Gigante pela própria natureza

Por Eliane Lobato

A VOZ É FIRME, MARCANTE, ATÉ SENSUAL, e os cabelos estão quase inteiramente brancos. O rosto, bastante vincado, contrasta com os braços musculosos. Ele caminha devagar como fazem as pessoas de idade, porém, anda dez quilômetros de bicicleta diariamente, além de nadar 1.500 metros – atividades que muitos jovens não conseguem encarar. Como é possível que esteja a apenas três anos de se tornar um septuagenário? Fernando Paulo Nagle Gabeira, um dos fundadores do Partido Verde, atual deputado federal e candidato a prefeito do Rio de Janeiro é assim mesmo, um reduto de contrastes em permanente desafio. Mais um contraponto: é jornalista e escritor, considerado um intelectual, mas não passou do ensino médio e jamais cursou uma faculdade na vida.

Fernando Gabeira, o nome de guerra deste mineiro de Juiz de Fora que mora no Rio, é famoso por motivos opostos, para não variar. Primeiro, ganhou notoriedade internacional ao participar do seqüestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em 1969, época em que militava no grupo de esquerda MR-8. O ex-guerrilheiro voltou do exílio, dez anos depois, e chocou o país novamente ao aparecer na badalada praia carioca de Ipanema com uma tanguinha de crochê lilás, emprestada da irmã. Mas a lista de antagonismos acaba quando Gabeira levanta as bandeiras que vem defendendo consistentemente nas últimas três décadas: em resumo, vida saudável, respeito ao meio ambiente e a todos os direitos individuais – entre eles, a descriminalização da maconha, a profissionalização da prostituição e a união civil de homossexuais. A defesa insistente da ecologia já fez com que fosse chamado de “veadinho”. Sem abalo, ele respondeu: “É coisa de veadinho sim, mas é também de onça, de baleia…”

Enquanto isso, ele vive casando, descasando e sendo feliz ao lado das filhas Tâmi e Maya — a última, campeã mundial de surf em ondas gigantes e Outsider premiada em 2007. Gabeira não é esportista, mas deposita nos esportes a esperança de grandes conquistas ecológicas e econômicas. Para ele, esporte é prazer, beleza, saúde e indústria altamente rentável. Sua campanha para a disputa pela prefeitura do Rio, através da coligação PV/PSDB e PPS, será limpa: sem bandeirolas e papelada espalhada pelas ruas, como foi a disputa para governo estadual também do Rio (então, pelo PT), em 1986, quando realizou eventos verdes como o histórico abraço à lagoa Rodrigo de Freitas, na zona Sul da capital.

Hoje, suas propostas políticas estão totalmente alinhadas com as urgências contemporâneas. Gabeira quer criar a bicicleta elétrica, defende que os bairros sejam auto-suficientes para que os moradores possam abdicar dos carros e pretende transformar garis e catadores de lixo num exército capaz de disciplinar cidadãos que vivem em coletividade, mas se comportam de forma egoísta e individual.

No alto de seus 67 anos vividos em países como Alemanha, Chile e Suécia, além do Brasil, ele prevê que, se a idéia do carro individual não for abandonada, chegará o dia em que andar a pé será mais rápido do que de carro e que a água será um produto de exportação tão importante quanto é hoje o petróleo. Nesta entrevista à Go Outside, ele sugere soluções para grandes questões urbanas, mas adianta: não há saída se não houver uma profunda mudança de hábitos culturais no país.

GO OUTSIDE: O senhor acha que a ecologia, hoje, é verdadeiramente considerada importante ou só entrou na moda?

GABEIRA: Existe, evidentemente, a questão da moda, mas noto evoluções significativas. Inicialmente, quando as empresas abraçavam a questão ecológica, muitas vezes era simplesmente marketing para atenuar o desgaste de sua imagem. Elas eram predadoras e queriam dizer “olha, nós destruímos, mas também construímos alguma coisa boa para o meio ambiente.” Depois, essas empresas passaram a perceber que podiam ganhar dinheiro sendo ecológicas. Começou com as grandes empresas produtoras de petróleo, que viram que a economia energética e de matéria-prima na sua produção e administração era altamente vantajosa para elas.


