Cuidado: fanáticos por bike trabalhando


O BANDO DA SPECIALIZED: Da esq. para a dir., Anthony Trujillo, Brandon Sloan, Jan Talavasek, Mick McAndrews, Sam Pickman e Chris D’Aluisio

Por Alex Frankel
Fotos Misha Gravenor

NAS PROFUNDEZAS DE UM ENORME GALPÃO no norte da Califórnia, onde fica o lar da Specialized Bicycle Components, há uma sala de testes fechada à chave e com uma única janela. Logo ao lado há uma pilha de quadros de fibra de carbono que foram quebrados, dobrados, torcidos e destroçados – tudo em nome da produção de novas e melhores máquinas.

Aqui, o gerente de laboratório Sam Pickman observa um processo que pode ser muito doloroso de ser visto por um amante das bikes: testes de resistência de material em que os quadros são forçados até uma ruptura catastrófica. Agora mesmo, quatro deles estão montados em geringonças de aço que empurram, puxam e flexionam os tubos em várias direções. A fibra de carbono, uma trama de fios extremamente finos ligados por cristais microscópicos, é um material forte, que cede pouco. Quando um tubo de fibra de carbono finalmente se rompe, ele não dobra e quebra simplesmente. Ele se detona com um som que mais parece um rojão. “Há a expectativa, daí vem o medo. Então, ela explode”, diz Pickman, um engenheiro mecânico magrelo de 27 anos que também é ciclista competivo.

Este teste de tortura é apenas um passo no complicado processo de se criar uma bicicleta moderna e top de linha. A maioria dos quadros enviados ao laboratório foram desenhados pelos engenheiros da Specialized em seus computadores, depois moldados numa fábrica na Ásia e enviados de volta à Califórnia. O menu de abusos inclui testes de fadiga que simulam um ciclista saltando de um degrau alto e testes de stress de 24 horas que imitam quinze anos de uso e expõem falhas microscópicas de projeto.

Em janeiro de 2008, quando passei pelo laboratório, Pickman estava afundado até os joelhos em quadros quebrados, que haviam sido projetados para uma mountain bike cross country versão 2009 chamada S-Works Epic, o upgrade da popular Epic 2008 (a designação S-Works é usada para bicicletas top de linha). Antes que os testes terminem, mais de cem quadros – a espinha dorsal de bikes que serão vendidas cerca de US$ 8 mil nos Estados Unidos – serão destruídos.

De certo modo, melhorias são uma rotina. Na Specialized elas acontecem a cada poucos anos na maioria dos modelos. Mas os designers decidiram que este projeto de 2009 seria uma oportunidade para, fundamentalmente, repensar a bicicleta. Quando a marca lançou a primeira Epic, em 2001, seu sistema de suspensão nas duas rodas foi uma revolução, mas as outras marcas já se equipararam.

A quantidade de planejamento, mão de obra e despesas que vêm com um redesenho como esse dão um bom estudo de caso sobre o que acontece quando uma empresa de bikes de alto nível resolve aumentar seus próprios padrões. Isso é especialmente verdadeiro no caso da Epic 2009, pois o objetivo agora é nada mais do que criar a mountain bike de corridas mais leve, forte e ágil jamais construída. A idéia era que as vitórias nas competições serviriam como ferramenta de marketing para as outras linhas de produtos. A Specialized colocaria aproximadamente 2 milhões de dólares no projeto de desenvolvimento.

A equipe esperava que os atletas patrocinados pudessem mostrar a bike nas competições mais importantes de 2008. O maior desafio recairia sobre Christoph Sauser, profissional suíço cujo objetivo era vencer o campeonato mundial cross country em junho, em Val di Sole, Itália. “Com a Epic queremos velocidade absoluta, e criar a ferramenta definitiva para o Christoph”, explicou Sinyard mais tarde.


DETALHES QUE FAZEM A DIFERENÇA: Inovações chave na Epic 2009 melhoraram a performance e eliminaram peso

A SPECIALIZED COMEÇOU como uma empresa que consistia de um cara – um barbudo recém-formado de nome Mike Sinyard – que importava componentes da Europa. Após vender seu microônibus Volkswagen em 1974 para financiar seu negócio, Sinyard saía de bike para distribuir os componentes para as lojas na Bay Area de San Francisco e para construtores de quadro emergentes. No começo dos anos 80, a Specialized já produzia e vendia a popular Stumpjumper, a primeira mountain bike para o mercado de massa. Atualmente, Sinyard, com 59 anos, dirige um monstro corporativo que projeta e vende uma vasta linha de bicicletas – estradeiras, híbridas, cross country, downhill, enduro, freeride, cicloturismo e ciclocross.

