É a mãe!


MÃO DUPLA: Maria e Andrea, parceiras de tow-in e amigas de longa data

Por Cesar Calejon

IMAGINE A SUA MÃE SURFANDO a base de uma onda do tamanho de um prédio de oito andares. É exatamente isso que fazem Andrea Moller, 27, e Maria Souza, 37, big-riders e parceiras no tow-in. As brasileiras são mães dos pimpolhos Keala, 3 anos, e Bela, 11 anos, respectivamente, moram na ilha de Maui, no Havaí, e suas performances em ondas gigantes são tão impressionantes que viraram o documentário recém-lançado na Europa Extreme Moms (mamães radicais), feito por Robby Seeger. As filmagens, realizadas pela produtora européia Rebel Mídia, duraram dois meses e mostram não só a batalha das meninas como atletas, mas as dificuldades em conciliar a rotina de surfista com a de donas de casa.

Andrea e Maria começaram a surfar ainda adolescentes, a primeira em Ilhabela (SP) e a segunda no Recife (PE). Maria participou do primeiro campeonato quando tinha 13 anos, com uma prancha emprestada. No inverno de 2000 para 2001, já morando no Havaí, ela conheceu o ex-namorado Laird Hamilton bem quando o tow-in começava a nascer, pelas mãos do próprio Laird. "Caíamos no mar sem colete salva-vidas e com pranchas enormes. Era tudo muito experimental”, relembra.

Foi nessa época e no Havaí que Andrea – indicada ao Billabong XXL Global Big Wave Awards 2007 na categoria mulher mais “atirada” em ondas grandes – conheceu Maria e se jogou de cabeça no tow-in. Estava formada a primeira dupla feminina da modalidade. Em 2003, elas compraram um jet-ski próprio para ajudar na busca pela “onda perfeita”. Maria já havia sido a primeira mulher a fazer tow-in em Jaws, a meca da modalidade no mundo. No último dia 6 de abril, Andrea foi a primeira mulher a surfar em Jaws na remada, ou seja, sem o auxílio de jet skis.


AUTO-SUFICIENTE: Andrea cava Jaws, onde se tornou a primeira mulher a surfar só com a força dos próprios braços

“Eu acordei cedo e vi que o swell já tinha subido. O Iuri Soledade [um big-rider tarimbado] me apoiou na idéia e foi comigo. No começo, sentei na prancha e o observei surfar durante algum tempo. Vi como ele pegava algumas ondas e tentei fazer igual. Remei para uma bomba e fiz um drop reto, meio sem controle, ainda nervosa. Passaram algumas séries, peguei mais umas e comecei a curtir. Teve uma esquerda muito boa, lisa e gigante, deveria ter quatro vezes o meu tamanho”, conta. “Também fizemos uns três drops juntos e tomamos umas na cabeça. Depois de duas horas e meia, levei o pior caldo do dia, que quebrou a minha cordinha e levou a minha prancha para as pedras. Uma série de quatro ondas passou por cima de mim. Depois do susto, voltei de jet para as pedras e observei o Iuri surfar as últimas do dia. Estas foram as minhas maiores ondas na remada”, lembra Andrea.

Maria e Andrea são tão parceiras que até concordam nas preferências. “Não gostamos de competir no surfe, pois este é um esporte de livre expressão e não de competição. Ninguém é melhor ou pior. Somos todos artistas apaixonados pela dança do oceano”, explica Maria. Uma dança seriíssima, afinal as tais ondas chegam a atingir 20 metros de altura e os “artistas” precisam realmente saber o que fazer para não dançar, no sentido macabro da palavra. Surfar águas poderosas envolve riscos que crescem na mesma proporção da disposição do atleta.

A situação mais casca-grossa que Maria passou até hoje aconteceu em Sunset, na ilha de Oahu (Havaí). “Vi uma série monstruosa, com seis ondas, já quase quebrando na minha frente. Remei como uma louca para pegar a primeira. Foi o drop da minha vida. Quando me direcionava para não cair no canal, uma onda explodiu atrás de mim, me jogou pra frente como uma bala e depois me pegou. O caldo foi tão violento que desfez a minha trança e quando cheguei à superfície o meu cabelo, comprido até a cintura, entrou garganta abaixo. Foi show de horror! Cortei ele curtinho depois”, lembra Maria.

Ser um big rider é exatamente isso: saber administrar situações assustadoramente extremas – que fariam a maior parte dos seres humanos entrar em desespero – e depois transformá-las em aprendizado. Apoiados na máxima da física quântica, que diz que “que o Universo sempre corresponde à natureza da alma”, os big riders costumam afirmar que dropar ondas grandes é uma lição valiosíssima de vida, que conduz à paz de espírito. “Eu já pensei que posso morrer no mar e isso não me dá pânico. O que eu sinto é uma paz imensa. Já entreguei a minha vida uma vez. Vi o túnel de golfinhos dourados, revi os momentos felizes passarem como numa tela, mas não era a minha hora. Caso de fato isso aconteça um dia no mar, para mim vai ser uma passagem feliz”, conclui Maria.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2007)