Livre para voar


TRÊS E JÁ: Yuri (de branco) no mundial na Noruega (FOTO: Marius Beck Dahle)

O brasileiro Yuri Cordeiro prefere não viver em terra firme: quando não está pilotando um helicóptero, pode ser encontrado voando de wingsuit – esporte no qual se consagrou vice-campeão mundial neste ano

Por Mario Mele.

AS ATENÇÕES ESTAVAM VOLTADAS para a Copa do Mundo de futebol quando o brasileiro Yuri Cordeiro consagrou-se vice-campeão mundial de wingsuit, em uma etapa disputada na Noruega. Apesar de abraçar um feito inédito para o país, ele não ficou totalmente satisfeito com a conquista. “Demorei para digerir minha derrota na final, foi difícil acreditar que o sonho tinha acabado”, diz o brasiliense de 39 anos. A experiência havia pesado a favor do norueguês Frode Johannessen, que aos 50 anos é um dos mais antigos base jumpers ainda em atividade e dono de cinco títulos mundiais.

Uma prova de wingsuit é quase como uma competição de cem metros rasos do atletismo: após um sinal sonoro, dois atletas saltam lado a lado, e o primeiro a cruzar a linha de chegada, demarcada no chão, vence. Para medir os tempos, são utilizados equipamentos de altíssima precisão, que constataram que Yuri chegou apenas 13 centésimos de segundo atrás de Frode.

“Na hora da largada, fiquei preocupado porque ventava muito, e isso desviou um pouco meu foco”, diz Yuri, que graças ao bom resultado obtido na Noruega conseguiu uma vaga para outro tradicional campeonato internacional promovido pela World Wingsuit League, que acontecerá em outubro, na China. Pela primeira vez na história um brasileiro competirá nesse evento. A seguir, Yuri fala de sua trajetória no wingsuit e de como planeja alçar voos cada vez mais altos e velozes.


VOAR É PRECISO: Yuri satisfeito com mais um voo; abaixo, Kombi na qual viajou pela Europa (FOTO: IRENE LISLIEN)

Profissão versus esporte

“Sou piloto de helicóptero e trabalho voando para plataformas de petróleo. Como a minha escala de trabalho é pouco convencional (15 dias de trabalho seguidos de 15 dias de folga), tenho facilidade em arrumar tempo para treinar e viajar. O máximo que consigo passar sem voar de wingsuit são duas semanas, exatamente o tempo em que estou trabalhando.”

Primeiros voos

“Comecei a saltar de paraquedas em 1994, aos 19 anos. Em 1999, no início da minha carreira como piloto, tive que diminuir bastante a frequência de saltos até me adequar à nova realidade – em termos de tempo e dinheiro. Só em 2008, de volta ao paraquedismo, é que descobri o base jump, por meio de um amigo. E, no ano seguinte, fui à Europa aprender a modalidade de verdade.”

Evolução no ar

“Meu foco é a Europa. No Brasil, não há muitas montanhas – meu local preferido para saltar – boas para o base jump. Em 2009, fui à Itália, onde fiz meus primeiros saltos e, em seguida, à Suíça. Desde então, viajo para a Europa todos os anos, às vezes até mais de uma vez. Já meu primeiro voo de wingsuit foi na Noruega, em 2011, depois de já ter alguma experiência no base jump.”

Segurança e foco

“Tenho como filosofia nunca dar um passo muito grande. Se a dificuldade que estou adicionando a cada salto for razoável, o estresse pode ser controlado. Mas claro que há momentos difíceis, que exigem total autocontrole. Nessas horas, tento ser racional. Converso comigo mesmo e digo: ‘Não ligue para o medo porque está tudo indo bem’. Aí eu relaxo. O wingsuit é um esporte novo, e muitas coisas ainda estão sendo descobertas. Na aviação, aprendi muito sobre segurança de voo e gerenciamento de riscos e aplico isso no meu esporte. Sei, claro, que faço parte de uma modalidade diferente – nunca perdi tantos amigos como nos últimos anos, e isso é triste. Tenho certeza de que todos esses caras que se foram gostariam que nós não parássemos de saltar.”

Sufocos e perrengues

“Por falta de técnica e conhecimento, uma vez me vi em uma situação em que meu paraquedas abriu com as linhas enroladas [incidente conhecido como line twist]. Acabei pendurado em uma árvore. Saí sem nenhum arranhão, mas poderia ter me machucado seriamente. Na verdade, o maior perrengue que passei na vida foi escalando: caí de quase dez metros de altura e fiquei um mês sem andar.”

Recompensa divina

“Graças ao wingsuit, viajo bastante e conheço lugares incríveis, quase sempre com uma natureza inacreditável. Também tenho amigos em toda parte do mundo. E, juntos, saltamos em vários lugares e podemos viver culturas diferentes. Para mim, isso tem um valor inestimável.”

Ídolos do esporte

“Admiro diversos pilotos de wingsuit. Acho que, nesse quesito, trata-se um esporte parecido com o surf: pode haver um campeão mundial, mas outros atletas são igualmente admirados. Na minha opinião, o croata Robert Pecnik é um gênio, um pioneiro do wingsuit, que fabrica as melhores ‘asas’ [através de sua marca Phoenix-Fly] e se mantém como atleta de ponta. Outro cara surpreendente é o norueguês Jokke Sommer, um fenômeno mundial que tem um estilo que é, ao mesmo tempo, agressivo e fluido.”

Estresse na competição

“Estou acostumado a agir sob pressão. Aos 8 anos de idade, comecei a jogar tênis e era uma cobrança absurda. Eu me dedicava muito aos treinos, porém sofria nas competições por querer sempre ter um bom resultado. Com o passar do tempo, aprendi a gostar de competir: sei como encontrar foco para dar o meu máximo, e o jogo mental contra adversários se tornou um aditivo que me empolga e estimula.”

Aposentadoria dos céus

“Esta é uma questão simples para mim: se um dia eu perceber que não estou mais a fim, vou parar. Não decolarei de uma montanha se eu não desejar muito fazer isso.”


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2014)







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