Então a preocupação ecológica foi incorporada graças ao lucro?

Isso. E também porque os consumidores passaram a ter importância muito grande para as grandes empresas. À medida que os clientes vão criando consciência ecológica, passam a questionar como o produto é feito, como a matéria-prima é adquirida, e passam a exercer pressão sobre as indústrias. E como a questão ambiental tende a se agravar e a tomada de consciência deve aumentar, acho que no caso das empresas não será um modismo. Cada vez mais elas se aprofundarão no tema por duas razões: por economia e por perceber que a indústria da qualidade de vida é uma forma de ampliar novos mercados.

O caos no trânsito assombra as grandes cidades, em especial São Paulo. Há saída?

Tenho estudado o caso de São Paulo e percebi que as políticas públicas, de certa maneira, acompanharam o processo de crescimento da cidade. Quanto mais carros havia, mais viadutos e avenidas eram construídos. Mas, chega um momento em que não se consegue mais responder com obras a esse crescimento. É preciso repensar esse modelo do carro individual, que é insustentável numa cidade grande. A indústria automobilística brasileira cresce 20% ao ano e a venda de automóveis está tendo um impulso muito grande por causa da facilidade de crédito. Chegaremos num ponto em que será mais rápido andar a pé do que de carro e o carro deixará de cumprir o papel para o qual foi criado, que é de dar mais velocidade. Mas compreendendo o apego que as pessoas têm ao carro particular. Para se conseguir mudar isso, é preciso fazer com que seja vantajoso substituir o carro. Uma solução é o metrô.


Para conseguir a adesão da classe média e mais alta, o transporte coletivo tem de ser bom, rápido e confortável, não?

E limpo! Temos de achar soluções de grande envergadura. Acho que uma rede adequada de metrô e mesmo de trens elétricos ou de bondes, como existe em Amsterdã, são importantes. Esses veículos sobre trilhos têm capacidade para transportar até 400 pessoas. No Rio há uma outra possibilidade, que é o mar, que ainda não é aproveitado adequadamente. O teste inicial que nós do PV fizemos deu errado porque o barco não tinha estabilizador, sacudia muito e as pessoas enjoavam. Mas com o estabilizador isso não acontece e pode-se ir da Barra à Praça XV, no centro, em 20 ou 30 minutos – com a vantagem de ser uma viagem superagradável.

A bicicleta não pode também ser um transporte alternativo viável?

O uso de bicicleta cresceu muito no Rio, que tem, talvez, a maior rede de ciclovias da América Latina. A zona Sul da cidade [onde estão os bairros nobres] é toda interligada e é possível pedalar até o centro. Na zona Oeste [bairros mais afastados e pobres] é onde a população usa maciçamente a bicicleta: mais de dois milhões de pessoas adotam este veículo para ir até a estação de trem e, de lá, seguir para destinos mais distantes. Então, o que se pode fazer é ampliar e aperfeiçoar as ciclovias que já são satisfatórias. Mas é necessário achar uma saída para o sujeito poder ir trabalhar de bicicleta e não chegar suado.

E qual seria essa saída?

Eu pensei numa solução que é a bicicleta elétrica, com uma bateria que possa ser ligada quando não quisermos suar e desligada quando quisermos praticar esporte. Eu sou ciclista e em Brasília não dá para eu ir para o Congresso pedalando de terno. Uma bicicleta elétrica resolveria e não poluiria. Bastaria deixá-la plugada à noite para carregar. Estive em Paris recentemente e vi o lançamento do sistema de bicicletas de aluguel. Dá muito certo lá, mas não é inteiramente viável para o Brasil porque é um sistema que usa cartão, ou seja, é para uma população digitalmente e economicamente incluída. O cara insere o cartão, tira a bicicleta, devolve em qualquer outro lugar e o preço é calculado no ato da devolução. O jornal francês Le Monde, entretanto, escreveu sobre o tema, questionando como resolver a questão do calor para usar as bicicletas para ir para o trabalho. Minha resposta é a bicicleta elétrica.


O que acha da bicicleta de transporte coletivo, que está sendo chamada de “biotáxi”, usada na orla carioca desde o ano passado?

É como na Índia: um cara vai pedalando e conduzindo passageiros. Acho muito cansativo pro condutor.

