Shah, sobre uma das muitas viagens que fez pelo país na década de 1980: “Embora estivéssemos numa missão de vida ou morte, a viagem foi idílica. Era primavera, jorrava água de cada montanha e cabritos recém-nascidos brincavam nas encostas. Pensei que, se houvesse paz, este país seria perfeito para o turismo”.


BUDA: O gigante talhado há mais de dois mil anos e que não existe mais desde maio de 2001

O que estamos perdendo

Trekking no vale do Bamiyan (onde foram esculpidos os dois budas gigantes), no vale de Panjshir (ao norte) e aos os cinco lagos de Band-i-Amir, localizados a quase 3 mil metros de altitude. E o famoso trekking de cinco dias pelo corredor Wakhan, onde estão os picos mais altos do país. A operadora inglesa Great Game Travel (www.greatgametravel.co.uk) guia grupos nesse trekking. Leia reportagem o Wakhan já publicada na Go Outside no www.gooutside.com.br.

Grau de periculosidade

SÓ VÁ SE FOR LOUCO!

PAQUISTÃO


Maravilhas escondidas numa rodovia sem lei


À PROCURA: O corajoso expedicionário analisa tranquilamente as pedras soltas da Karakoram

Por Sérgio Túlio Caldas

Mohammad Amin, um sujeito de barbas desgrenhadas e olhar indecifrável, caminhou até os fundos da loja e logo voltou com um rifle engatilhado nas mãos. Apontou-o exatamente para a minha testa, que ficou a um palmo do cano: “Esta é a desejada Kalashnikov.

Seiscentos tiros por minuto. Perfeita para ataques rápidos.” Um suor frio percorreu minha espinha. Amin, dono de um pequeno comércio de armas ilegais, desfilava seu arsenal bélico para mim como se estivesse numa loja de sapatos: metralhadoras, granadas e pistolas de todos os preços. “É só escolher e levar. Temos Kalashnikov ‘paralelas’ a 120 dólares, fabricadas na região”.

O bazar de Amin fica numa agitada e poeirenta rua da cidade de Besham, no noroeste do Paquistão, quase na fronteira afegã. Não é qualquer mapa que localiza Besham, encravada numa remota região do país chamada Indo-Kohistan. Território sem lei, seu mercado livre de armas é movimentado: um vendedor de tecidos é naturalmente vizinho de um negociante de metralhadoras.

A visita a Besham aconteceu durante minha travessia pela Karakoram Highway, rodovia que serpenteia ao longo de 1.300 quilômetros entre as montanhas mais altas do planeta, no Himalaia. Conhecida também pela sigla KKH, nessa estrada o Alcorão dita as regras de comportamento. Numa das pontas está Islamabad, capital da República Islâmica do Paquistão; na outra fica Kashgar, no noroeste da China, habitada por muçulmanos da minoria étnica uigur, unida em grupos clandestinos que articulam sua independência do domínio chinês.

A Karakoram é uma aventura completa, daquelas que fazem ferver a adrenalina. Pelo caminho, a diversidade tribal convive sob fortes tensões. Uigures, tadjiques, quirquizes, kohistanes e pashtuns (estes últimos formam a maioria dos guerrilheiros do Talibã), entre tantos outros, vivem sob leis e códigos próprios. Na região, onde o governo paquistanês nunca conseguiu se impor, a natureza também surpreende. A KKH atravessa uma faixa territorial absurdamente inóspita, cujos cenários, porém, são dos mais espetaculares da Terra. Ali se localizam três dúzias de picos que ultrapassam os 7 mil metros de altitude, entre eles o K2, a segunda maior montanha do planeta, com colossais 8 611 metros. Como todo esse complexo geológico continua em formação, tremores de terra e avalanches ocorrem com freqüência sobre a pista repleta de abismos vertiginosos. Não por acaso, em turco, Karakoram significa “pedras que desmoronam”. Mas quem se aventura pela KKH aprende rápido que acidentes naturais e conflitos tribais não passam de eventos rotineiros na rodovia mais perigosa do mundo.

