Sem freios


DÁ MEDO: Sébastien desliza com os esquis no Shishapangma, no Himalaia em 2011
(FOTO: Florian Wagner)

O suíço Sébastien de Saint Maire dedica sua vida à vertente mais treta do esqui: descer montanhas absurdamente íngremes, onde um simples erro pode ser fatal. Sua vida é tema do documentário "Sound of the Void", que será exibido no dia 20 de setembro no Festival de Filmes Outdoor Rocky Spirit no Rio de Janeiro

Por Mariana Mesquita

NASCIDO HÁ 32 ANOS, em Genebra, o suíço Sébastien de Saint Marie sempre teve a neve como sua segunda casa. Na adolescência, ele amava esportes de inverno, porém não era nada fã dos resorts lotados dos Alpes. Até que um dia, aos 17 anos, ficou encantado ao ver uma foto de Sylvain Sudan, um icônico esquiador extremo de seu país. Na imagem, Sylvain, considerado o pai de uma vertente do esqui extremo praticada em descidas extremamente íngremes, perigosas e fora das pistas convencionais, aparece feliz da vida no alto de uma montanha isolada, longe das multidões, em contato íntimo com a imensidão da natureza ao redor.

Sébastien soube ali que queria seguir o mesmo caminho – mesmo que fosse por um downhill assustador montanha abaixo, desviando de gretas mortais e pedras pontiagudas, a velocidades que podem chegar a 60 km/h. “Aquilo que Sylvain estava fazendo não era apenas uma session divertida de esqui. Era uma verdadeira expedição”, diz.

Quinze anos depois, ele já figura entre os mais renomados esquiadores extremos de sua geração – virou até tema do documentário Sound of the Void, do diretor Marten Persiel, que será exibido no Festival de Filmes Outdoor Rocky Spirit, no Rio de Janeiro, nos dias 20 e 21 de setembro.

Em uma recente expedição, em 2013, Sébastien decidiu explorar a face norte do Gspaltenhorn, uma montanha de 3.436 metros situada em uma área remota dos Alpes suíços. “A primeira vez que eu vi esse pico foi em 2012. Na hora, entendi que precisava tentar alguma coisa lá”, conta. Posicionado no alto daquela montanha que tirara seu sono por tantos meses, o atleta manteve o ritual: agradeceu por estar ali, posicionou bem os esquis, respirou fundo e deixou a força da gravidade se encarregar do resto. Foram 1.700 metros de pura descida técnica, riscando a neve virgem pelo caminho. “Podem dizer que é perigoso, mas só me sinto bem quando estou fazendo esse tipo de coisa.”

Batemos um papo com Sébastien, no qual ele conta mais sobre sua história, sem se desviar de um assunto difícil: os enormes riscos que rondam o estilo de vida que escolheu para si.


DE INSTAGRAM: Visual inspirador da viagem ao Shishapangma
(FOTO: Florian Wagner)


EM CASA: O suíço descansa numa pedra durante a expedição no Himalaia
(FOTO: Florian Wagner)

PEDRAS NO CAMINHO

“A parte mais difícil do esqui extremo é encontrar a via por onde você precisa descer. Tenho que estudar muito todas as possibilidades antes de dropar, mas é impossível ter o controle de tudo. Uma hora ou outra você pode trombar com uma pedra ou ser pego por uma avalanche. Existem momentos de dúvidas e questionamentos, claro, porém o medo costuma ser o último sentimento que aparece em minha mente. Prefiro deixar o medo de lado e focar apenas no fato de é exatamente aquilo que eu gosto de fazer.”

A MORTE QUE RONDA

“Comigo nunca aconteceu nada sério. Mas, em 2009, escalei o Tilicho, uma montanha de 7.134 metros próxima ao Annapurna, no Nepal. Durante a expedição, que foi uma das minhas primeiras, fiquei amigo de um iraniano no acampamento base. Alguns dias depois, ele despencou da face norte, a 2 mil metros de altura, e morreu. Foi muito difícil lidar com aquela situação.”

RESPEITO PELA MONTANHA

“Nem por um segundo, qualquer aventureiro deve se esquecer de respeitar as montanhas. Aprendi isso ainda adolescente e fico muito bravo em ver pessoas que não entendem essa lição básica: a montanha é sagrada, tem vida e é muito mais que um recurso para se fazer dinheiro.”


MELHORES MOMENTOS

“Não hesito em dizer que minha expedição ao Shishapangma, montanha de 8.013 metros nos Himalaias, foi um dos melhores momentos da minha carreira. Era 2011 e eu estava longe de tudo e não tinha nenhuma outra expedição por perto, como normalmente acontece em lugares como o Everest. Essa montanha é supertécnica e, por causa das más condições de tempo, eu não alcancei o cume. Fui só até os 7.400 metros. Respeitei a vontade da natureza e desci. Com os esquis, deslizei por 1.400 metros sem parar em terrenos supertécnicos, mas também recheado de neve branca e virgem. Parecia que eu havia deixado o planeta Terra por uns instantes e tocado o céu.”


AMOR À SEGUNDA VISTA

“Eu nasci com os esquis presos aos pés, mas não via graça nisso até conhecer o esqui extremo. Em 1999, quando tinha 17 anos de idade, escalei o Gran Paradiso, na Itália. Foi minha primeira montanha de mais de 4 mil metros. Eu me senti tão bem comigo mesmo que passei o resto da temporada e, depois o inverno todo, só escalando. Em um desses momentos, decidi incluir à viagem as minhas habilidades com o esqui: dropei a face norte do Aiguille du Midi, uma montanha no Maciço do Mont Blanc (na França). A via tinha 800 metros de descida e uma inclinação de 50%. Foi o começo de tudo e meus pais nem imaginavam o que eu estava aprontando”.


O MESTRE

“Quando conheci o francês Pierre Tardivel, que pratica esqui extremo desde 1977 e foi o primeiro a dropar uma das vias mais incríveis do Everest, ele me convidou para abrirmos uma nova rota de esqui. Era uma daquelas oportunidades únicas na vida, que não podemos recusar. Viajamos até Le Pecloz, uma montanha de 2.197 metros no meio do ‘nada’, na França. Batizamos a via de The Couloir e, nela, deslizamos a mais de 1.300 metros de altura. Pierre é um ídolo, porque nunca precisou me ensinar nada. Só de vê-lo em ação eu aprendo demais.”

PRÓXIMOS PLANOS

“Tenho dois grandes projetos para 2015: uma expedição no Tibete e outra à Índia. Não posso dizer ainda o nome das montanhas que vou descer, mas a ideia principal é viajar por essas regiões ao lado de escaladores locais para trocarmos nossas experiências e um ajudar o outro no que for preciso ao longo do percurso. Toda a logística será organizada por aventureiros ‘comuns’ e não por agências turísticas.”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2014)







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