A cidade de Bogotá, na Colômbia, restringiu enormemente a circulação de carros e, sem verba para construir metrôs, implementou um amplo sistema de corredores de ônibus inspirado no modelo criado em Curitiba. Com isso eles conseguiram, em menos de 20 anos, dar uma virada na sua situação caótica. A cidade é um modelo a ser seguido?

Essa virada se deu também por meio de um trabalho com a população, combinando pedagogia e alguma repressão – porque é difícil resolver só na pedagogia. Eles puseram grupos de palhaços na rua dando cartão amarelo para o cara que fizesse algo errado, numa tentativa de envolver os cidadãos no processo e mudar a visão cultural. Bogotá hoje tem auto-estima mais elevada e respeito maior às questões da ordem urbana. A população realmente abraçou a causa ecológica.

Quais, a seu ver, são as soluções para se criar uma cidade sustentável?

Tudo começa pelo planejamento urbano. As cidades deveriam crescer e se desenvolver a partir do princípio dos bairros auto-suficientes, para que o cidadão possa morar, trabalhar e fazer compras praticamente no mesmo lugar. Teríamos que ter uma iniciativa urbana destinada, primeiro, a povoar os lugares de comércio e, segundo, a trazer comércio para os lugares residenciais, para que as pessoas tenham bairros mais auto-suficiente, diminuindo a necessidade de deslocamento.

Os prédios verdes terão que ser realidade nas cidades que se pretendem sustentáveis?

Sim. Hoje os prédios são cada vez mais inteligentes e vários projetos me chegam às mãos com idéias de tetos verdes e de recuperação de prédios antigos (o chamada retrofit, ou seja, colocar em forma uma coisa antiga). Acho que o consumo de energia está tornando-se mais organizado, há diálogo com a arquitetura no sentido de usar materiais sustentáveis na construção. Isso tem de ser uma realidade cada vez mais.


Um de seus projetos para o Rio é o coletor individual de lixo. Como ele funciona?

Minha idéia é envolver um número cada vez maior de pessoas desempregadas que catam lixo para sobrevivência. A prefeitura financiaria os carrinhos e essas pessoas sairiam pela cidade catando coisas para vender para a reciclagem. Em latas de alumínio, já somos os primeiros do mundo.

Mas esta é uma triste liderança, porque somos os primeiros não pela conscientização, e sim pela miséria.

É verdade. Mas, olha, são 100 mil pessoas trabalhando nessa área e conseguindo ganhar um salário-mínimo e meio. Já é alguma coisa.

O senhor pretende mudar a cultura da coleta de lixo?

Meu exército serão os garis e os catadores. Os garis do Rio de Janeiro, que já são muito respeitados, se transformarão cada vez mais em educadores. Gari não precisa só catar o papel; pode explicar, orientar, pedir. Outro caminho, que deu muito certo no passado, são as campanhas voltadas para a infância. Há muito anos, houve o Sugismundo [campanha nacional da década de 70 cujo slogan era “povo desenvolvido é povo limpo”], que conquistou as crianças e fez com que elas patrulhassem os pais. As crianças são mais conscientes e os adultos acatam o apelo delas.

E nas favelas que não têm recolhimento?

A questão do lixo é um grande problema nas favelas. Estive na Rocinha [favela que atravessa os bairros nobres de São Conrado e na Gávea, no Rio] e vi ruas semitomadas pelo lixo, como no Haiti. Estamos perdendo dinheiro porque esse lixo pode ser reciclado ou compactado para produção de energia. E perdendo saúde também, porque essa situação é insalubre para os moradores. Se gasta com doenças causadas pelo contato com esse lixo. O problema hoje é como levar esse lixo para a base da favela, já que os caminhões da prefeitura não sobem o morro. Propus um projeto para a Rocinha que acho que daria um grande samba – ou um grande funk, pelo menos: instalar caçambas nas mais de 300 motos que circulam com motoboys no morro para trazer o lixo para o asfalto, onde seria recolhido pelo caminhão para ser reciclado ou processado. No morro Dona Marta [Botafogo, zona Sul], poderia ser instalado um sistema de cabos de aços para levar as caçambas do alto até embaixo, de maneira segura. Lixo é dinheiro. Não é possível considerar o lixo como algo secundária.

