Por Fernanda Franco
PROVAVELMENTE VOCÊ JÁ VIU ESSA CENA: uma fila interminável de carros parados no trânsito, enjaulando pessoas impacientes e soltando muita fumaça pelos escapamentos. Enquanto isso, um ciclista pedala pelo corredor, fazendo inveja aos motoristas confinados. Se você estava na magrela, já deve saber das vantagens de trocar o carro pela bike, mesmo que de vez em quando. Se você estava no carro, bem… está na hora de pensar seriamente em mudar de lugar.
Quem pedala mantém o corpo em atividade sem hora marcada para isso. Economiza grana – já que diminui gastos com combustível, manutenção e estacionamento – e tempo: você não fica refém dos congestionamentos e já sai sabendo que horas chegará ao seu destino. A energia é gasta para girar os pedais, e não para amaldiçoar o semáforo que abriu e fechou, e você não andou. Num simulado batizado de Desafio Intermodal, realizado no Rio e em São Paulo, quatro pessoas saíram para fazer um mesmo trajeto de moto, bicicleta, carro e transporte público (ônibus + metrô e trem+ metrô). A bike foi a segunda colocada, chegando poucos minutos depois da motoca.
Além de todos esses motivos “egoístas”, nossos tempos de pré-colapso ambiental trazem uma razão maior para se trocar o carro pela bike: a bicicleta não solta absolutamente nenhum gás poluente, enquanto os carros são responsáveis por absurdos 70% da poluição urbana.
Fazer essa troca, porém, não deixa de ser uma luta do mais fraco contra o mais forte – por enquanto –, já que as magrelas têm de disputar espaço com os carros. Grande parte dos ciclistas de final de semana garante que se as condições nas ruas fossem mais igualitárias para motoristas, ciclistas e pedestres, já estariam pilotando um guidão ao invés de um volante.
São os motores que dominam as ruas nos centros urbanos do país, que não foram planejados para o uso da bicicleta como meio de transporte. E isso tem sua razão de ser. Com o início da indústria automobilística no Brasil no final da década de 50, ter um carro passou a ser o sonho de muitos brasileiros, e incentivou os governantes a concentrarem seus investimentos na infra-estrutura rodoviária. Só que isso não parou nunca mais. Apesar do transporte coletivo estar ganhando espaço à força, o carro ainda é o rei das ruas. São gastas fortunas na construção de túneis e outras obras com foco nesse veículo, que oferece a pior relação espaço ocupado na rua versus pessoas transportadas.
NAS LEIS, O ESPAÇO DA BICICLETA NAS RUAS ESTÁ MAIS QUE GARANTIDO – o que falta é nós, ciclistas ou pretendentes a tanto, ocuparmos esse espaço. A bike é reconhecida como meio de transporte e citada no Código de Trânsito Brasileiro inúmeras vezes. Os diversos artigos responsabilizam as autoridades de trânsito federais, estaduais e municipais a cuidar da segurança dos ciclistas e indicam a gravidade da multa aos motoristas que fecharem, ameaçarem ou não derem a preferência ao biker. A contrapartida é que, sendo reconhecida como transporte, a bike deve seguir as mesmas leis de trânsito que regulamentam o fluxo de veículos motorizados – e isso inclui não andar pela calçada, nem na contramão.
Em São Paulo, a CET, órgão responsável pelo trânsito, tem como responsabilidade fazer fluir uma frota de cerca de 3,5 milhões de carros por dia na cidade. Do total de xxxx multas mensais, apenas x% envolvem ciclistas. Se a cidade já conta com cerca de 200 mil viagens diárias de bike (segundo estatísticas da própria CET), é bem difícil de acreditar que estejam ocorrendo tão poucas infrações contra os ciclistas. Conclusão: o foco da CET definitivamente não está na garantia dos direitos de quem pedala.
Renata Falzoni, ativista e ciclista há mais de 30 anos, acredita que a única maneira de inverter o jogo pro lado da bike é intensificar as multas. “O motorista tem que sentir no bolso para começar a respeitar a bike na rua”, enfatiza. Ela relembra o caso do cinto de segurança, que até meados dos anos 80 não era um hábito do motorista brasileiro, e passou a ser obedecido graças a uma campanha educativa, aliada à legislação. Falzoni, que usa a bike para absolutamente tudo na cidade, foi uma das fundadoras do movimento dos Night Bikers no fim dos anos 80 e acredita que a convivência entre motoristas e ciclistas, cada vez mais freqüente, tem contribuído para uma relação um pouco mais amigável de lá pra cá.
