Cartões-postais


DESERTO: Os corredores do Abu Ghabi Adventure Challenge precisaram de GPS para se locomoverem no deserto

Por Fernanda Franco

VOCÊ VIAJARIA PARA A ILHA DE GUADALUPE, NO CARIBE, ou para Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, para passar as próximas férias? Talvez não. Mas se você ouvisse as histórias dos atletas de aventura que correram nesses lugares, talvez mudasse sua opinião. Foi com essa intenção que os governos de Guadalupe e Abu Dhabi organizaram em dezembro duas corridas de aventura um tanto quanto exóticas, ambas com participação brasileira.

As nove ilhas caribenhas que formam Guadalupe são territórios franceses, sendo que as duas principais são Base-Terre (a capital) e Grande-Terre. A região é uma fartura de belezas naturais, com praias de mar azul-turquesa, vulcões e florestas, onde a principal atividade comercial é o turismo. Decididos a concorrer com outros destinos caribenhos, o governo local decidiu usar a corrida de aventura como uma espécie de cartão-postal da ilha, promovendo a primeira edição da IGWA Iles Guadeloupe Aventure. Orientados por uma empresa internacional de eventos com foco em esportes e aventura, os governantes convidaram trinta duplas de outros países para vivenciarem, durante sete dias, experiências neste ainda desconhecido paraíso tropical, com a intenção de que os visitantes virassem depois uma espécie de embaixadores do destino.

Todas as despesas foram pagas pelo governo, como transporte, inscrição e estada na ilha durante a prova. Em contrapartida, não houve premiação. Para participar era necessário ter algo a mais do que tempo, vontade de passar uma semana numa ilha e ser corredor de aventura. “Além da experiência em corridas de aventura, selecionamos as equipes de acordo com a nacionalidade e o potencial delas para aparecer na mídia. Um time forte que não oferecesse um retorno de imprensa perdia a preferência em relação a um ligado a uma operadora de atividades ao ar-livre ou à mídia”, explica a organizadora da prova, Vanessa Baciocchi. Aliás, cada dupla levou à ilha uma equipe de imprensa do seu país de origem – uma exigência da organização para garantir a divulgação.

Outra particularidade do evento estava presente nas modalidades esportivas. Convencida de que a oportunidade de mostrar tudo que o país oferecia era única, a organização abusou da criatividade propondo disputas com surf, windsurf, snorkeling, costeira, técnicas verticais, canoagem, trekking, golf, canoagem e uma espécie de gincana com perguntas sobre a cultura local.

As brasileiras Silvia Guimarães, a Shubi, e Fernanda Maciel, ambas da equipe Atenah Natura, fizeram a lição de casa antes de embarcar para Guadalupe, o que permitiu a elas pontuarem em esportes que aqui nunca fazem parte das provas. “Fizemos duas aulas de windusrf e lá conseguimos dar várias voltas nas bóias, mesmo com vento desfavorável. No surf, conseguimos usar a estratégia de pontuação, que variava entre pegar a onda de peito, de joelho ou de pé”, relembra Fernandinha. “Só não nos demos bem no golf. Arrancamos grama, mas não acertamos a bolinha”, ri Shubi. As duas também pesquisaram sobre a cultura local e responderam questões sobre culinária, história e tradições. “As perguntas eram difíceis. Ainda bem que a Shubi falava francês para pedirmos ajuda aos locais. Algumas nem eles sabiam”, conta Fernandinha. No fim, elas trouxeram o primeiro lugar na categoria feminina, o quarto na geral e aquelas histórias maravilhosas sobre o lugar que te fazem, pelo menos, ter a vontade de procurar o arquipélago no mapa.


IMENSIDÃO: A prova das Ilhas Guadalupe reuniu atividades técnicas e culturais

ALGUNS DIAS DEPOIS DA AVENTURA NO CARIBE, a equipe paulista Selva embarcava para a capital dos Emirados Árabes, seduzidos pelo mistério do Oriente e por percorrer o deserto guiando dromedários. A equipe foi para a primeira edição do Abu Dhabi Adventure Challenge como quem esfrega a lâmpada do gênio em busca da realização de um desejo: “Lemos a notícia sobre a prova e o Chiquito brincou que podíamos tentar participar. Contatei a organização 15 dias antes da largada e em seguida ela nos deu a resposta. Teríamos apoio financeiro total com a condição de corrermos com o nome da maior empresa de petróleo do país como patrocinadores”, conta o capitão Marcio Campos, que incorporou a marca ADCO ao nome da equipe.

Um dos países mais ricos do mundo – com sheiks, hotéis de ouro e tudo o que uma das maiores reservas de petróleo do mundo pode comprar – reservava aos atletas a excelente premiação de 200 mil dólares, dividida entre as trinta primeiras colocadas. Detalhe: como largaram 26 equipes, 2 mil dólares já estavam garantidos para quem completasse a prova. Já o ganhador teria um Natal bem gordo, com 40 mil dólares a mais no bolso. Além dos brasileiros, equipes de ponta do mundo inteiro – como Salomon, Nike, Wilsa Hellyhansen, Buff e Orionhealth.com – adiaram o fim da temporada de corridas para embarcarem para o deserto. Além da Selva, somente a Buff conseguiu um patrocínio integral.

Fundado há menos de quarenta anos como país, os Emirados querem descobrir formas alternativas de renda, como o turismo e o desenvolvimento de energias renováveis, e para tanto convidou o experiente organizador de provas Lotta Richter (do Raid Galouises e do Salomon XA Raid Series) para comandar o Abu Dhabi Adventure Challenge. “Junto com o departamento de turismo de Abud Dhabi, queremos fazer dessa prova uma espécie de must go no calendário mundial das corridas de aventura. Nossa perspectiva é de ter pelo menos três edições da prova”, revela Lotta.

Realmente, a organização foi primorosa. Providenciou caiaques oceânicos com velas e mountain bikes zeradas da marca Cannondale para todos os atletas. Sem barco ou bike para se preocupar, o trabalho de logística das equipes foi mais simples. Os atletas tinham apenas uma caixa de 200 litros para guardar todos os equipamentos e mantimentos, que a organização carregava para todos os pontos de pernoite, alguns deles no meio do deserto. Dividida em estágios, a prova percorreu 400 quilômetros em seis dias, parando todas as noites para dormir.

Logo na saída foram 118 quilômetros de canoagem pela costa Adibheia, divididos em dois dias e partindo de uma baía apreciada por mergulhadores de pérolas e pescadores. A partir do terceiro dia, as equipes entraram no deserto com direito a pernoite em tendas, no melhor estilo beduíno. O destaque ficou para o quarto dia, com um trekking de 40 quilômetros pelas dunas do deserto. As equipes tinham a ajuda de dromedários, que poderiam levar os equipamentos, mas não os atletas.

No fim do sexto dia de prova a ADCO Selva ficou com a 18ª colocação, mas a organização pensava em cancelar a contagem do tempo do estágio com os dromedários no deserto, pois muitas equipes tiveram dificuldades com os animais. A equipe Eurosport ficou com a bolada do primeiro prêmio. Além do deserto, locais como o oásis de Liwa, sessões de cordas em paisagens inimagináveis e ruínas que guardam a herança cultural da região foram alguns dos locais por que a Selva passou durante a prova.

Mas o fato é que tanto a ida da Selva nos Emirados Árabes quanto a Atenah Natura ao Caribe reforçam a forte correlação entre turismo e corrida de aventura e o grande potencial que esses esportes têm ao se associarem aos investidores da área de turismo. Uma barca em que o Brasil bem que também poderia entrar com vontade.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de janeiro de 2008)