O que estamos perdendo

Trekking ou mountain bike na cordilheira de Karakoram, com alguns dos picos mais altos do mundo. Um trekking clássico é o que vai à base do K2, passando por Gondoro La e Hispar La. A mountain bike pode ser feita no vale de Hunza, entre as montanhas do Karakoram e do Hindu Kush. A operadora KE Adventure oferece um roteiro de 14 dias pelo vale, e também guia vários trekkings na região: www.keadventure.com

Grau de periculosidade

MUITO PERIGOSO

COLÔMBIA

Um vilarejo aparentemente calmo e agradável trazia todos os dias um assassinado a velar

por Márcia Bizzotto

Cheguei em Terralta numa tarde típica daquele vilarejo de Córdoba, no norte da Colômbia. O calor úmido deixava a pele pegajosa e fazia as roupas grudarem no corpo. Trabalhadores conversavam pelas calçadas, como se o dia fosse de festa. E na pequena igreja no meio da praça mais um morto começava a ser velado. Cada dia seria assim, com a descoberta de algum novo assassinato.

Estive na cidade por um mês, em junho de 2001, para fazer uma reportagem sobre os refugiados internos da Colômbia. Terralta tem um dos maiores índices de êxodo interno do país, culpa do conflito civil que já dura mais de 60 anos. O município é dominado por paramilitares e cercado de povoados controlados por guerrilheiros. Os dois movimentos armados se enfrentam entre si e ainda combatem o exército. Como todos se conhecem na região, qualquer rosto estranho é suspeito. E como cada estrada é controlada ou por paramilitares, ou por guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), muita movimentação também desperta suspeitas. A situação é delicada e deixa os civis sob constante ameaça.

Para ter proteção durante meu trabalho como jornalista e ganhar a confiança da população busquei ajuda da igreja e da Cruz Vermelha, que costumam ter certa neutralidade e respeito dentro de um conflito. Os padres jesuítas me hospedaram e me orientaram a mentir minha profissão. Eu conversava com as pessoas disfarçada de assistente social.

Todos os dias eles repetiam que eu devia manter minha câmera fotográfica bem guardada. Por isso, deixei de registrar a beleza do lugar, uma região salpicada por coqueiros, com grandes campos de banana e inúmeras nascentes de água. Queria fotografar as árvores de onde as crianças colhiam frutas exóticas e as típicas casas rurais colombianas, paredes de barro e teto de palha. Mas uma inocente foto poderia me condenar: talvez a casa fosse uma base paramilitar e o campo de graviola apenas a fachada para uma plantação de coca.

Os padres também insistiam para eu não sair do perímetro urbano sem a companhia de algum deles. A recomendação me parecia exagerada em um vilarejo de ruas calmas, com mais bicicletas que carros, com vendedores ambulantes de frutas e pessoas de sorrisos fáceis. Também era difícil de seguir esses conselhos, já que o perímetro urbano não passava de umas nove quadras. Todo o demais era área rural, com casinhas espalhadas por estradas de terra que cortam a mata tropical, rodeadas por grandes campos de banana e inúmeras nascentes de água. Toda essa tranqüilidade aparente era uma tentação. Até as noites pareciam calmas, iluminadas por vaga-lumes e um céu sempre estrelado, embalada pela salsa caribenha, que os locais dançavam alegremente em cima das mesas nos bares.

Infelizmente a alegria daquele povo vive em risco: às vezes apareciam tantos defuntos, vítimas de assassinatos, que os velórios tinham que ser realizados simultaneamente dentro da igreja e na frente dela, na rua. A sucessão de funerais e as histórias que eu ouvia diariamente nos campos de refugiados me obrigavam a acreditar que a realidade por trás daquele ambiente era bem diferente da falsa aparência de paz.

O que estamos perdendo

Perto de Terralta ficam dois dos 34 parques nacionais colombianos: o Parque Nacional Tayrona e o Parque Nacional Corales del Rosario, ambos com praias lindíssimas. No Parque Nacional El Cocuy estão algumas das trilhas mais bonitas do país. Proibida até alguns anos atrás, o parque agora é seguro para os trekkers.