Para tentar garantir os direitos dos ciclistas e tornar as cidades menos dominadas pelos carros, as administrações municipais vêm estabelecendo leis como a do vereador Francisco Macena, sancionada pelo prefeito Gilberto Kassab em fevereiro. Ela garante, entre outras coisas, que toda nova avenida na cidade deverá ter uma ciclovia, estacionamentos para bicicletas em determinados pontos, e que ciclistas tenham acesso e transporte em vagões especiais de trens e metrô.
Esse mesmo tipo de lei já foi aprovada mais de uma vez na década de 90, através do vereador Walter Feldman e do prefeito Paulo Maluf. Ninguém sabe exatamente por que não foram para frente. Alguns pequenos trechos de ciclovias chegaram a ser feitos mas foram abandonados ao longo do tempo. A verdade é que é preciso interesse das autoridades e fiscalização para fazer valer a lei.
Recentemente também foi liberada a entrada de bicicletas nos trens do metrô, mas apenas nos finais de semana, no último vagão, e com um limite de quatro por vagão. Essa permissão já existiu nos anos 80, segundo Renata Falzoni e sua volta caracteriza um empurrãozinho ao lazer do paulistano, e não ao uso da bicicleta como meio de transporte.
QUEM VEM TENTANDO VIRAR ESSE JOGO é a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA). O atual secretário, Eduardo Jorge, acredita que desta vez as coisas serão diferentes, graças ao problema ambiental dos grandes centros. “A crise do automóvel chegou ao limite. O uso excessivo do carro está causando um mal tremendo ao cidadão e exige dos administradores novas soluções para se locomover na cidade”, alerta o secretário.
Ele dá o exemplo. Morando perto do trabalho, pedala sempre que possível os quatro quilômetros que o separam do escritório. Para ele, a dificuldade de inserir a bicicleta no trânsito envolve barreiras culturais, econômicas e sociais. “As ruas não foram construídas para as pessoas, e sim para as máquinas. Infelizmente, não se muda uma estrutura da noite para o dia, mas nosso objetivo é viabilizar o uso da bicicleta na cidade a médio prazo”, diz o secretário. Para isso, a SVMA vem investindo em programas de conscientização ambiental. Mas o sucesso da empreitada depende de outras áreas envolvidas. “Sozinho ninguém faz nada. O desafio é grande e deve ser feito em conjunto”, pontua Eduardo.
É para isso que foi criado isso o Grupo Executivo Pró-Ciclista, coordenado por Laura Ceneviva, também funcionária da SVMA, e integrado por mais quatro secretarias (Infra Estrutura, Transportes, Esportes e Subprefeituras) e por dois órgãos de trânsito (CET e SPTrans). “Como a bicicleta não integra o repertório de experiências da prefeitura, criamos o grupo para fomentar uma transformação a seu favor. É importante que tudo esteja interligado e as responsabilidades sejam divididas”, explica Laura. “Acredito que as leis de 90 não foram pra frente porque eram responsabilidade apenas da SVMA. A gestão mudou e perdeu-se a continuidade”, justifica ela.
O Pró-Ciclista faz a análise para a decisão sobre a construção das ciclovias em São Paulo, um processo de muitas etapas. Vários fatores são avaliados antes de se decidir por “abocanhar” uma faixa dos carros, como explica Laura: “Analisamos a demanda do trânsito de bicicletas naquela região, a disponibilidade da via e seus níveis de engarrafamentos, os tipos de veículo que essa via comporta e a quantidade média de veículos/hora.” Se a via estiver saturada, esqueça a ciclovia. O papel da via no sistema geral de circulação é levado em consideração também. Se a via for um corredor que liga duas regiões da cidade, dificilmente terá uma ciclovia. É o caso da Avenida Juscelino Kubistchek, em São Paulo, que com a construção do túnel passou a fazer parte do corredor Norte/Sul da cidade.
Também é avaliada a topografia da região. “As rampas e ladeiras devem ser acessíveis para a média do público e não para atletas”, pondera Laura. E, por fim, se ainda assim houver a chance da ciclovia existir, ela deve ter uma conexão com o sistema de transporte coletivo, estar prevista no plano regional da subprefeitura e vinculada ao orçamento da mesma. Ufa.
