Mapeando o paraíso


VELEIRO BORANDÁ: Utilizado pelos pesquisadores para chegar ao Atol das Rocas

Por Débora Rocha

UM PEDAÇO DO PARAÍSO NA TERRA, o Atol das Rocas, a 260 quilômetros da costa do Rio Grande do Norte, foi descoberto em 1503 pelo navegador português Gonçalo Coêlho. Para quem não sabe, atol é uma formação de recifes de coral em forma de anel, que acaba represando água e formando um ambiente altamente propício para a propagação da vida marinha. Pouco mais de quinhentos anos depois da chegada de Gonçalo, o Rocas – o único atol no Altlântico sul, e primeiro a se tornar Reserva Biológica Marinha do Brasil, em 1979 – está sendo redescoberto pelo Expedições Ilhas Marinhas, um projeto que vem mapeando e monitorando ecossistemas das principais ilhas marinhas brasileiras.

No atol, o turismo e a pesca são proibidos e somente pesquisadores científicos têm autorização para o acesso às duas ilhas que o formam. Mas mesmo livre da ação predatória do turismo descontrolado, o ecossistema do lugar – que possui alta produtividade biológica e é uma área de abrigo, alimentação e reprodução de diversas espécies – está ameaçado. Segundo Sílvio Barone, diretor da ONG Instituto Ilhas do Brasil, idealizadora do projeto, em breve os efeitos do aquecimento global serão sentidos no atol, assim como em outras ilhas brasileiras. “Ilhas são os ambientes mais vulneráveis às mudanças climáticas ao e aquecimento global. No caso do atol, existe uma correlação direta entre o aquecimento global e a degradação dos corais”, explica Barone, um dos coordenadores do projeto, que também tem apoio do Ibama, do instituto Recifes Costeiros (Reef Check Brasil) e da empresa Inmarsat, que desenvolveu um sistema de transmissão via satélite dos dados coletados. “O levantamento que estamos fazendo detectará as ocorrências de degradação, caracterizada pelo branqueamento dos corais em alguns pontos específicos”, complementa.


PROJETO: Silvio Barone, coordenador do projeto, em cima de uma âncora de um navio naufragado em 1800

O atol foi o primeiro paraíso insular mapeado pelo projeto. O segundo foi a ilha do Cajual, no Maranhão. Até dezembro de 2008, o grupo passará por Fernando de Noronha (RN), arquipélogo de Cairu (BA), Ilha Grande (RJ), Montão do Trigo (SP), Ilha das Peças (PR) e Florianópolis (SC).

“Observamos alterações em algumas localidades do Atol da Rocas, mas só com os resultados finais da pesquisa, que ainda não foi inteiramente processada, comprovaremos a relação do aquecimento global com as alterações”, explica Barone. Todos os dados coletados estão sendo organizados pelo pessoal da Universidade Federal de Pernambuco e serão divulgados no começo de 2009, quando o grupo terá um raio X completo não só da situação ambiental, mas também social e econômica das principais ilhas brasileiras.

No Brasil, existe um corredor ecológico formado por cerca de mil ilhas que, além de abrigar inimagináveis riquezas biológicas, é território de quase 600 comunidades. Fortalecer as riquezas culturais e sociais dessas vilas também é o foco do projeto. “Fazemos isso por meio da ampliação dos fatores sócio-ambientais e da aproximação delas com a iniciativa privada”, explica o coordenador-técnico do projeto e diretor-geral do instituto, Alexandre Castro. Por meio de atividades lúdicas, os pesquisadores tentam sensibilizar os moradores locais sobre os efeitos das mudanças climáticas na terra deles, ensinando-lhes novas atitudes ambientais de preservação. Com o resultado final do projeto os pesquisadores também terão em mãos um mapa com as áreas ocupadas, indicando a cobertura vegetal ainda existente nas ilhas e o potencial de ganho sócio-ambiental e econômico nelas. E o legal é que esse banco de dados e imagens poderá ser compartilhado com outras ONGs, universidades e interessados no tema.

PROJETO TAMAR : Tartaruga marinha no atol, berço do projeto

Durante os estudo no Atol, o projeto contou com o apoio de uma personagem ilustre, a bióloga Zélia Brito. Há 16 anos ela luta para que o Atol se mantenha livre do turismo e da pesca predatória e enfrenta graves problemas por ter se tornado uma espécie de guardiã do local. Zélia sofre ameaças de morte por essa ação e precisa da proteção da Polícia Federal toda vez que desembarca na costa. “Assim como a Zélia, nosso projeto tenta sinalizar que as ilhas precisam deixar de ser apenas lugares bonitos para se passar férias. Se não forem planejadas ações para reverter um quadro já alarmante, a situação vai se agravar a cada dia. Fernando de Noronha, por exemplo, tem hoje 2.000 automóveis circulando. Um absurdo”, avisa Silvio.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2008)