(FOTO: Marcelo Maragni/Red Bull Content Pool)
Por Bruno Romano
Que o nordeste brasileiro é um dos melhores picos do mundo (senão o melhor) para a prática de kite não é novidade. Observar dezenas pipas duelando nos Lençóis Maranhenses, no entanto, é inédito. No último sábado, atletas de destaque do Brasil e do exterior viveram a experiência única e inspiradora no Rally dos Ventos, competição idealizada pela Red Bull. O evento contou com aval do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio), já que as pipas e pranchas voaram e deslizaram como tapetes mágicos dentro do precioso Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. A Go Outside conferiu bem de perto a novidade.
São 10 horas da manhã do sábado em um inóspito oásis no meio dos Lençóis Maranhenses, bem longe da civilização. O sol racha forte entre poucas nuvens, mas um vento de 25 nós (quase 50 km/h) suaviza o calor – e convida as pipas para um passeio. Do alto de uma duna surgem os cerca de 40 competidores convidados que, aos poucos, começam a abrir suas pipas (e sorrisos) para o desafio. Serão 13 quilômetros em linha reta até a chegada, mas eles vão percorrer ao menos 17 quilômetros, já que precisam escolher os caminhos e ventos certos em meio a um “deserto” traiçoeiro.
A maioria dos competidores vem do freestyle, modalidade do kite com rápidas baterias, onde quem impressionar mais com manobras livres é o vencedor. No Rally dos Ventos, no entanto, eles dividem espaço com atletas de outras disciplinas, como wave e race: surf e corrida, com auxílio das pipas. Todos estão prontos (ou próximo disso) para encarar o inusitado formato “kite endurance”, uma mistura de corrida em areia fofa com trechos velejáveis, como descreve Eduardo Fernandes, o “Rato”, diretor-técnico da prova, antes da largada: “Os cenários vão mudando, e os atletas têm que se adaptar rápido. Ninguém treinou, nem mesmo viu o percurso antes”.
Algumas lagoas dos Lençóis são rasas demais e alguns trechos de dunas são mais movediços que outros, transformando qualquer decisão errada em muita perda de tempo. Relógios com GPS dados a todos os atletas e bandeiras balizadoras da organização eram as únicas ferramentas disponíveis, fora a habilidade e o instinto de cada um. Para a alegria geral, as condições estão perfeitas.
Voando baixo
Com a sopro da buzina, um mar de pipas que havia transformado os Lençóis em um mundo a parte, segue para uma aventura sem precedentes. Com a prova rolando, o reflexo do sol nas dunas deixa a navegação bem difícil. Mesmo assim, o kitesurfista Alexandre Neto, local de Cumbuco (CE), uma das Mecas do esporte, encontra o ritmo certo e parte em disparada. Ousado, chega a deslizar pelas areias sem sair da prancha e supera nos metros finais o conterrâneo Carlos Mário. “Foi um sofrimento maravilhoso”, resume Alexandre, que misturou kite com corrida extrema e "kite-sandboard" para garantir o primeiro lugar, após 37 minutos de prova. Estreante no circuito mundial PKRA, Alexandre é o atual quinto colocado na categoria freestyle.
O atual líder é Christophe Tack, de 21 anos, que veio direto da Bélgica para o desafio nos Lençóis e terminou o Rally dos Ventos na sétima colocação. “É desgastante, divertido, interessante e maravilhoso ao mesmo tempo”, diz Chris, empolgado após a chegada. “Você precisa de resistência, estratégia e um pouco de sorte. Você acaba sofrendo bastante no calor e é difícil saber o que fazer com o equipamento. Mas antes que você perceba, encontra bom vento, acha a água e já começa a curtir tudo de novo”, relata o belga, que sabia da oportunidade única de velejar em um Parque Nacional.
Chris defende que o kite é um esporte ‘verde’. "Nós sabemos onde estamos e queremos cuidar de tudo. Espero que os locais possam ter ganhado com isso também”, disse. De fato, os locais da cidade de Santo Amaro do Maranhão, foram ativos no apoio e logística do evento. Às margens dos Lençóis Maranhenses – a cerca de quatro horas e meia da capital São Luís –, Santo Amaro abrigou todos os atletas e organizadores.
Atraída pelas imagens da região, a eslovena Kristiin Oja voou para o Maranhão já sabendo que precisaria mais do que suas manobras de freestyle para se dar bem no Rally dos Ventos. Acostumada a passar meses no ano treinando e competindo no litoral nordeste brasileiro, Kristiin apostou na potência máxima para vencer entre as mulheres. “Acho que todos aqui tinham a mesma chance na largada, não importando sua especialidade. Eu não comecei bem, mas consegui recuperar. Minha estratégia foi correr a toda velocidade o tempo inteiro. Deu certo, pois sou muito competitiva e amo novos desafios”, contou à Go Outside.
A nova (e meio maluca) modalidade kite endurance deu trabalho para Susi Mai, norte-americana criada na República Dominicana, que é uma das pioneiras do kite feminino. “Assim como o vento, o deserto é imprevisível. Por isso foi difícil se orientar. Eu acabei correndo mais do que queria, mas mesmo assim me diverti muito”, contou após a chegada.
Já a paulista Bruna Kajiya conseguiu ler melhor o percurso, terminando na segunda colocação. Atual terceira colocada no ranking mundial de kite freestyle, Bruna dividia a felicidade de competir nos Lençóis após a prova. “Em muitos momentos, já exausta no caminho, eu olhava para os lados e encontrava inspiração na paisagem. Eu só pensava em seguir em frente, sabendo que essa era uma chance única em um lugar que merecia meu esforço extra.”
A organização quer seguir fomentando provas do estilo kite endurance em outras partes do mundo. Para o diretor técnico Eduardo Fernandes, a ideia é mostrar que o kite está ligado diretamente com a natureza e que o esporte pode ser praticado nos lugares mais incríveis do planeta. A kitesurfista Susi Mai engrossa o coro. “Vamos continuar explorando novos lugares e sendo respeitosos, deixando-os com a certeza de termos preservado o local.”
Para o ICMBio o evento foi um teste positivo de uma nova atividade dentro de área de preservação. “A ideia de trazer esporte para o Parque é sempre válida”, reflete Adriano Damato, responsável pelo Parna dos Lençóis Maranhenses. Entre as principais preocupações dos fiscalizadores estavam a forma de acesso às lagoas, o volume de água disponível e o comportamento dos animais selvagens, como as gaivotas. Setembro se mostrou o mês ideal pela união de boas condições climáticas e pela rotina das espécies nativas.
“Deu para ver que o kite aproveita o vento e a água sem causar impacto. É uma interação com a natureza perfeita e, se bem guiada e controlada, pode ser um ótimo estímulo para a população local, tão carente de atividades esportivas”, completa Adriano. Em ação, os atletas comprovaram a teoria e mostraram como o kite, ainda caçula entre os esportes extremos, é bem-vindo no Brasil e está longe de encontrar limites.
Rally dos Ventos 2014 – Classificação Final
Lençóis Maranhenses (MA), 13/09
(FOTO: Fabio Piva/Red Bull Content Pool)