Projetos de reeducação, como esse da cultura do lixo ou o que modificou Bogotá, dão resultados em quanto tempo?

Se começarmos agora, vamos colher resultados daqui a uma ou duas décadas, trabalhando sem parar. Aqui no Brasil temos uma dificuldade adicional porque, de modo geral, os prefeitos que entram desfazem o que o prefeito anterior fez devido a brigas de partidos. Acho que temos de ter um projeto de sustentabilidade e atacar as questões centrais. Para o Rio de Janeiro, uma dessas questões é a baía da Guanabara, que, além de ser um problema ambiental, é também um assunto econômico porque ela pode dar ao Rio a possibilidade de reorganizar seu crescimento. Em torno da revitalização da baía, há a revitalização do Cais do Porto, a reconstrução do centro e o turismo específico da baía. Pode-se afundar um navio ali e levar os turistas com barcos movidos a energia solar. Os turistas mergulham, pagam o passeio, pagam pelo CD com imagens do mergulho e geram renda. Um lugar como a ilha de Paquetá também pode ser melhor explorada. Precisamos aproveitar a inabalável vocação turística do Rio e fazer disso um instrumento de ação para a ecologia e o progresso.

Qual a questão mais urgente em São Paulo, nessa busca por uma cidade sustentável?

O grande problema de São Paulo é a poluição do ar – a cidade precisa de um projeto de reflorestamento. Outro problema é o saneamento nas áreas mais pobres. E São Paulo precisa, ainda, pensar em soluções rápidas para o problema de abastecimento de água. As represas da cidade estão cada vez mais invadidas e a água utilizada por São Paulo é trazida da bacia de Piracicaba e vai ficar cada vez mais cara. Fiz uma viagem com o [governador] José Serra de helicóptero para ele me mostrar a cidade e ele apontou como as represas estão sendo acossadas pela povoação e, conseqüentemente, pela possibilidade de contaminação. Essa pressão sobre as represas é muito grande, assim como a dependência de água de bacias como a de Piracicaba. Como vai ser a sustentabilidade do uso da água de São Paulo?

Alguma alternativa verde?

Quando a Marta [Suplicy] era prefeita, ela aprovou um projeto para o aproveitamento da água de chuva, obrigando alguns prédios a terem um dispositivo para armazenar essa água, que pode ser usada para lavar carro, regar jardim, fazer limpeza. Só não é própria para consumo humano porque tem muita acidez por estar na atmosfera. Não entendo porque isso não é feito. Sugeri que a construção desses sistemas de armazenamento fosse financiada pelo IPTU. O aproveitamento da água da chuva ajuda a diminuir o problema estratégico de abastecimento de água. Não é possível gastar tanta água como se gasta hoje, no país todo. As pessoas não pensam que fechar a torneira enquanto escovam os dentes é uma economia importante.

O senhor acha que dá para tomar um bom banho em seis minutos, como dizem especialistas em uso inteligente de água?

Sim, se tomarmos um banho consciente. De modo geral, a pessoa liga a água e deixa rolando. Mas se desligar enquanto se ensaboa e lava a cabeça, por exemplo, pode até dar menos do que seis minutos. Vimos, no apagão de 2000, que há formas de economizar energia e que a usávamos de maneira totalmente irresponsável. Em Brasília, você via grandes ministérios totalmente acesos porque dois ou três faxineiros estavam limpando um andar e acendiam o prédio todo. Isso está começando a mudar. Fecho a torneira enquanto estou me ensaboando no banho. E também separo o lixo, uso reciclados, faço tudo.

Há quem ache que no futuro o Brasil pode ser alvo de cobiça internacional por ser uma das maiores reservas de água potável do mundo. O senhor acha que o país deve se preparar para uma guerra pela água no futuro?

Acho que este é um cenário exagerado. O que pode acontecer é roubo de água na Amazônia, por exemplo. Basta encher o navio e vender para, digamos, a Arábia Saudita. Mas ainda não existe isso. O que eu tive a oportunidade de discutir com uma delegação canadense é a possibilidade de exportação de água – o Brasil, com esse potencial todo, pode vir a ter esse tipo de demanda, mas teríamos que estudar se compensa ou não exportar. Mas, embora tenhamos muita água, não conseguimos uma distribuição racional. No semi-árido nordestino tem menos água do que o mínimo necessário para uma sobrevivência digna.