Grau de periculosidade

MUITO PERIGOSO

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO

Guerra sem fim no paraíso da biodiversidade


PRIMEIRA FILA: Será que a contemplação da vida selvagem pode fazer qualquer um se esquecer de crises políticas e rebeliões?

Qualquer naturalista sonha em conhecer a República Democrática do Congo. Bem no coração da África e cortado pela linha do Equador, o país concentra metade das florestas tropicais do continente e abriga a bacia do caudaloso rio Congo. Há ainda savanas, grandes lagos e uma série de montanhas e vulcões. A biodiversidade congolesa é uma das maiores e mais exuberantes do mundo. Uma megadiversidade, segundo a Ong Conservation International, que posiciona o antigo Zaire no chamado G17 – os 17 países mais ricos em vida animal e vegetal. Aí vivem os bonobos, primatas mais aparentados ao ser humano, as últimas populações de gorilas-das-montanhas, os raríssimos rinocerontes-brancos e o quase extinto ocapi, da família da girafa.

Dizer que esse paraíso selvagem é inacessível, porém, não é exagero poético. Décadas de guerras civis, golpes, rebeliões, massacres e governos tirânicos movidos pela cobiça dos minérios – o território é rico em diamante, cobre e cobalto – fizeram do país um dos mais convulsionados do continente.

O final de 2006 viu uma chance histórica para a paz, quando Joseph Kabila, eleito de forma democrática (algo inédito no país que conquistou a independência em 1960) assumiu o poder, após uma transição em que se procurou dar espaço e voz a todas as facções belicosas e à oposição política. Forças de paz da ONU estão posicionadas na capital Kinshasha e em outros pontos. Mas viajar pelo país é extremamente arriscado.

Nas províncias do leste, junto à fronteira com Ruanda e Uganda, rebeldes ainda atuam e a situação é explosiva. Uma pena! Justamente nesta área estão quatro dos cinco santuários naturais considerados Patrimônio da Humanidade. Um dos mais famosos é o Parque Nacional Virunga, celebrizado pelo drama dos gorilas durante a guerra, quando, em meio ao fogo cruzado, quase desapareceram. A região é montanhosa e vulcânica, com a presença de picos nevados e savanas repletas de vida selvagem.

O que estamos perdendo

Florestas tropicais, rio Congo (o segundo maior da África), gorilas, santuários e parques nacionais que estão entre os mais exuberantes, biodiversos e intocados do mundo.

Grau de periculosidade

NÃO VÁ NEM SE FOR LOUCO!

HAITI

Festa e cores convivem com seqüestros e guerras políticas


LAZER: Aproveitando o baixo número de turistas desde a reviravolta política, alguns locais se esbaldam na "desabitada" cachoeira de Jacmel, no Haiti

Quem nunca ouviu falar do mar do Caribe, tão lindo que virou sinônimo universal de águas cristalinas e praias paradisíacas? Uma região de culturas exóticas e festivas. O Haiti, um dos territórios do Caribe, belíssima região do continente americano, resume o retrato do paraíso. Metade da população cultua vodus (religião de origem africana), a música que criam é vibrante e a comida, com influências africanas e francesas, é famosa. Mas longe de abrigar resorts luxuosos e receber transatlânticos internacionais, o Haiti ostenta dois títulos nada edificantes: país mais pobre das Américas e campeão mundial de seqüestros.

Seqüestro é apenas uma das mazelas haitianas do momento. O país está mergulhado no caos. “Na capital, Porto Príncipe, não se pode sair sozinho, não se pode sair a pé, não existe táxi, as regras da ONU são difíceis, ficamos muito dependentes”, conta a documentarista Mariana Reade, que fez um estágio na organização no início deste ano.

