Por Mariana Mesquita
LOCALIZADO NO OCEANO ÁRTICO, no extremo norte do planeta, o Polo Norte é um imenso playground da aventura. Poucos são os que suportam as rajadas de vento de mais de 70 km/h e as temperaturas de 35°C negativos da região – mas quem se arrisca por lá conquista o respeito do universo outdoor. Os dois amigos espanhóis Paco Acedo e Jesús Noriega se preparam para cravar seus nomes nessa restrita lista, porém de uma maneira ainda mais dura. Em abril do próximo ano, a dupla não irá apenas percorrer de esqui os 200 quilômetros que separam a base russa de Borneo do polo norte geográfico da Terra como realizará mergulhos nas gélidas águas encontradas pelo caminho. Batizado de Subpolar 90°, o novo projeto também pretende colaborar com pesquisas científicas ao coletar material durante o trajeto, que depois será analisado por estudiosos preocupados com as mudanças climáticas.
A expedição começou a ser planejada em 2012. Naquele ano, Paco – um mergulhador de 37 anos fissurado pelas regiões geladas e dono de uma escola de mergulho em Córdoba, na Espanha – havia acabado de voltar de uma temporada na Antártica e realizava palestras sobre essa viagem. Durante uma delas Paco conheceu seu atual parceiro de aventuras. Jesús é outro apaixonado por esportes ao ar livre. E, apesar ter nascido sem uma das mãos, já esquiou 200 quilômetros até o Polo Sul ao lado de dois outros atletas com deficiências físicas e se prepara para competir no paratriatlo dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Os dois só precisaram trocar meia dúzia de palavras para perceberem a vontade comum de “aproveitar a vida intensamente”. Concluíram que mergulhar nas águas geladas e isoladas do Polo Norte seria uma bela maneira de fazer isso.
Paco tem consciência do quanto a expedição é perigosa. “Em uma de minhas idas à Antártica, em 2011, fui atacado por um leopardo-do-mar, um animal bem típico daquela área”, diz Paco, referindo-se à segunda maior espécie de foca daquelas bandas. Cuidados extras deverão ser tomados para evitar encontros inesperados com os “reis do Ártico”, como são conhecidas as baleias-branca e as baleias-dentada. Paco explica que não existe uma regra de onde se deve mergulhar, mas, por questões de segurança, o passeio dos espanhóis não pode passar dos 35 metros de profundidade, nem ter mais de 30 minutos de duração. A dupla usará um cilindro de oxigênio apoiado na parte da frente do corpo para facilitar os movimentos e também ajudar no equilíbrio. Para se protegerem do frio, vestirão roupas de neoprene e camisetas equipadas com pequenas baterias para aquecer o corpo. “A verdade é que não sabemos o que vamos encontrar debaixo da água, então faremos de tudo para diminuir os riscos. Ainda assim é impossível evitar imprevistos.”
Desde 2012, a dupla treina pesado para o desafio em outras áreas geladas do mundo, em pequenas expedições de preparação para a Subpolar 90°. Em março deste ano, por exemplo, eles foram com seus esquis da Finlândia até a Suíça pelo Mar Báltico, que se localiza no nordeste da Europa e que costuma ficar congelado no inverno. A expedição, batizada de Crossing the Ice (Cruzando o Gelo) percorreu 200 quilômetros (60 quilômetros a mais do que o planejado), divididos em 12 dias de aventura. O que eles menos esperavam, porém, aconteceu: a temperatura subiu, derretendo o gelo do caminho. “O Mar Báltico testou nossa determinação. O tempo nos obrigou a mudar de rota por mais de quatro vezes. Em um dos piores momentos, ficamos saltando de um bloco de gelo para o outro para evitar cair na água”, lembra Paco, que se tornou a primeira pessoa a mergulhar na região. Essa última viagem impressionou até mesmo esse experiente espanhol que, nos últimos dois anos, realizou mais de 30 mergulhos no Mar Branco, na Sibéria, e chegou a viver 45 dias em Siorapaluk, o povoado mais setentrional do mundo, localizado no norte da Groelândia.
Até abril de 2015, a dupla ainda quer cruzar a Groelândia, indo do norte ao sul dessa ilha autônoma pertencente à Dinamarca. “Ainda não temos os detalhes dessa próxima viagem, mas será como as outras: nós carregaremos nossa própria bagagem e misturaremos mergulhos com esqui por lugares nunca antes explorados”, conta Paco, que costuma levar 70 quilos de equipamentos. No site oficial do Subpolar 90° (subpolar90.es), os espanhóis explicam que a viagem também vai colaborar com pesquisas científicas para alertar sobre as consequências do aquecimento global na região. “É a nossa chance de filmar e registrar tudo o que encontrarmos para ajudar os especialistas a detectarem o que realmente está ocorrendo por lá.”
Apesar dos riscos assumidos, para eles a sensação de estar no Polo da Terra faz tudo valer à pena. “Não existe cena mais impressionante do que ver o sol tocar o gelo”, diz Jesús.
Imensidão branca
Como será a expedição Subpolar 90º
> O TRAJETO: Os dois amigos percorrerão 200 quilômetros com seus esquis da base russa de Borneo até o Polo Norte
> A FRIACA: A sensação térmica do lugar bate nos 50ºC negativos, enquanto a temperatura da água fica em 3ºC negativos
> OS MERGULHOS: Por questões de segurança, o mergulho não pode passar dos 35 metros de profundidade ou dos 30 minutos de duração
> OS PERIGOS: As baleias-branca e as baleias-dentada, conhecidas como os “Reis do Ártico”, são comuns na região
> A MOCHILA: Cada um deles carregará 70 quilos de equipamentos
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2014)
HAJA CORAÇÃO: O espanhol Paco mergulha com uma baleia-branca na Sibéria
DUPLA DE PESO: Cenas da expedição de Paco e Jesús pelo Mar Báltico, em março deste ano
DUPLA DE PESO: Cenas da expedição de Paco e Jesús pelo Mar Báltico, em março deste ano