O Partido Verde ainda não consegue ter um resultado tão bom na defesa da ecologia quanto seus similares em outros países. Por quê?

Por vários fatores. O primeiro é que, quando você cria um partido no Brasil, ele passa a ser freqüentado por pessoas muito diferentes daquelas que você supunha que viriam e torna-se uma massa amorfa e heterogênea, muito difícil de dirigir. Além disso, o PV se instalou no Brasil com base num programa que adaptamos da Europa há muitos anos. A realidade foi muito dinâmica e o partido não conseguiu atualizar seu programa nem processar alguns novos fenômenos importantes, como a questão global. É preciso que a gente tenha novas idéias para a realidade daqui, em vez de usar o que vem da Europa. O PV tem uma bússola para uma realidade que é diferente da nossa, e tem sido incapaz de construir uma nova bússola. De um modo geral, também, o PV não soube se associar ao seu maior aliado, que é a ciência. Tanto o Protocolo de Kyoto quanto as políticas em torno do aquecimento dependem de relatórios científicos. Cada vez mais, política e ciência precisam estar associadas.

O senhor se preocupa com o meio ambiente desde muito antes desse assunto estar na mídia. Quando te deu o clique?

Mais ou menos em 1975. Na verdade, o clique foi dado pelas circunstâncias: eu era asilado na Suécia e decidi parar de fumar e começar a fazer exercícios. Estava entrando numa fase mais saúde. Começavam a surgir as lojas de produtos naturais e eu comecei a comprar esses produtos. Nessa mesma época, surgiu lá o Partido do Cidadão, que fazia campanhas pedagógicas sobre o trânsito. O objetivo deles era proibir a circulação de carros no centro da cidade. Não conseguiram totalmente, mas muitas cidades hoje limitam a circulação de veículos em centros comerciais. Então, a combinação dessas questões – o espaço urbano, a comida e também alguns temas ecológicos que surgiram – foi me levando a uma reorientação não só da minha vida como também da minha visão política.

Como assim?

Eu era de esquerda e já vinha incluindo em minha cartilha alguns temas que a esquerda abominava, como a questão do machismo, do racismo, da discriminação sexual, e passei a me preocupar também com a questão ecológica. Voltei para o Brasil e fui muito criticado por isso. As pessoas diziam que era uma visão muito européia. Num país onde se morre de fome, você não tem o direito de falar em ecologia e proteção ao meio ambiente. Eu argumentava que se morre de fome também por problemas ecológicos – na África, a desertificação estava impedindo que produzissem alimentos – e que havia temas que, aparentemente, não eram ecológicos, mas eram importantíssimos, como o saneamento básico. Defendi que havia oportunidade de unir a preocupação social com a ecológica, e que essa união daria singularidade à visão brasileira, que não podia ser idêntica à européia. Sempre disse que o Brasil era uma grande potência ecológica e que a nossa singularidade podia ser buscada numa visão social e ambientalmente correta. Isso em 1979.

Deve ter sido difícil conversar sobre esse tema numa década em que nada relacionado a meio ambiente era considerado urgente.

Quando cheguei, muitas pessoas queriam que eu fosse um líder de esquerda clássico e ficaram chocadas comigo, acharam que eu era um traidor. De fato, quando você age de acordo com a sua consciência, acaba traindo a expectativa dos outros. Em 1989, quando disputei eleições para Presidente da República, numa das minhas propagandas eu falava em ecologia e diziam que era coisa de veadinho. Eu dizia que, sim, ecologia é coisa de veadinho, mas é também de onça, de baleia… Com o tempo, essas resistências foram se enfraquecendo, a ponto de chegarmos aos dias de hoje, quando a ecologia está realmente no mainstream e é considerada importante pelo governo e pelas indústrias.

O senhor pratica esportes?

Nunca fui esportista, mas sim adepto de atividades físicas como andar de bicicleta e nadar. Nado 1.500 metros em piscina e pedalo dez quilômetros diariamente. Além disso, tenho uma rotina muito controlada de sono e alimentação. Durmo e acordo cedo, sou vegetariano. Procuro viver de uma forma racional e sensual – as duas coisas juntas, senão ficaria insuportável.