O projeto da Epic 2009 foi iniciado em abril de 2007 no quartel-general da Specialized em Morgan Hill, na Califórnia, uma hora ao sul de San Francisco. Ali, sob uma linha de lâmpadas fluorescentes, um grupo de caras– o “Bando da Mountain Bike de Alta Performance” da Specialized – se juntou para estabelecer os objetivos do projeto.

O “Bando” é um time de construtores veteranos classe A. O engenheiro alemão Jan Talavasek é um mestre na complicada arte da fabricação em fibra de carbono; o gerente de produto Brandon Sloan compete em downhill; o líder da suspensão Mike “Mick” McAndrews ajudou a criar a primeira fornada de garfos RockShox em 1992; e o veterano de 21 anos da Specialized Robert Egger criou designs que mereceram lugar no Museu de Arte Moderna de São Francisco.

As anotações de Sloan sobre a reunião foram comuns e misteriosas. Pelo menos um suporte de caramanhola no triângulo principal. Minimizar o peso alcançando os objetivos de resistência, manter a altura do quadro a menor possível. Um ponto importante foi marcado como “USP” (do inglês “unique selling proposition”, ou proposta incomparável para venda): a mais rápida bike cross-country com suspensão.

A velocidade numa bike de alta performance vem da combinação de menor peso, melhor transmissão de força, eficiência de pedal, controle sobre terreno irregular e precisão de direcionamento. A equipe tinha 18 meses para iniciar a produção e a missão era melhorar a eficiência geral da bicicleta e, ao mesmo tempo, eliminar gramas onde fosse possível.

Uma forma de se cortar peso e melhorar a qualidade da pedalada era através do que a empresa rotulou de “integração total da suspensão” – eles mesmos construiriam as suspensões dianteira e traseira e as pedivelas, em vez de ficarem presos a fabricantes de componentes padronizados. Um movimento importante aqui foi a re-contratação de Mick McAndrews. O californiano de 49 anos trabalhou durante dez anos na área de pesquisa e desenvolvimento da Kawasaki antes de criar suspensões pioneiras para bikes na RockShox, Fox Racing, Specialized e Maverick American.

As rodas numa mountain bike cross county moderna se prendem ao quadro de forma dinâmica, com suspensões dianteira e traseira que se movem para cima e para baixo sobre as pedras e irregularidades do terreno. A suspensão ideal para um competidor o ajuda a descer mais rápido, mas não o retarda no plano e em subidas.

Qualquer mecanismo de suspensão de bicicletas tem dois componentes – uma mola e um amortecedor – e, num garfo típico, cada um se encaixa em uma perna. Na suspensão dianteira da Epic, uma câmara de ar comprimido atua como mola. O amortecedor, que controla o sobe-desce da mola, funciona à base de óleo, que passa através de pequenas aberturas, o que impede o retorno repentino e adiciona uma pequena quantidade de resistência. O garfo dianteiro da Epic 2009, a E100, originou-se de uma idéia de McAndrews a respeito de design concêntrico. Ele tem os mecanismos de amortecedor e mola na mesma perna, o que elimina 77 gramas. Só esse garfo precisou de 18 meses de projeto e testes.

Com o primeiro modelo Epic, a Specialized foi pioneira ao reduzir drasticamente o movimento da suspensão traseira ao se pedalar – o que era o grande problema desses sistemas, já que o balanço gerado pelo ciclista atrapalha a transferência direta da força da pedalada para força motora. Para o modelo 2009, McAndrews e sua equipe decidiram não repensar radicalmente a suspensão traseira; em vez disso, eles diminuiriam um pouco seu peso com um corpo mais esguio e incorporariam duas patentes da Specialized.

