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DE PERNAS PRO AR: Dani Andrada mostra por que é um escalador revolucionário

Por Mario Mele
Fotos por Marcio Bruno

A HISTÓRICA OURO PRETO, em Minas Gerais, sediou pelo segundo ano consecutivo, numa iniciativa dos gêmeos Thiago e Matheus Veloso, um grande encontro dos apaixonados por escalada. Foi o Festival OuroBoulder, que durante um fim de semana (desta vez nos dias 14 e 15 de julho) reuniu 125 atletas de nove estados brasileiros, além de alguns europeus e norte-americanos.

Entre os gringos, havia um convidado ilustre: Daniel Andrada. Muito aguardado, o espanhol completou 32 anos de idade nos blocos do morro São Sebastião, bairro no limite urbano de Ouro Preto, onde aconteceu o evento. Atualmente, Daniel desencanou das competições, às quais se dedicou por mais de 16 anos, período suficiente para se tornar um verdadeiro colecionador de títulos: campeão mundial de velocidade, heptacampeão espanhol de dificuldade e tricampeão internacional de boulder, entre outros. Hoje, ele tem o patrocínio de algumas marcas especializadas, que bancam ele para “apenas” viajar o mundo e abrir novas vias de escalada. Esta foi a primeira vez que Dani veio ao Brasil. “Pretendo voltar, ficar mais tempo e conhecer outros lugares. Tenho certeza que este país ainda tem muitos paredões para serem explorados”, disse, entusiasmado.

Quem ainda não conhecia as rochas de Ouro Preto ficou admirado com o potencial que a cidade tem para a prática do boulder – modalidade em que o atleta escala lances curtos, de até quatro metros, mas que exigem técnica e força descomunais. O morro São Sebastião é o point do boulder em Ouro Preto. Por mais de vinte anos funcionou ali uma pedreira, que recentemente teve suas atividades embargadas pela prefeitura. Sobraram grandes pedras semidestruídas, espalhadas num local que equivale a aproximadamente um quarteirão. Hoje, graças aos pioneiros do pico (os escaladores Moreno Teixeira, Fernando Magooo e os irmãos Veloso) elas ganharam até nome. O lugar que antes parecia estar jogado às traças, agora hospeda os blocos “Doce de Leite”, “Conceição”, “Chiclete”, “Sonar” e “Tô de Boa”, entre outros. Todos esculpidos por dinamites.


LAGARTIXAS: Belê desafia a gravidade para vencer os boulders de Ouro Preto

AO CHEGAR NO OUROBOULDER, Dani primeiramente inspecionou o local com uma detalhada leitura das rochas – uma habilidade tão necessária a um bom escalador de boulder quanto os músculos bem preparados e a disposição para cair muitas vezes, contando apenas com os amigos e o colchão para amortecer a queda. Em seguida, já com a sapatilha nos pés e os dedos devidamente preparados com esparadrapo e pó de magnésio, enfim mostrou a que veio. Executou seus projetos (como são chamadas as táticas de subida ao boulder) e falou sem parar com os outros escaladores.

Até às mais minúsculas imperfeições na rocha o espanhol se agarrava. Hábil e fisicamente na “ponta dos cascos”, ele mostrou que não é por acaso que ainda é considerado o melhor escalador de boulder do mundo pelos veículos especializados. “Acredito que o grande desafio desse esporte seja a resistência”, disse, quando perguntado sobre seu segredo. Na coletiva, ele admitiu que nos últimos cinco anos apenas a escalada faz parte de sua rotina de treinos, e chegou a causar espanto ao afirmar que a musculação é uma atividade completamente dispensável aos escaladores. Mas vindo de alguém que desde os 12 anos trepava nos muros da vizinhança de seu bairro em Madri, fica fácil de entender.

No encontro de Ouro Preto, Dani visualizava um projeto e logo lançava o desafio a todos. Obviamente, só os mais experientes peitavam. O campeão brasileiro de 2004 André “Belê” Berezoski, o líder do ranking brasileiro de escalada esportiva César Grosso, o campeão sul-americano juvenil de 2006 Felipe Camargo, o campeão mineiro Jean Oriques e a campeã brasileira Janine Cardoso colaboraram para que o nível do OuroBoulder se mantivesse bem elevado. Jean abriu um projeto cotado em v12 – a escala de dificuldade do boulder vai do v0 ao v15. Belê, César e Matheus mandaram outro projeto casca, graduado em v11. Simultaneamente, o “professor” ia dando alguns toques e motivava a galera com seus gritos de incentivo: “Venga! Vamos!”

Apesar de contar com poucos recursos de patrocinadores e com pouca estrutura, o Festival de Boulder de Ouro Preto conseguiu se firmar como um grande acontecimento já em sua segunda edição. Ao que tudo indica, seguirá os passos de seu semelhante: o Ubatuboulder, um encontro nos mesmos moldes do festival mineiro, que aconteceu também em julho, pela quinta vez consecutiva, na praia Vermelha, em São Paulo.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2007)