As pelejas do sertão


INTERCÂMBIO: Por conta da difícil navegação em alguns trechos, era comum algumas equipes ignorarem o mapa e, em certas horas, seguirem o fluxo

Por Mario Mele

Depois de remar 70 km pelo rio Piranhas, que corta o interior do estado do Rio Grande do Norte, a equipe Motorola SOS Mata Atlântica aportava na cidade de Alto do Rodrigues aparentando a mesma disposição do início da competição, 28 horas antes. Tranqüilos, eles conversavam com todos à volta, desfrutando do conforto de terem aberto uma boa vantagem em relação ao segundo colocado. Minutos antes da largada, Shubi, a integrante feminina, havia dito que largariam em ritmo mais lento e não forçariam muito nos trechos iniciais de trekking e bike. “Traçamos essa tática para evitar o desgaste provocado pelo calor e porque nós quatro somos bons remadores”, disse. A estratégia funcionou: o quarteto de São Paulo formado por Márcio Franco, Marcelo “Macuco”, Fábio Batista e Sílvia Guimarães (Shubi), tornou-se o campeão nacional do circuito Try On Meeting de corrida de aventura.

Para esta final, realizada nos dias 10 e 11 de março, estiveram reunidas 30 equipes, sendo que 13 eram campeãs das etapas estaduais do circuito, e brigavam pelo patrocínio de R$ 20 mil. Entre as 17 restantes, estavam as que disputavam o Circuito Nordestino de Corrida de Aventura (CNA) e algumas equipes convidadas.

Embaço na mata

Ronaldo Bueno, organizador e diretor de prova, esquematizou uma rota que compreendia as regiões mais distintas do Rio Grande do Norte. Batizada de “As Pelejas de Ojuara” – romance homônimo do escritor potiguar Nei Leandro de Castro, que narra as aventuras de seu personagem pelas áreas mais remotas do Estado –, a corrida teve início em Florânia, uma micro-cidade cravada no sertão, que nessa época fica esverdeado graças às chuvas que caem na região. Seguindo para o norte, os aventureiros passariam ainda por áreas alagadas, próximas aos municípios de São Rafael e Açu. Bueno incluiu no percurso o deserto do Lagamar (um lago extenso e raso que, no verão, em razão da seca, se transforma em um lamaçal), dunas e intermináveis salinas.

O primeiro trecho de trekking (da largada ao Posto de Controle ou PC 4), que a maioria acreditava que não fosse ser tão exigente, acabou se tornando uma das etapas mais estressantes de toda a prova. A dificuldade em encontrar a trilha certa – aliada às mutucas, urtigas e ao forte calor que fazia na Serra do Cajueiro – foi um poderoso obstáculo aos aventureiros, que andaram muito mais do que previram. Hemerson Navarro, da Gantuá Paletada, equipe baiana que concorria ao título nacional, já não vinha se sentindo muito bem horas antes da prova, e nesse início foi tomado por um violento mal-estar, o que obrigou o grupo a desistir da competição. “Poderia ter acontecido com qualquer um, mas é uma pena, porque a gente tinha se preparado bastante para essa final”, diziam os outros integrantes, com uma tristeza claramente visível. “Pretendíamos mostrar que o nordeste tem potencial para brigar de igual pra igual com São Paulo e Rio de Janeiro”, completou o navegador Náru Soares.

O rapel no fim da tarde de sábado (dia 10) foi um dos pontos mais admirados de todo o percurso. A ampla vista do alto da Lágea Formosa, na Serra Branca, encantou os que conseguiram chegar ao local antes do sol cair. Mais adiante, a orientação para o trekking de 10 km, em meio à mata de Caraú de Dentro, complicou ainda mais a vida das equipes. Algumas chegaram a se cruzar no meio do matagal, e todas penaram para encontrar o PC 9, de onde saíram para uma travessia a nado de 800 metros. Naquele momento, a disputa ainda estava entre as paulistas Motorola SOS Mata Atlântica e Mitsubishi QuasarLontra (convidada), a gaúcha Papaventuras, a paranaense Body Imports e a equipe local Tapuia, uma das favoritas a conquistar o título.