Laura enfatiza que o foco do grupo é fazer da bicicleta uma alternativa para distâncias de aproximadamente cinco a seis quilômetros, complementando o transporte coletivo. Na visão dela, essa é a única maneira da magrela se tornar competitiva com os carros. “Nossa intenção é usar o potencial da bicicleta para pequenas distâncias e não criar um sistema viário duplo para a cidade”. A integração com o transporte coletivo é a bandeira empunhada pelo secretário Eduardo Jorge, da SVMA. “Ciclovias são difíceis e caras de se construir. A proposta mais segura e confortável são os bicicletários em trens e metrôs”, diz Jorge, jogando um balde de água fria nos ciclistas que sonham com uma cidade cortada por faixas exclusivas para suas magrelas.
Foi fiscalizando uma lei que obrigava shoppings a ter bicicletários no Rio de Janeiro que o ativista carioca José Lobo descobriu como contribuir para aquilo que para ele sempre foi um prazer. “A prefeitura não fiscalizava o cumprimento da lei, então abracei a causa. Eu ia nos shoppings, informava a administração que ele estava fora da lei e dava 30 dias para se ajustarem. Depois levava o relatório à prefeitura, que passou a fiscalizar, até que todos se adequaram”, relembra Lobo, que pedala desde 1990 e não se vê em outro tipo de transporte. Hoje o Rio de Janeiro tem a segunda maior rede de ciclovias da América Latina, com cerca de 140 km, contra xx quilômetros de São Paulo. “A opção por defender o uso da bike não significa esforço nenhum. Se cada um fizer o possível pelo que gosta, as coisas podem mudar”, insiste.
Essa, aliás, é a recomendação da maioria dos líderes de ONGs ligadas ao desenvolvimento da bicicleta como meio de transporte no Brasil. “A sociedade deve não só se organizar para cobrar e incentivar o poder público, mas também agir diretamente na cidade em que vive, convencendo o síndico do prédio a instalar bicicletários decentes e se organizando em grupos para reivindicar direitos e melhorias nas ruas”, cita Thiago Benicchio, ativista paulista que criou o blog Apocalipse Motorizado. “Precisamos passar por uma mudança de cultura. O cidadão precisa ser responsável e participante dos destinos de sua cidade”, afirma.
JÁ QUE CONSTRUIR UMA CICLOVIA parece ser mais difícil do que completar um Tour de France, resta aos ciclistas munirem-se de coragem e atitude, vestirem o capacete e assumirem seu espaço na cidade. Quanto mais bicicletas houver na rua, mais os motorizados se acostumarão com essa presença e mais respeitarão esse novo colega de sufoco.
Não precisa abandonar os motores de vez. Usar a bike em pequenos trajetos até o banco, a farmácia, a casa de um amigo ou o trabalho (se você não tiver que trabalhar de terno ou puder tomar uma ducha) já melhora um pouco a sua vida e o ar da cidade. E mesmo nos pequenos trajetos lembre-se sempre de pedalar com cautela, usar os equipamentos necessários e obedecer as regras de trânsito.
Quando você estiver na caranga ou na moto, pense que a bike que está à sua frente ou ao seu lado não é um estorvo, mas sim um carro a menos nessa infinidade de motores. Dê espaço para o ciclista e aguarde um momento seguro para ambos para fazer a ultrapassagem. Não esqueça de SEMPRE dar seta. Isso pode evitar um acidente em que o ciclista com certeza vai se dar bem pior que você. Dissemine essa atitude também aos outros motoristas para que cada vez mais a presença do ciclista nas ruas seja bem vinda. Se o problema for inveja (afinal, o cara tá de bike, com o vento na cara, e você cozinhando no trânsito), mande a bike que está encostada na sua casa pra uma revisão e entre para o movimento, mesmo que só de vez em quando!