A situação já não era calma em 2004, e, para completar, no mesmo ano o então presidente Jean Bertand Aristide, em meio a conflitos políticos, fugiu para o exílio temendo um banho de sangue. Aí a mais completa anarquia tomou as ruas da capital. Tropas da ONU, lideradas pelo Brasil, ocuparam o país, numa tentativa de estancar a crise, sem sucesso. Uma pena. Não só a cultura exótica e a costa caribenha poderiam atrair os visitantes. O país é dominado por serras cobertas por florestas tropicais. Uma das principais atrações é o Parque Nacional Histórico La Citadelle, que abriga uma fortificação do século 19, construída no topo de uma montanha de 900 metros de altura, que tem o título de Patrimônio da Humanidade. E a ‘humanidade’ mal pode chegar perto.

O que estamos perdendo

Pra começar, o Haiti tem metade de seu litoral no mar do Caribe – garantia de praias e mergulhos memoráveis – e outra metade no Atlântico. No interior, há montanhas escarpadas e planícies costeiras. O Parque Nacional Histórico abriga o La Citadelle, um forte construído no topo de uma montanha de 970 metros de altura, no norte do país. De lá de cima, vê se todos os vales ao redor e o mar do Caribe.

Grau de periculosidade

SÓ VÁ SE FOR LOUCO!

COSTA DO MARFIM

Nem o governo de lá te deixa entrar nos parques


TERROR: Homem é preso depois de capturar dois primatas na Costa do Marfim. Posteriormente, os restos mortais dos bichos foram enviados ao dr. Christohe Boesch, pesquisador do vírus Ebola

Faz pouco tempo que perdemos esse paraíso. Antigo freqüentador de cadernos de turismo, não só pelas atrações naturais e culturais, mas também por ter vivido tempos de estabilidade política, algo raro entre os países africanos, só desde 2002 a Costa do Marfim está na lista dos países do mundo extremamente perigosos. A milícia rebelde que se levantou contra o Governo deu trégua relativa durante a Copa do Mundo da Alemanha, quando a seleção local passou a simbolizar uma imaginária união nacional. Mas depois que a Copa acabou, o pesadelo continuou. As esperanças no torneio de futebol e na conquista da paz eram ilusórias e a nação do oeste africano permaneceu – e permanece – mergulhada no caos.

A Costa do Marfim é conhecida pela forte identidade cultural. Trata-se de uma das representantes máximas daquela imagem da África que mistura cores (nas máscaras esculpidas de madeira e nos tecidos pintados à mão), culinária exótica, música vibrante e um povo bastante festivo.

Mas o país também é famoso pelos arroubos de grandiloqüência de seus governantes, responsáveis por fazer da cidade de Abidjã uma “Paris do Oeste africano” e por construir a enorme e anacrônica basílica de Notre Dame de la Paix, desenhada à imagem da basílica de São Pedro, em Roma. Mas quando você puder ir lá, não dê atenção a esses delírios. A Costa do Marfim também guarda praias idílicas, grandes savanas e florestas tropicais abrigadas em uma série de parques nacionais, alcançados por uma das mais modernas redes de estradas asfaltadas da África (mais um contraste gritante, vista a miséria da população). A sudoeste, encontra-se o Parque Nacional de Taï, abrigando densa floresta riquíssima em biodiversidade; e a nordeste está o Parque Nacional de Comoé, com matas e savanas. Para visitar esses parques é necessário obter uma autorização junto ao Governo, infelizmente uma tarefa impossível nesses tempos de guerra.

O que estamos perdendo

Praias idílicas, grandes savanas e parques nacionais como o Tai – onde fica uma das últimas áreas de floresta tropical da África Ocidental.

Grau de periculosidade

MUITO PERIGOSO

IRAQUE

O fim do mundo … onde ele começou


ARQUITETURA E HISTÓRIA: Ruínas de Hatra, importante cidade do século e que hoje é um dos grandes sítios arqueológicos do mundo

Babilônia, Bagdá, Tigre e Eufrates. Que outras terras têm nomes que evocam tantos simbolismos? Infelizmente, o local que viu a civilização nascer corresponde ao atual Iraque. E se você não é diplomata ou jornalista, não trabalha numa ONG de ajuda humanitária ou não é um militar das tropas de ocupação, nem pense em colocar os pés em solo iraquiano.