Pelo tempo que as equipes levaram para completar as primeiras fases do Try On Meeting, já era certo que dois dias não seriam suficientes para o término integral da prova, como previa a organização. Alguns competidores reclamaram do mapa, que era em escala 1:100.000 (geralmente, as provas usam mapas de 1:50.000) e “pouco detalhado”, o que explicaria a dificuldade encontrada na navegação em diversos trechos. Outros acharam um “verdadeiro absurdo” remar, de uma só vez, 70 km em ducks (botes infláveis), que pouco desliza sobre a água. Mas foi unânime a opinião de que a prova privilegiou lugares incríveis. “O trajeto realmente está lindo. Mas acho que a prova deveria ser realizada no mínimo num feriado, para dar tempo de ser completada por inteira”, disse Márcio Franco, da SOS, já nos instante finais. Bueno, o diretor de prova, admitiu que não facilitou na hora de estabelecer os PC’s e de delimitar o percurso, mas disse que não imaginava que as equipes fossem perder tanto tempo por conta dos trechos técnicos de navegação.

Pouco acostumados a remar, a Tapuia chegou ao PC 12, fim do trecho de canoagem, com bolhas em todas as palmas das mãos, resultado da madrugada e manhã inteiras em que estiveram a bordo dos ducks. Todos pareciam estar em choque, e demoraram alguns minutos para acreditar que tinham conseguido completar a longa descida do rio Piranhas. “Compramos um duck há dois meses e iniciamos nosso treinamento de remo. Não tínhamos a mínima experiência neste esporte”, explicou Fábio Santana. A equipe terminou em terceiro na colocação geral, atrás da SOS Mata Atlântica e da Quasar-Lontra. Como a Lontra era equipe convidada, o quarteto potiguar ficou com o vice-campeonato do Try On Meeting 2006.


SEGURANÇA: No rapel, a equipe paranaense Body Imports Adventure prefere verificar os freios a se encantar com a vista da Lágea Formosa

Entre e fique à vontade

“Filha, pode tomar um banho também, se quiser”, respondeu uma moradora de Barão de Serra Branca a uma repórter que pedia um banheiro de sua casa emprestado. O espírito acolhedor da população local foi algo fora do comum na final do Try On Meeting. Sentados na calçada, esperando as equipes chegarem ou simplesmente olhando elas passarem, essas pessoas não mediam esforços para satisfazer as necessidades do grupo de apoio, da imprensa e dos atletas. Na ânsia de ajudar, algumas acabaram até passando informações erradas ou confusas aos competidores, que certas horas, perdidos, desviavam ainda mais de seus objetivos. Isso aconteceu em maior freqüência na busca pelos PCs 4 e 9, que deram muito trabalho aos navegadores.

Após 36 horas de prova, a Motorola SOS Mata Atlântica finalmente cruzou a linha de chegada, no município de Macau, litoral norte do Estado. O grupo não chegou a atravessar os trechos de dunas e salinas, eliminados pela organização em razão do pouco tempo de prova que ainda restava. No entanto, nem todas as sete equipes que completaram a prova fizeram esse mesmo percurso, já que os cortes no trajeto foram aumentando conforme o tempo passava. A gaúcha Papaventuras e a paranense Body Imports, por exemplo, terminaram a remada e seguiram direto para a região das salinas, pulando as regiões do Lagamar e das dunas. Já a Tapuia, ao deixar os ducks, foi de bicicleta direto para a chegada. “Fizemos nossa parte. Representamos muito bem o nosso Estado e estamos felizes por isso”, diziam os potiguares, satisfeitos.

Os números da peleja

Trekking: 65,8 km

Mountain Bike: 89,6 km

Via Ferrata: 100 m

Rapel: 150 m

Travessia a nado: 800 m

Canoagem (duck): 70 km

Carregando ducks (travessia): 1,16 km

TOTAL: 227 km

Previsão do percurso completo: 32 horas

Tempo de chegada da primeira equipe: 36 horas (SOS Mata Atlântica)

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2007)







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