Outra maneira de ajudar a bicicleta a ocupar seu território é aderir aos eventos promovidos pelas prefeituras e ONGs em todo Brasil. O Dia Mundial Sem Carro é celebrado mundialmente em 22 de setembro e em algumas cidades brasileiras é reconhecido como data oficial. Deixe o carro em casa pelo menos nesse dia e faça uma pressão (de leve) nos amigos e nos colegas de trabalho para que a iniciativa ganhe força. Já a Bicicletada – uma adaptação de um movimento gringo chamado Critical Mass (Massa Crítica), que acontece em mais de 200 cidades no mundo – é uma espécie de celebração ao transporte não motorizado em que a galera coloca a bike, os patins, o skate e qualquer veículo a propulsão humana nas ruas na tentativa de contagiar os motoristas inveterados. Por aqui, o evento é mensal e acontece em várias capitais do país. Consulte a data no site (www.bicicletada.org) e solte o freio para um futuro com menos máquinas e mais pessoas nas ruas.
CIDADES-EXEMPLO
Elas abraçaram a causa e só se deram bem:
AMSTERDAM – Falar que a Holanda, mais precisamente Amsterdam, é um exemplo de locomoção sustentável é óbvio. Mas o que poucos sabem é que eles já exportam seu know how para outros países. Instituições sem fins lucrativos como a I-Ce (www.cycling.nl) desenvolvem workshops em países em desenvolvimento, como o Brasil, treinando técnicos e especialistas em trânsito e urbanização nas soluções que foram vitoriosas por lá. Atualmente, quase 80% da população de Amsterdam têm bicicleta e cerca de um terço das viagens diárias é feita com esse meio de transporte, mesmo no frio. O índice de mortes relacionadas ao trânsito é cinco vezes menor que no Brasil. Mas isso não aconteceu da noite para o dia. Desde anos 70, a Holanda investe num sistema de tráfego que privilegia ciclistas e pedestres. Ciclovias cobrem praticamente a cidade inteira, com exceção das principais ruas do centro, onde pedestres, ciclistas, bondes e ônibus dividem as ruas. As crianças aprendem desde cedo noções de como usar a bicicleta nas ruas e as estações de metrô possuem estacionamentos para as magrelas.
BOGOTÁ – Enrique Peñalosa não será esquecido tão cedo pelo povo da capital da Colômbia. Prefeito entre 1998 e 2001, ele revolucionou os meios de transporte na cidade. Construiu 300 km de ciclovias, proibiu 40% dos carros de circular nos horários de pico durante os dias de semana e instituiu um dia por ano em que TODOS os carros são proibidos de sair da garagem. Além disso, as antigas avenidas deram espaço a praças e espaços públicos com o objetivo de tornar a cidade mais humana e democrática. Apesar de quase ter perdido o cargo devido à resistência da população, hoje essa mesma população aproveita essas mudanças: cerca de 400 mil pessoas vão ao trabalho de bicicleta. Na opinião de Peñalosa, o carro separa as pessoas, enquanto a bike as une. Atualmente ele divide sua experiência com outros governantes no mundo e incentiva centros como Nova York a adotar a cultura da igualdade de direitos para os cidadãos.
COPENHAGEN – Na capital da Dinamarca o processo não foi tão radical quanto na Colômbia. Nos últimos 40 anos a cidade vem se transformando para privilegiar a bicicleta como meio de transporte. São 320 kms de faixas para bicicletas, e as autoridades locais ainda não estão satisfeitos com os cerca de 30% da população que troca o carro pela bicicleta para ir ao trabalho. O objetivo é chegar em 40%, e para isso investem constantemente em melhorias para proporcionar aos seus habitantes uma ótima experiência na pedalada. Os táxis possuem rack para as magrelas e a cidade desfavorece o uso de carros, tornando os espaços para estacionamentos raros e caros.
UBATUBA – Com 79 mil habitantes e 70 mil bicicletas, a cidade do litoral norte paulista é pioneira no país. Desde 2005, está sendo implantado o Programa Cicloviário de Ubatuba, com mais de 35 quilômetros de ciclovias, ciclofaixas e linhas de bike na cidade. No final do ano passado, o prefeito Eduardo Cesar e o diretor de trânsito Ronaldo Lopes já comemoravam a redução de 40% no número de acidentes onde as novas ciclovias foram implantadas. A segunda fase do projeto, já em operação, consiste em “apertar” a fiscalização dos ciclistas infratores. No intuito de educar e garantir mais segurança à população, os ciclistas que não cumprirem as leis de trânsito terão suas bikes apreendidas e encaminhadas para o pátio da Secretaria de Segurança Pública, onde poderão ser posteriormente retiradas pelo dono. Está previsto também um plano de educação básica de trânsito nas escolas municipais.