Uma delas é um sistema de junção que permite à roda traseira mover-se apenas para cima e para baixo, e não para frente e para trás. Dessa forma, as flutuações no comprimento da corrente, que atrapalham muitos sistemas, foram eliminadas. Outra patente é o chamado sistema inércia de válvula, inventado por McAndrews na Specialized em 1998. Essa válvula, conhecida dentro da empresa como Brain Technology [Tecnologia Cerebral], consiste em um pequeno cilindro contendo um peso de metal que é preso à rabeira superior e conectado através de uma mangueira à suspensão. O impacto, de baixo para cima, gerado por terreno irregular, move o peso, abrindo uma válvula que deixa o óleo fluir e ativa a suspensão. Em superfícies lisas, o peso fecha a válvula e a desativa. A idéia é oferecer suspensão ao ciclista apenas quando necessário.

A recompensa pelos infindáveis ajustes finos foi lenta, mas crucial. “Se pudermos diminuir 6 gramas com um novo design, vamos fazer isso”, diz McAndrews. Com estas e outras inovações, 227 gramas foram cortados da suspensão.


CHEFÃO: Mike Sinyard, fundador da empresa

ENQUANTO McANDREWS e sua equipe trabalhavam nos amortecedores da Epic, Jan Talavasek projetava o quadro e gerenciava a possível produção de 21 diferentes modelos de fibra de carbono e alumínio para homens e mulheres.

Trabalhando na Specialized por apenas dois anos, Talavasek, 31 anos, era relativamente novato. Sua carreira de engenheiro havia começado na Audi, onde ele achou o ritmo de inovações automobilísticas muito lento. O trabalho numa pequena empresa de bicicletas o levou a Taiwan. Lá, ele conheceu o diretor de engenharia da Specialized, Mark Schroeder, que o contratou e transferiu para os Estados Unidos (a Specialized trabalha com subsidiárias em Taiwan e na China para produzirem o grosso de sua fabricação.)

Talavasek começou a projetar a Epic com simples rascunhos bi-dimensionais, jogando com a geometria do quadro e com a maneira como os sistemas de suspensão se conectariam a ele. Munido de algumas novas idéias, reuniu-se com Egger, diretor de criação da Specialized e responsável pela aparência final da bike. Egger, 47 – um cara alto, com cabelo cortado à máquina e sorriso amplo – é o principal designer por trás da maioria dos produtos Specialized. Ex-competidor de bike, Egger formou-se em desenho industrial e trabalhou para empresas como a Trek e a Blackburn. Ele era mecânico numa loja de bike perto da Specialized quando Sinyard o encontrou, em 1986.

Um dia, no escritório da Specialized, Egger levou-me a um tour à galeria que hospeda várias de suas criações. Observamos sua bike-conceito, a Dragstripper, assim como a Road bike S-Works E5 que Mario Cipollini pedalou para vencer o Milão-San Remo em 2002. Egger mostrou como tentou imitar a curvatura da Terra nos arcos centrais do quadro, e citou o designer Le Corbusier, arquiteto modernista da metade do século XX, como o mestre da forma e da função.

O tour termina com um slide show, em seu iPhone prateado, da casa em estilo toscano que ele e a esposa construíram ao longo dos últimos seis anos. Eles viveram em um pequeno trailer por dois anos e passavam as noites martelando. “Esta é minha garagem e este é um modelo de carro de corrida de 1965 que estou construindo”, diz, mostrando as fotos. “Está vendo a porta da garagem? Eu projetei. Vê aquelas dobradiças de metal? Eu forjei”. Egger é a quintessência do funcionário Specialized: um cara faz-tudo que, ao contrário de outros designers e engenheiros, normalmente troca o computador pela oficina e às vezes gosta de esculpir projetos preliminares em madeira. Ele dirige seu departamento com 15 pessoas com pulso forte, exigindo que todos cheguem às 8 e saiam às 5 e meia.

Egger e Talavasek têm um relacionamento sólido, mas não sem desentendimentos. Um engenheiro de bikes normalmente tende a querer as coisas mais quadradas, enquanto um designer gosta mais dos formatos orgânicos, esculturais. “Temos o luxo de materiais avançados, que nos permitem abrir a mente de verdade em relação à forma como desenhamos nossos tubos”, diz Egger, que tenta projetar bikes que comuniquem visualmente sua proposta. “Eu penso em Christoph Sauser como um motor de competição que precisa de uma máquina sob si, para acentuar sua habilidade.”

