Por Mario Mele
ENQUANTO OS FÃS DO SURF e a mídia aguardavam ansiosos por mais um brilhante desempenho do australiano Mick Fanning, campeão mundial em 2007, o mítico Kelly Slater, ainda na dúvida sobre se competiria efetivamente em 2008, faturou, logo de cara, as duas primeiras etapas do circuito mais importante do surf profissional, o ASP World Tour. Detalhe: ambas as etapas ocorreram na Austrália. Na primeira, em Gold Coast, Kelly desbancou o próprio Fanning na final. Na segunda, em Bells Beach, foi a vez de Bede Durbidge, um outro australiano, engolir o grito de campeão.
Depois da dobradinha, Kelly só poderia seguir no Tour motivado. Venceu outras três etapas e, com um nono lugar na perna espanhola (a nona etapa do Tour), abraçou o nono título mundial de sua carreira. No mesmo instante, o mundo se perguntou: será que em 2009 ele surfará pelo decacampeonato? “Eu ainda não estou certo disso”, garantiu Kelly.
Vencer um campeonato mundial, independentemente da modalidade, não é tarefa simples. E ser quatro, cinco ou até nove vezes o melhor do mundo – seja qual for o esporte – é uma experiência vivida apenas por um seleto grupo de atletas. E há brasileiros nessa turma.
UM DELES É O CARIOCA Guilherme Tâmega, hexacampeão mundial de bodyboard. Em dezembro, ele estará nas ilhas Canárias surfando por mais um título. Essa será a penúltima etapa do circuito, liderado mais uma vez por Tâmega, que no ano passado deu uma parada para respirar e se energizar. “Minhas forças mentais estavam se esgotando”, conta ele.
Além da pressão psicológica, toda competição que se preze é marcada por grandes rivalidades. “Quando eu comecei a competir, minha vontade era destronar o Mike Stewart”, recorda Tâmega, referindo-se ao havaiano que é lembrado quase como um sinônimo de bodyboard. Aos 45 anos, Mike ainda é adversário de Tâmega no circuito mundial. E, assim como Kelly, é eneacampeão, ou seja, já levantou o caneco nove vezes. No entanto, suas conquistas foram durante a década de 1980 e início da de 1990, quando ainda não existia um circuito regido por uma associação. “Naquela época, o mundial consistia em apenas uma etapa, que rolava em Pipeline, no Havaí, e era patrocinada pela marca de pranchas Morey Boggie”, explica Tâmega. O curioso é que só se podia correr o campeonato surfando com uma prancha dessa marca. “Então, assim que eu chegava ao Havaí, ia até uma loja e comprava uma Morey modelo Mach 7-7 para chegar preparado no dia do evento”, conta.
Tâmega conquistou seu primeiro mundial em 1994, o último ano da ditadura Morey Boggie, quando Netuno presenteou Pipeline com ondas perfeitas, gigantes e tubulares de 5 metros. No ano seguinte, foi fundada a Global Organization of Bodyboard (GOB), que instaurou um circuito com dez etapas. O bodyboarder brasileiro mais uma vez não deu mole para os adversários, tornando-se bicampeão do mundo. Hoje, após altos e baixos, é a International Bodyboarding Association (IBA) que controla o calendário mundial da modalidade. “O circuito está crescendo de novo, e os melhores atletas estão competindo nele, inclusive o Mike, que ainda não deu sinal de que vai parar tão cedo”, diz Tâmega, que atualmente treina quatro horas por dia para não deixar que o baiano Uri Valadão nem o australiano Ben Player – segundo e terceiro do ranking da IBA, respectivamente – criem obstáculos ao hepta.
Enquanto a IBA está em ascensão, a World Cup Skateboarding (WCS), instituição responsável pelo skate, definha – e com isso tira o brilho de outro multicampeão brasileiro, Sandro Dias. Em 2007, Dias foi pentacampeão mundial na modalidade vertical, batendo nomes consagrados como Bob Burnquist e Neil Hendrix em algumas etapas. No entanto, o brasileiro foi um dos poucos skatistas que estiveram presentes em todos os sete eventos realizados durante o ano. “De um tempo pra cá, o mundial vem perdendo força. Acho que a culpada por isso é a própria WCS, que não incentiva os atletas profissionais”, diz ele. Com isso, os melhores atletas migram para competições fora do circuito da WCS, nos Estados Unidos e na Europa, onde as premiações são bem mais atraentes.
“UM CAMPEÃO MUNDIAL é visto como uma referência. Os adversários te respeitam, te observam e até pedem orientação”, revela o iatista brasileiro Robert Scheidt, octacampeão mundial na classe laser. A vela é um esporte muito competitivo, e, nos 26 anos em que Scheidt está nele, o inglês Ben Ainslie foi seu maior rival. “Ganhei medalha de ouro nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996, em cima dele. Em Sydney, quatro anos depois, ele foi o campeão e eu fiquei com a prata”, lembra o brasileiro.
No ano passado, ao lado de Bruno Prada, Scheidt conquistou seu primeiro título mundial na classe star, em que os barcos são maiores que os da laser. “Não pretendo parar de velejar nunca. E em 2012 quero estar nas Olimpíadas de Londres, competindo na classe star.”
Fora das águas, é o mountain bike four cross um dos esportes mais duros e competitivos. A modalidade é inspirada no BMX e integra a grade de modalidades da Union Cycliste Internationale (UCI). Numa bateria de four cross, quatro bikers brigam a primeira colocação numa pista de terra geralmente desnivelada e cheia de curvas fechadas. Atualmente, o four cross mundial é dominado por Brian Lopes, que no ano passado se tornou o ciclista mais velho a vencer uma copa do mundo, num circuito promovido pela UCI. Para ser dono do recorde, o norte-americano somou mais pontos que os demais ao término de cinco etapas, disputadas no Canadá e em países da Europa. Além disso, essa foi a sexta vez que ele ganhou uma copa do mundo, outra proeza inédita para os bikers do four cross. “Eu sempre desejei a vitória e acreditei nela. Mas treinei duro para isso”, conta Brian, hoje com 37 anos.
Quando se está ganhando, não importa a idade, é difícil pensar em aposentadoria. Os anos passam, e parece que a vontade de duelar nas pistas, nas ondas e nas raias só aumenta. “Amo velejar e acho que sempre buscarei a competitividade. Como diz meu pai, com a idade a gente só troca os barcos menores pelos maiores”, diz Scheidt, que, além das Olimpíadas, tem planos para disputar uma edição da regata America’s Cup nos próximos anos.
Kelly Slater é outro veterano que diversas vezes adiou o afastamento das competições. Após o nono título, muito se especula sobre uma recompensa milionária, que seria paga pela marca que o patrocina, caso se torne decacampeão mundial de surf. Mas, por enquanto, ele prefere se concentrar em cada bateria e fazer do futuro algo incerto. “Até chego a pensar se o free surf me traria a mesma felicidade que tenho como competidor”, admite. “Mas sei que posso usar meu nome para alertar sobre questões além do surf. Hoje só 4% das águas dos oceanos não sofreram algum tipo de poluição. E esse é apenas um dos problemas reais com que devemos nos preocupar”, finaliza, certo de que nada ainda está ganho.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2008)
SLATERS: Kelly Slater fazendo o que sabe de mehor