ARACAJU – a capital sergipana recebeu em 2005 o prêmio concedido pela Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) e pela Associação Brasileira dos Fabricantes, Distribuidores e Importadores de Peças e Acessórios (Abradibi) como reconhecimento do projeto de ciclovias que vem desenvolvendo desde 2001. Em cinco anos, a extensão das ciclovias triplicou, chegando a quase 24 km de vias seguras e sinalizadas pela cidade. A prefeitura também construiu um bicicletário no Centro Histórico. O prêmio é concedido a cada dois anos e avalia as principais iniciativas de empresas e entidades que projetaram ou desenvolveram novas práticas e políticas em prol da mobilidade por bicicletas.
PEDALE A FAVOR
Para ser respeitado, é preciso respeitar (e estamos falando de tudo: leis, motoristas, motociclistas, carros e outros bikers) e saber como se portar nesse mundão de veículos fumegantes. Também é preciso ter a humildade de reconhecer que todos estamos sujeitos a acidentes, e usar os equipos de segurança necessários para proteger seu precioso corpo. A seguir, um guia das atitudes ciclisticamente corretas.
VAMOS NESSA
Primeiro, teste sua rota no fim-de-semana, para ter uma idéia do tempo e esforço envolvidos. Procure caminhos alternativos, com menos trânsito e menor velocidade dos carros. Por mais que este trajeto alternativo leve uns minutos a mais, vale a pena. A lógica da bicicleta não é a lógica do carro ou da moto. O objetivo é o deslocamento com qualidade, e não o acelera, pára, buzina e xinga dos motorizados. Fique de olho em atalhos e desvios que podem se abrir agora para você.
O VEÍCULO É VOCÊ
As leis de ciclismo variam de cidade para cidade, mas todas consideram as bicicletas veículos ou ditam que os ciclistas têm os mesmos direitos dos motoristas. Isso quer dizer que os outros motoristas devem considerá-lo como outro carro, e também que você precisa respeitar as leis de trânsito. Sempre sinalize com as mãos quando for dobrar uma esquina ou quando for seguir reto numa rua em que muitos carros viram à direita. Respeite as preferenciais (inclusive nas rotatórias) e agradeça as gentilezas dos motoristas. Isso reforça o comportamento bacana deles.
FALANDO NISSO
Se não houver uma faixa de ciclistas, fique do lado direito da pista da direita, a pelo menos meio metro do meio-fio (para ter uma “área de escape” e para forçar os carros a te ultrapassarem pela faixa da esquerda, em vez de te espremerem contra a calçada). Além disso, se você ficar muito perto da guia, qualquer desequilíbrio pode causar um tombo. Se a pista for estreita demais ou você estiver indo na mesma velocidade que o tráfego, sinta-se a vontade para pegar a pista para si. Tenha em mente que é muito fácil você “sumir” da vista do motorista por causa dos pontos “cegos” da coluna do carro. Certifique-se que você está visível ao motorista e fique sempre no meio da faixa ao passar por cruzamentos. Nas avenidas de mão única com faixa exclusiva para ônibus, a lei permite que você ande pela faixa ao lado. Fique a um metro dos carros estacionados. Você nunca sabe quando alguém abrirá uma porta de uma hora para outra.
NÃO, NÃO E NÃO
Não ande pela calçada. É lugar de pedestres e você já deixou de ser criança. Não atravesse a faixa de pedestres pedalando. Você deve descer da bike e empurrá-la ao seu lado. Não ande em zigue zague pelas ruas, em hipótese alguma. Não mude de pistas sem avisar (indicar com o braço). Não passe em semáforo vermelho. Mais da metade dos acidentes com bike ocorrem nessa situação. Você pode não ter tempo hábil para escapar de um motorista que passou no amarelo. Não tente medir forças com moto, carro ou ônibus. Você é o único que não tem motor. Não ultrapasse quem vai te ultrapassar lá na frente. Ultrapassar carros para que eles te ultrapassem no próximo quarteirão irrita os motoristas. Não use walkmans ou fones de ouvido. Estar atento aos sinais da rua é vital para sua sobrevivência
TRANQUE TUDO
Usar uma bicicleta deixa de ser econômico caso ela seja roubada, o que acontece com cerca de 50.000 ciclictas por ano nos EUA e na Holanda. Tranque sua magrela e equipamentos muito bem para não precisar se preocupar em como voltar para casa. Escolha um ponto bem visível e acorrente bem sua bike em alguma coisa segura que não possa ser removida e sobre a qual a bicicleta não possa ser erguida. Prenda a bicicleta em dois lugares: use uma trava ligando a roda da frente, o quadro e o lugar onde está prendendo tudo, e passe uma corrente com cadeado por ambas as rodas, o quadro, a trava e em volta de um objeto fixo. Nossas escolhas: O ONGUARD BRUTE STD ($72; onguardlock.com) e o NEW YORK CHAIN COM EV DISC LOCK da KRYPTONITE ($85; kryptonite.com). Não deixe a corrente muito frouxa. Isso deixa mais difícil para ladrões mexerem nelas.