Egger queria que a Epic tivesse um tubo superior pequeno e elegante. Mas Talavasek queria um tubo leve, de paredes finas e diâmetro grande. A solução foi um tubo ovalado, que cumpria a função de um tubo superior – reduzir a flexão lateral – com aparência estreita se olhado de perfil.

A Epic 2008 tinha uma suspensão traseira bonita e assimétrica, que colocava o corpo do amortecedor no triângulo traseiro. Esse projeto demandava tubos dianteiros mais pesados, triangulares, para compensar a carga lateral. Egger e Talavasek concordaram em centralizar o amortecedor e mudá-lo para o triângulo dianteiro. Talavasek projetou um braço oscilante de duas peças para conectar o triângulo traseiro para frente.

Quaisquer que fossem as diferenças de opinião, a parceria funciona porque, no fim das contas, Egger e Talavasek têm a mesma coisa em mente. “Nosso objetivo é sempre fazer uma bike que te faça babar de vontade de pedalar”.

TALAVASEK E EGGER finalizaram o projeto do quadro Epic em julho de 2007, mas antes de seguirem adiante e começarem a modelagem em 3D, eles encomendaram para Taiwan um protótipo de alumínio pedalável. O modelo não era leve nem forte, mas como primeiro teste de conceito permitiria que eles avaliassem a geometria e o desempenho do sistema básico de suspensão.

Em pedaladas nas trilhas das montanhas de Santa Cruz, Talavasek e Sloan sentiram a flexão lateral no triângulo traseiro. “Se você consegue sentir na bike, então quer dizer que não é tão mau”, diz Sloan. Testes de laboratório demonstraram que o braço oscilante de duas peças era um ponto fraco. Mais tarde, Talavasek projetou um braço simples, para criar um triângulo traseiro mais rígido. Paralelamente, Egger e sua equipe de desenho industrial usaram uma impressora de plástico 3D para gerar um modelo da Epic, que usaram para experimentar as pinturas, decalques e outros itens estéticos para os quadros.

Após estabelecer um desenho de quadro básico, Talavasek passou para a modelagem 3D, usando um programa chamado Pro/Engineer. Isto permitiu que ele determinasse, virtualmente, as qualidades importantes dos vários projetos antes que fossem construídos. Ele também conseguiu avaliar a rigidez de torção e a rigidez lateral de vários quadros, o que determinaria a eficiência de pedalada e as curvas da bike. Um software de cinemática permitiu a Talavasek plotar os efeitos dos movimentos do ciclista e a mudar o curso da suspensão.

Seu plano era iniciar com uma bike mais leve e fraca e depois, através de testes, aumentar seu volume e força. Ao final de dois meses, Talavasek tinha uma versão eletrônica complexa da bike. Ele enviou um CD com os arquivos digitais para o parceiro fabricante da Specialized em Xiamen, China, que cortou moldes a partir de grandes pedaços de aço e depois os trabalhou e poliu. Talavasek voou para a China em outubro de 2007 para ver as primeiras bikes saírem dos moldes. Antes de partir, solicitou que uma leva dos primeiros quadros de carbono manufaturados fosse enviada para o laboratório de testes Morgan Hill.

Como parte do infindável esforço de criar bikes mais leves, a construção de materiais para equipamentos de ponta evoluiu do aço para o aço cromo-molibdênio, alumínio, titânio e o atual favorito, fibra de carbono, que é notável pela sua notável taxa peso-resistência. Trabalhar com fibra de carbono aumenta a complexidade do trabalho de um engenheiro. Quando você usa aço ou alumínio, os tubos têm uma gama limitada de atributos, baseado em seu formato tipicamente oval ou redondo. Trabalhar com fibra de carbono oferece virtualmente infinitas possibilidades de projeto, pois os formatos podem ser mais esculturais.

O processo de produção da fibra de carbono e da fabricação de um quadro é uma mescla complexa de ciência, processo industrial e arte. A partir de filamentos de carbono semelhantes a cordas, são tecidos rolos de fibra de carbono em forma de folhas, como uma tapeçaria. Essas folhas, que se parecem com telas de mosquiteiros, são cobertas com um líquido extremamente viscoso e todo esse tecido gosmento é colocado em um sanduíche de papel encerado.