Os motivos? Bem, para quem não lê jornais há pelo menos quatro anos, enumeramos alguns bem convincentes: ataques diários de homens-bomba, ação de terroristas internacionais, seqüestros de estrangeiros, guerra civil não declarada e criminalidade generalizada. Os norte-americanos insistem em dizer que a situação está sob controle. Mas a verdade é que o Iraque é hoje terra de ninguém. Mesmo assim, o país ainda guarda preciosos tesouros como o sítio arqueológico do Ur, datado de 4000 antes de Cristo, que consta na Bíblia como local de nascimento do profeta Abraão; e as ruínas da antiga capital da Babilônia, onde reinou o imperador Nabucodonosor. Ou ainda a cidade fortificada de Hatra e os resquícios de Assur, datada do terceiro milênio antes de Cristo, ambos reconhecidos pela Unesco como patrimônios da humanidade.

Já a capital teve seu patrimônio histórico praticamente destruído em séculos de sucessivas invasões: a Bagdá das “1001 noites” está mais para Bagdá das mil e uma bombas. De importante mesmo, abriga o Museu Arqueológico do Iraque, com o mais significativo acervo mundial sobre a Mesopotâmia. A capital até é servida por alguns vôos internacionais, os mais regulares vindos da Jordânia. Mas entrar no país é complicado. Vistos para turistas nem pensar, a não ser que você consiga convencer alguma embaixada de suas nobres intenções. Passada essa fase, as boas vindas à Bagdá não são das mais animadoras: a estrada de 12 quilômetros entre o aeroporto internacional e a cidade, chamada “Route Irish”, é um dos principais alvos de ataques. Resta, ao invés de lamentar, torcer para que até o fim da guerra não seja destruído o pouco que resta dessa história grandiosa.


O que estamos perdendo

Seria muito louco poder pedalar por alguns dos lugares mais antigos e historicamente importantes do mundo.


Grau de periculosidade

NÃO VÁ NEM SE FOR LOUCO


BOUGAINVILLE, PAPUA NOVA GUINÉ

A guerra separatista no paraíso do mergulho já matou 10% da população


IMPROVISO: Crianças papuas se divertem sobre a canoa havaiana modelo roots

Bougainville, nome francês de uma bela e colorida planta, também batiza uma ilha de Papua Nova Guiné, país pouco conhecido do Pacífico Sul. Bougainville é um nome que inspira placidez. Mas, pelo contrário, apesar de ser realmente um lugar idílico, a ilha é também uma província separatista, um verdadeiro barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento.

A briga teve início em 1989, quando os antigos proprietários das minas de cobre de Panguna, no centro da província, tomaram as armas contra a companhia australiana que explorava o minério. Panguna era uma das principais fontes de divisas de Papua Nova Guiné e, como não poderia deixar de acontecer, o exército local reagiu, deflagrando o conflito, que, desde então, já causou a morte de 10% da população da ilha (mais de 20 mil pessoas). A sangrenta guerra em Bougainville deixou ainda 15 mil pessoas em campos de refugiados. E não bastasse o conflito com as forças do governo central, facções locais lutam entre si, tornando a situação ainda mais explosiva. E, devido à pobreza generalizada, os índices de criminalidade são altíssimos. Tentar conhecer Bougainville é uma insanidade.

O mar de Papua Nova Guiné é um do mais bonitos do mundo, atraindo mergulhadores de todo o planeta. O brasileiro Juracy Vilas-Bôas, mergulhador profissional, foi um dos que não resistiu a esse apelo e passou o reveillon de 2006 por lá. Nem chegou perto de Bougainville, mas sentiu um pouco o clima de conflito tribal que se estende por todo o país. “Fomos fortemente advertidos de que se víssemos qualquer agitação de pessoas e brigas, deveríamos sair do local imediatamente”, conta. “Mas não vi mais que muita pobreza, especialmente na capital Porto Moresby”.

