Buraco negro


FUNDO DO POÇO: Explorador do abismo Krubera num sifão subaquático, que são partes das cavernas sempre inundadas

Por Piti Vieira

O UCRANIANO ALEXANDER KLIMCHOUK, 51 anos, é reconhecido como um dos espeleólogos mais importante da atualidade. E, além de um cientista de renome internacional, ele é também um esportista de altíssimo nível. Foi Alexander quem coordenou a descoberta e a exploração da caverna mais profunda do planeta, entre agosto de 2004 e setembro de 2007. Sob a sua batuta, uma expedição com 56 espeleólogos (45 homens e 11 mulheres) atingiu 2.190 metros de profundidade no abismo de Krubera, nos montes Cáucasos da República da Geórgia (antiga União Soviética).

Alexander pratica espeleologia desde os 11 anos de idade. Depois de ter visitado duas mil cavernas em mais de 30 países, ele decidiu estabelecer o projeto The Call of the Abyss (O Chamado do Abismo), com o objetivo de descobrir a primeira caverna do mundo superior a 2 mil metros de profundidade.

Carregando aproximadamente cinco toneladas de equipamentos, a equipe de Alexander precisou enfrentar grandes trechos verticais em corda (muitas vezes debaixo de cachoeiras torrenciais de água gelada), atravessar sifões subaquáticos (trechos alagados, transpostos somente com equipamento de mergulho) e, por vezes, quebrar passagens mais estreitas ou grandes blocos que impediam a continuidade da exploração.

Na primeira expedição, em 2004, eles atingiram a marca de 2.080 metros. Em setembro de 2007, Alexander atingiu a atual marca, 2.190 metros de profundidade – recorde mundial em cavernas. Trabalhando em turnos de 20 horas, a expedição montou acampamentos a 700 metros, 1.215 metros, 1.410 metros e 1.640 metros abaixo da superfície, para que as equipes pudessem se alimentar e descansar. Os exploradores se comunicavam com a equipe do lado de fora por meio de um cabo telefônico, instalado por todo o abismo.

O último grande explorador do planeta veio ao Brasil em uma visita técnica, com o objetivo de conhecer e estudar algumas de nossas melhores cavernas, e conversou com a Go Outside.

GO OUTSIDE: Qual o maior desafio que o senhor teve durante a exploração de Krubera?

ALEXANDER KLIMCHOUK: É uma pergunta difícil. Quando você começa a explorar uma caverna não há uma placa na porta dizendo a profundidade daquele lugar. Isso significa que a Krubera, que hoje é a caverna mais profunda do mundo, não era há alguns anos. Esta caverna foi “feita” por muitas pessoas da minha organização, a Sociedade Ucraniana de Espeleologia, durante muitos anos. O que estou tentando dizer é que o maior desafio é a perseverança para fazer dessa caverna a mais profunda do mundo.


O senhor acha possível ir mais fundo?

Chegamos ao lençol freático da Krubera, e abaixo desse nível não há mais nenhum lugar onde exista ar. A exploração pode continuar, mas agora só embaixo d’água. Tecnicamente é muito difícil ir mais fundo, mas é possível, porque cavernas continuam sob a água. Nós descemos 46 metros nesse ponto, só que a partir de 50 metros de profundidade embaixo d’água é necessário usar trimix [mistura gasosa composta de oxigênio, nitrogênio e hélio, adotada como ferramenta em mergulhos profundos, pois permite ao mergulhador reduzir o fator narcótico], um equipamento muito maior e mais pesado, que é preciso carregar tudo em sacos-estanques com muito cuidado até chegar ao fundo da caverna. Estamos estudando para ver como e se continuaremos a exploração.

Como é o ar lá embaixo?

É normal, puríssimo. As montanhas são de calcário e infestadas de cavernas interligadas, com entradas em diferentes altitudes, o que deixa a ventilação dentro dela muito boa. Não é uma mina feita pelo homem. A natureza demora milhões de anos para fazer uma caverna, então elas têm ar bom dentro.

Com a organização do senhor se prepara fisicamente para explorar cavernas?

Na Ucrânia há uma tradição de exploração de cavernas. Nós começamos dando um bom treinamento por vários anos, geralmente para adolescentes, e as deixamos ganhar experiência aos poucos. Primeiro 500 metros, depois mil e assim por diante. Ter experiência em ambientes cavernosos é mais importante do que ter um bom preparo físico, para trabalhar sem erros. Um erro lá embaixo pode ser mortal. Nossos times chegam a ficar até 20 dias embaixo da terra.


O senhor acredita que explorar as profundezas é mais desafiador do que explorar as alturas? Descer a Krubera é mais difícil do que subir o Everest?

Com certeza sim. O Everest era um desafio no começo, hoje é mais uma exploração turística. É um desafio físico, mas em cavernas você nunca sabe o que está à frente. É exploração de verdade. Existem blocos desmoronados que precisam ser quebrados aos poucos, a temperatura é congelante, se começar a chover na superfície, um riacho vira um rio caudaloso em uma ou duas horas, existem abismos enormes, partes das cavernas estão sempre inundadas e ficar preso ali é fácil. Para subir uma montanha é preciso de uma boa forma física e habilidade nas técnicas de alpinismo. Para explorar uma caverna é preciso saber geologia, ser um mergulhador, um alpinista, saber lidar com cordas. Mesmo antes de se chegar ao topo do Everest já se sabia que ali era o local mais alto do planeta. Em cavernas é impossível, não é algo que pode ser medido por radar, apenas pela exploração humana. Além disso, não há mais montanhas inexploradas, já cavernas… O montanhismo perdeu o interesse para verdadeiros exploradores.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2008)







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