Surf na terra


PRIMEIRA BATERIA: Felipe Preto sai na frente de Fábio Lopes na primeira bateria do boardercross

Por Tomaz Cavalieri
Fotos por Cristiano Costa

NUM SÍTIO PRÓXIMO AO MUNICÍPIO DE MONTEIRO LOBATO, em plena serra da Mantiqueira, 26 amantes do mountainboard encaravam felizes a subida lamacenta do morro. Após uma noite inteira de chuva fina, o sol apareceu entre as nuvens e deixou a pista – uma das poucas dedicadas exclusivamente à modalidade – em perfeitas condições para o campeonato. Era só travar os pés na prancha e acelerar montanha abaixo.

O Recando do Sauá costuma receber tropeiros da região e mantém uma grande área de reflorestamento de eucaliptos, onde a pista foi moldada ao longo de cinco meses pelas enxadas e calos nas mãos dos atletas Fábio Lopes, Eduardo Gimenes e Rodolfo Bazetto, de São José dos Campos (SP). Apenas alguns atletas haviam testado o rolê, por isso era grande a expectativa com a estréia oficial dos 500 metros de descida.

O trio pesquisou o local, idealizou o traçado e botou a mão na massa, ou melhor, na terra, para criar um percurso que desafiasse os competidores. Agora os praticantes do mountainboard têm mais uma pista oficial, além das já existentes em São Roque (SP), Visconde de Mauá (RJ), Barra do Ribeiro e Porto Alegre (RS) – pouquíssimas opções para um país com o potencial do Brasil. Enquanto engatinhamos no esporte, no exterior já são 15 países que participam do World Series, da European Cup (que reúne ingleses e italianos) e do USA Open, provas que atraem cada vez mais profissionais do skate off-road.

Na pista do Sauá, a largada já assusta. Lança o atleta em um gap de um metro, seguido de duas curvas que antecedem uma descida forte e reta até uma mesa, que lança o competidor para o alto. Em seguida vem um platô com várias “costelas” que exigem ginga para manter a velocidade e alcançar o trecho final da pista: uma seqüência de sete curvas até a chegada. A segunda curva é a mais veloz, e por isso foi construído um paredão de madeira em sua lateral para aumentar a segurança dos atletas – o que não impediu vôos espetaculares durante a prova.


FILÚ: André Felipe, campeão no boardercross

Nos treinos, o desafio era acertar a velocidade nas curvas, a calibragem dos pneus e a regulagem dos carrinhos para atingir a melhor performance. Com a lama nos pneus, os boards perdiam velocidade e na seção mais plana muitos atletas tinham que “remar” com um pé para continuar a descida. Como a dificuldade era emendar a pista sem precisar dar impulso e dominar a prancha em cada trecho, a saída foi treinar a descida em etapas.

Aos poucos, o terreno secava e a adrenalina aumentava. Na primeira descida em linha reta, alguns chegaram aos 40 km/h. Já nas curvas, os tombos foram um espetáculo à parte. Esse trecho com certeza definiria o campeonato. A única maneira de desacelerar o skate é com um slide – quando o atleta desliza com o board de lado, e não de frente –, já que nas provas não é permitido o uso dos freios que podem ser instalados na pranchinha.

O PRIMEIRO MOUNTAINBOARD FOI CRIADO EM 1993 nos Estados Unidos, adaptado por snowboarders que queriam continuar descendo as montanhas mesmo no verão. A prancha é semelhante à utilizada na neve, com travas nos pés, e os pneus foram especialmente projetados para terrenos off-road. Hoje existem cinco fábricas de mountainboard no mundo, colocando cada vez mais shapes nos pés da galera. No Brasil o esporte existe desde 1997, e a em 2003 começou a se popularizar em diversos estados. Por aqui, as marcas Local Trip, Skator, Dropboards e TerranoBoards disputam o gosto dos atletas.


GIMENES: Eduardo Gimenes, o campeão do downhill e um dos construtores da pista

Muitos praticantes vieram do surf, skate, snowboard ou sandboard, e alguns até da bike downhill. As características do esporte unem as sensações de todas as outras modalidades. Para um dos pioneiros do Brasil, o surfista carioca Paulo Solon, 42, “o mountainboard permite surfar em qualquer terreno”, o que revela o conceito da prancha off-road. Outro veterano, o skatista porto-alegrense Sérgio Marreta, 52, foi um dos primeiros a desenvolver a versão nacional do board. Ele lembra que em 1997 andava de skate pelas ruas de Porto Alegre com seus filhos e amigos quando uma chuva interrompeu o rolê. A galera não se conformou e resolveu desenvolver um skate capaz de andar no asfalto molhado. No domingo seguinte, Marreta estreava o seu “rainboard”, um skate adaptado com rodas de bicicross. A partir daí ele desenvolveu outros modelos, até chegar ao atual Skator. O grande barato é a versatilidade do esporte. Pode ser praticado em gramados, pistas de mountain bike downhill, estradas de terra, na praia com pipas de kite, velas de windsurf e tow-in.

NESTA SEGUNDA ETAPA DO CAMPEONATO BRASILEIRO de 2007 rolaram as modalidades downhill e boardercross dual, ambas subdivididas nas categorias expert, master e feminino – esta última disputada por duas competidoras, Mariana Magalhães, a Mana, de Belo Horizonte (MG), e Alyne de Godoi, a Baiana, de Cotia (SP).

Cada competidor tinha apenas uma descida para marcar o menor tempo. Em seguida foram montadas as chaves para as descidas eliminatórias em duplas do Boardercross Dual. Foi aí que o bicho pegou. Durante os treinos, os atletas desciam sozinhos, ninguém treinou descida em dupla. Como a pista não é muito larga (comporta apenas dois atletas, lado a lado), ir junto morro abaixo acabou rendendo boas trombadas e capotes.

Um dos criadores da pista, o Edu Gimenes, levou a melhor no Downhill, registrando o primeiro recorde com 44s17. André Filú, de São José dos Campos, venceu no boardercross. A segunda colocação ficou com o paulista Felipe Preto, que quase se acidentou ao decolar na rampa de madeira, estacionando no tronco de algumas árvores. Mesmo assim, encarou a descida até o final. A terceira posição ficou com Thiago Solon, de 14 anos, uma das promessas no esporte. “Parece que a prancha foi feita pra ele”, afirma o visionário Marreta. Gimenes já vê um futuro para o point do Sauá: “A gente quer expandir a pista, criar um espaço para manobras freestyle, realizar encontros e dias de treinamento para atrair mais atletas”. E Rodolfo prepara um tour de atletas gringos aqui no Brasil. Quem tiver sangue nos olhos – ou, como diz a galera do mountainboard, terra nos olhos – é bem-vindo.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2007)