Se pudesse ter ido a Bougainville, em outros tempos um destino turístico de Papua, além de mergulhar em seu incrível mar repleto de atóis, baías e ilhotas, poderia ter feito trekking a um dos sete vulcões da ilha, alguns ativos, e explorar a enorme caverna de Benua. Mas desde meados do ano passado, a ilha passa por uma nova escalada de violência. Em junho deste ano, com eleições nacionais marcadas para junho, os ânimos prometem estar ainda mais quentes. Enfim, por enquanto, esqueça esse paraíso!

O que estamos perdendo

Mergulhar no mar azulzinho dos arredores – esse pedaço de oceano é o de maior biodiversidade do mundo, tendo cinco vezes mais espécies que o mar do Caribe. Ou então fazer trekking pelos vulcões e montanhas cobertas de florestas.

Grau de periculosidade

MUITO PERIGOSO

Uma agência turística no Afeganistão

Além de viver e trabalhar em Cabul, uma espécie de panela fervente, o norte-americano André Mann, para ganhar a vida, tem a dura tarefa de convencer as pessoas de que pode levá-las em segurança por um tour pelo Afeganistão. A anti-propaganda é pesada e está nas páginas de notícias internacionais quase todos os dias, mas Mann, que já viajou por mais de 70 países, garante que sua empresa, a Great Game Travel Afghanistan está florescendo. “As operações se iniciaram em abril de 2006 e, até agora, cerca de 70 pessoas viajaram conosco”. Ele conta à Go Outside um pouco de sua louca e pioneira experiência:

Go Outside: É um bom negócio trabalhar com turismo num lugar considerado um dos mais perigosos do mundo?

Mann: O Afeganistão é um nicho de mercado. Pode ser um lugar perigoso, mas tanto quanto a Cidade do México ou São Paulo. Você nunca vai recomendar a uma pessoa passear sozinha numa favela com sua mochila e sua câmera digital. Da mesma forma, não indicamos a ninguém viajar ao sul ou ao leste do Afeganistão. Entretanto, é importante salientar que muitas áreas afegãs são tão seguras como outros destinos turísticos.

Como nasceu a Great Game Travel Afghanistan?

A idéia surgiu em uma viagem de férias de três semanas que fiz pelo país acompanhado de minha mulher e meu filho, na época com um ano, após terminar um trabalho no Usbequistão. Ficamos absolutamente maravilhados com as paisagens e com a gente afegã, mas a viagem foi dura. Mesmo falando persa, tivemos muitas dificuldades para conseguir carros, hotéis e lugares decentes para comer. Na época, eu estava procurando o que fazer e quanto mais eu viajava, mais me dava conta de que havia uma oportunidade real para alguém que elaborasse uma logística, permitindo viagens agradáveis e seguras pelo território afegão.


Que tipo de turista procura seus serviços?

A maior parte é feita de pessoas que já viajaram muito pelo mundo e que estão buscando ver o que quase ninguém viu. Temos um cliente que combinou a viagem ao Afeganistão há uma semana na Coréia do Norte. Há também historiadores, montanhistas e botânicos que passaram a vida estudando um determinado local, alguns desses especialistas inclusive já tendo escrito livros sobre tais lugares, mas que nunca tiveram a oportunidade de conhecer pessoalmente.

Mais informações: www.greatgametravel.com

Enquanto isso, em terras brasileiras …

Por Marcelo Delduque

Será que o Brasil já chega aos pés dos países mencionados nessa matéria, em termos de perigo? Segundo dados divulgados em janeiro de 2007, a taxa de homicídios no Iraque seria o dobro da do Brasil. Se isso for verdade, nosso país equivale a meio Iraque em violência. A comparação pode ser uma grande bobagem, mas pode dar uma medida da situação.