Você acha que o esporte pode contribuir para o meio ambiente?

Acho que eles são associados. O esporte é, de modo geral, uma atividade não poluente, e é muito importante do ponto de vista da ecologia humana. Ele dá melhores condições de saúde, melhora a qualidade de vida e reduz os gastos públicos com saúde. Esporte é uma atividade importantíssima – não só o profissional, que é hoje uma indústria e precisa ser estimulado, mas também o amador. A prática do exercício físico deveria ser incentivada pelo governo com cursos gratuitos. Em uma cidade como o Rio não é preciso muito esforço. Minha intenção, no Rio, é incentivar o esporte e sua interface com o turismo. Uma das grandes dificuldades do montanhismo e das caminhadas é que o nível de sinalização é muito precário. Quando tivermos trilhas sinalizadas, orientadas e com segurança, o ecoturismo vai ser muito potencializado.

Há quem responsabilize os praticantes de esporte de aventura por danificarem o meio ambiente, já que vão a locais considerados santuários. O senhor concorda?

No meu entender, o esporte de aventura é uma das atividades que mais protegem o meio ambiente. Esses esportes levam gente, mas é gente que quer preservar esses lugares. E levam também a economia: é preciso compreender que a falta de dinheiro destrói. A população de uma região de turismo ecológico, se bem informada, passa a ver vantagens econômicas e a entender o meio ambiente como sua fonte de riqueza.

O senhor tem medo das ondas altas que sua filha Maya enfrenta?

Tenho. Mas também tenho medo quando a minha outra filha, Tâmi, anda de carro à noite. Sempre me pergunto do que tenho mais medo: da Maya viver constantemente em perigo ou de ela ser infeliz? Optei pela primeira.

O senhor pretende falar sobre os direitos dos homossexuais na sua campanha? Seu oponente na disputa no Rio, Marcelo Crivella, disse que o senhor defende “homem com homem e maconha.”

Não. Para ele [Crivella] esse tema pode ser importante porque ele quer fazer da eleição uma disputa de costumes religiosos – quando, na verdade, eleição é uma disputa pragmática para escolher quem vai administrar melhor a cidade, achar um caminho. Não é eleição para papa, é para prefeito. Quanto à posição gay, se me perguntarem, vou dizer que sou a favor do reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Considero isso uma questão humanitária. Não tenho nenhum constrangimento sobre isso.

O que é uma campanha limpa?

Não vamos usar bandeirolas ou nada que suje a cidade. Algumas pessoas vão estender faixas em suas janelas, suas casas. Pretendo fazer visitas, eventos e passeios de bicicleta. Temos que distribuir o chamado santinho, com foto e dados básicos do candidato, mas estamos pensando em alguma forma da pessoa não os jogar fora. Talvez colocar alguma informação útil no verso, como um mapa do Rio. Não tenho nenhuma preocupação em ficar em desvantagem em relação aos outros candidatos por não usar determinadas propagandas, porque se eu sujar a rua perco voto. Meus eleitores não aceitam isso e acho que eles têm razão.

O senhor sempre defendeu a liberação da maconha e a ecologia. Não há uma contradição nisso, já que maconha é fumo, é poluente?

Talvez não exista uma planta mais ecológica do que o cânhamo. Ele tem pelo menos 2.500 funções, sabia? Permite produzir alimento, energia, chapéu, roupa, e, de modo geral, não significa nenhuma ameaça ao meio ambiente. Há pesquisas controversas sobre se a maconha faz ou não mal à saúde. Eu tendo a achar que faz e jamais defendi a liberalização afirmando que não faz mal, mas sim que a pessoa tem direito de usar o próprio corpo sem o Estado intervir.

Normalmente, os produtos “ecológicos” custam mais. O que se pode fazer para barateá-los e torná-los acessíveis a mais gente?

A primeira coisa é aumentar a escala de produção. O que abaixa o preço é o aumento da produtividade. Mas vale lembrar que, utilizando esses produtos, você terá, muito provavelmente, gastos menores com saúde.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2008)