EQUIPAMENTOS
Capacete não é coisa de “prego”, ao contrário: quem está por fora é aquele que não protege devidamente a cachola com um modelo certificado. Luvas não são indispensáveis, mas podem preservar um bife da sua mão no caso de um tombo. Óculos protegem contra ciscos que podem causar acidentes. As roupas devem ser claras, para que os motoristas te enxerguem. Luzes dianteiras e traseiras são essenciais, fundamentais, indispensáveis nos trajetos noturnos. Espelho retrovisor: é meio cafona, mas ajuda bastante no trânsito. Se optar por não usar, olhe sempre por cima do ombro antes de mudar de faixa ou virar uma esquina. Leve sempre um kit de reparo com câmara, bomba e chave allien, além de documentos e um telefone para contato em caso de emergência.
DIÁRIOS DE BICICLETA
Reflexões de um paulistano que trocou o carro pela magrela
Oito da manhã. Acordo disposto a enfrentar o lento trânsito paulistano. Mesmo com a Faria Lima mais parada do que de costume, eu estava tranqüilo. Sabia que de bicicleta eu chegaria a tempo.
Pedalando sossegadamente, em 15 minutos cruzo a Brigadeiro menos doce de São Paulo. Com um sapatênis nos pés, e uma camisa social e um jeans na mochila, não foi difícil arranjar um banheiro para lavar o rosto, mudar de camisa, trocar a bermuda pela calça. Em dois minutos estava como se tivesse acabado de sair do carro com ar-condicionado, só que mais acordado e menos estressado.
Me arrependo de não ter ido mais vezes pedalando pra faculdade na Vila Mariana, quando ainda morava em Pinheiros. Eram 30 minutos para ir e 25 minutos para voltar. Cheguei a demorar 1h30 atrás do volante, apenas mexendo os pés entre acelerador e embreagem, em pleno pôr do sol.
Bike não pega fila no sinal fechado, não paga estacionamento nem polui o meio ambiente. Carro consome gasolina, óleo, água e paciência. Acho que só não temos mais bikes nas ruas por pré-conceito. Tem gente que acha que “pega mal” ir ao trabalho pedalando. Que chegariam suados e avoados. Que cansa muito.
Em metrópoles de primeiro mundo, executivos vão trabalhar, donas de casa vão às compras e estudantes vão à escola diariamente com suas magrelas. Em Amsterdã, 70% da população possui uma bicicleta e a utiliza. Por esse motivo, seus governantes se viram obrigados a criar ciclovias decentes, semáforos inteligentes e grandes estacionamentos só para bikes.
É uma pena a previsão de que o número de carros da China irá dobrar em 20 anos. Me dava uma felicidade enorme ver na TV aqueles milhares de chineses pedalando nas ruas de Xangai. Ainda vai chegar o dia que sinal de progresso será o congestionamento de bicicletas na Paulista e não o número de carros vendidos por ano. Enquanto isso, tome coragem e vá de bicicleta. Você verá que não é nenhum bicho de duas rodas.
Francisco Boggio, 28 anos, é publicitário e há anos abraçou a bike como seu transporte preferido.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2007)
MAR DE CARROS: Bem equipado, ciclista curte o sol da manhã enquanto motoristas se amontoam no trânsito
JOGO DOS SETE ERROS: Na verdade são três. Flaframos nosso biker pedalando na faica de pedestres e o "ciclista gasparzinho" fazendo o mesmo e sem capacete
PAU A PAU: As ruas podem e devem ser compartilhadas por motoristas, motociclistas e ciclistas. Em pequenos trajetos as bikes só perdem para as motocas