Imagine um estrangeiro que, indeciso sobre onde vai passar as férias, lê as notícias do último ano novo no Brasil. No Rio, turistas alemães e croatas assaltados ao saírem do aeroporto, e ônibus incendiados, inclusive um que fazia a rota Rio-São Paulo. Os que viram as fotos nas capas dos jornais poderiam julgar, em um primeiro olhar, tratar-se de Tel Aviv, Cabul ou Bagdá. No Ceará, durante a última temporada de verão, um canadense foi assassinado após tentativa de assalto. E em fevereiro, três franceses que trabalhavam numa organização não governamental foram mortos a facadas. O assassino? Um garoto ajudado pela própria ONG. Junte a isso outros fatos desagradáveis da história brasileira recente, de repercussão internacional, como o episódio em que o PCC perpetrou uma onda de atentados em São Paulo, no primeiro semestre de 2006. Considere ainda a amplificação que as notícias tendem a ter quando são espalhadas mundo afora. Será isso suficiente para fazer do Brasil, aos olhos do estrangeiro, uma nova adição à lista de países a serem evitados?

VEM QUENTE QUE ESTOU FERVENDO

Dicas para quem gosta de problemas

Se você não se convenceu de que não deve ir aos lugares mencionados nesta reportagem, uma boa notícia: é possível conhecer alguns deles em relativa segurança como voluntário ou mesmo profissional de uma organização internacional. É uma forma de viajar a países “impossíveis” e ao mesmo tempo ajudar pessoas necessitadas e colaborar para uma causa.

A ONU tem um programa que recruta voluntários para atuarem em projetos de desenvolvimento, apoio humanitário, direitos humanos e preparação de eleições, entre outras missões. O voluntário recebe uma ajuda de custo para o período do trabalho, que varia entre seis meses e um ano. Para saber mais, acesse www.pnud.org.br . Assim como a ONU, diversas outras organizações, governamentais ou não, aceitam voluntários para suas atividades.

No Site Mundial do Voluntariado (www.worldvolunteerweb.org), há uma relação dessas organizações. Já os Médicos Sem Fronteiras, ONG internacional que atua dando apoio humanitário em zonas de conflito ou de pobreza extrema, contrata anualmente cerca de 30 mil profissionais de saúde para servirem em mais de 70 países. Cada missão, ou seja, o tempo que o profissional vai ficar em um determinado país, é de cerca de um ano. Para saber mais sobre o programa, acesse www.msf.org.br .

TÁ COM MEDO? POR QUE VEIO?

Guia de sobrevivência para zonas de conflito

Por Marcelo Delduque

Antes de encarar um país em guerra, primeiramente é preciso obter informações precisas sobre o lugar. Leitura indispensável é o Guia “The World’s Most Dangerous Places”, do norte-americano Robert Pelton, um dos maiores especialistas mundiais em zonas de conflito, que conta com a colaboração de correspondentes de guerra. O trabalho de Pelton é louvável, informando o leitor sobre a situação política dos países tratados e fornecendo dicas práticas de como se virar em grandes roubadas. O único ponto negativo é não ter nada mencionado sobre as atrações turísticas de cada local.

O guia não tem tradução em português. Para encomendar a versão em inglês, acesse o site www.comebackalive.com. No site, já se pode ter acesso a uma série de informações sobre os países perigosos. A seguir, algumas dicas de Pelton para sobreviver em zonas de conflito:

• Contate pessoas que voltaram ou estão freqüentemente na zona de guerra em questão. Não confie em representantes dos rebeldes ou do governo local

• Evite conversas sobre política, não desafie a crença de seu anfitrião, seja firme, mas não beligerante

• Viaje somente com autorização do grupo que controla aquela área. Em muitos casos, são necessárias diversas autorizações. Lembre-se que uma carta de passagem livre emitido por determinado grupo apresentado num posto de controle de outro grupo pode ser sua sentença de morte

• Lembre-se que é incomum ver não-combatentes vagando por zonas de guerra. Tenha sempre em mãos o nome da pessoa que deseja ver, seu destino final e saiba dizer claramente a razão da viagem

• Leve bastante dinheiro escondido em vários lugares, viabilizando uma fuga a qualquer momento

• Leve um kit de primeiros socorros

• Aprenda os efeitos, alcance e conseqüências de armas de fogo, minas terrestres, morteiros e outras máquinas de guerra

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2007)







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