Para se produzir tubos de bicicleta, vários pedaços de fibra de carbono de formatos específicos são dispostos em camadas, como papier-maché, em volta de moldes rígidos. Esses moldes são, então, removidos e substituídos por bolsas plásticas. Finalmente, o rolo recheado é colocado dentro de um molde metálico para dar a forma final. As bolsas plásticas são infladas com ar e forçam a tela de carbono contra as paredes internas do molde; neste ponto, o calor causa o enrijecimento do material até que se solidifique. O molde fornece um “monocoque” curado, palavra dos especialistas para definir uma técnica de construção inteiriça que suporta muita carga. A Epic de fibra de carbono teria duas dessas peças, que, fundidas, formariam o quadro único.

Apesar de o molde da Epic 2009 já estar pronto, faltava definir a espessura exata de cada parte, e confirmar a colocação, direção e espessura do carbono – tarefas que consumiriam o tempo de Talavasek por meses a partir de novembro de 2007. Modelos em computador não conseguem estabelecer exatamente como colocar as camadas de fibra de carbono, um processo que requer não só matemática, mas experiência e intuição. Somente os testes de laboratório poderiam confirmar o que os modelos de computação conseguiam apenas prever. “Observando o comportamento de uma bike durante um teste pode-se aprender muito”, diz Talavasek. “Eu sempre sento em frente à máquina por 15 minutos e olho o quadro. Dá para sentir onde ele se dobra, se é preciso colocar ou tirar material, se há espaço para economizar no peso ou para fortalecer.”

Até março de 2008, com o campeonato mundial a apenas três meses de distância, Talavasek ainda não tinha decidido se usaria alumínio, mais pesado, no triângulo traseiro ou se faria um quadro totalmente de carbono. Testes de laboratório demonstraram que ele poderia tirar peso da rabeta inferior e, ainda assim, obter a resistência necessária com carbono. Os testes ajudaram-no a criar um quadro de 1,651 quilo. Ao final, com todas as peças, a Epic 2009 pesaria apenas 9,843 quilos, quase 680 gramas menos do que o modelo 2008.


ÚTERO: Dentro do laboratório de testes da Specialized

A PEDALADA DO ALMOÇO é uma antiga tradição da Specialized e acontece todos os dias às 12:15. Um grupo de 20 ou mais funcionários rodam em circuitos próximos a Morgan Hill, tomam banho, engolem um sanduíche e voltam aos seus postos num intervalo de 90 minutos.

Como qualquer empresa envolvida em tecnologia de ponta, a Specialized tem seu próprio departamento de pesquisa e desenvolvimento, e ele tem dois funcionários: Egger e um ciclista profissional chamado Chris D’Aluisio, que tem a função de explorar novos conceitos. D’Aluisio é provavelmente quem mais pedala na empresa – um fanático entre fanáticos.

D’Aluisio produziu mais de 25 patentes, inclusive campeãs, como os enxertos elastoméricos Zertz, para absorção de choques, e o cubo em formato de estrela de cinco pontas. A Epic teria um jogo de pedivelas de carbono extremamente leves que ele projetou e que eliminariam 120 gramas do modelo anterior.

Outro departamento chave, o marketing, é gerenciado por Ben Capron, um veterano com 15 anos de casa. Capron, de 37 anos, cresceu perto do monte Tamalpais, no condado de Marin. Enquanto estudava no ensino médio, ele inventou os freios Marinovative para mountain bike, que foram o prenúncio dos revolucionários freios V-brake da Shimano. Depois da faculdade, ele trabalhou numa loja de bikes até que, como Egger, foi pego pela Specialized, começando como um técnico em bike, depois promovido a gerente de marca e agora dirigindo a área de marketing global.

Como muitos na Specialized, ele não aceita o mundo como ele é. Após comprar um colchão de 3 mil dólares, não hesitou em fatiá-lo com um estilete para inserir uma lâmina de compensado e deixá-lo mais rígido. Quando não está pedalando, ele se locomove numa Mercedes 1981 que pode ser movida a óleo vegetal descartado.

Um dia, Capron me levou para um passeio de carro na serra a oeste do escritório da Specialized. Enquanto dirigia, ele me falava a respeito do patrocínio da Specialized para a Quick Step, equipe belga de ciclismo de estrada. Em 2007, depois da Specialized substituir a Time Sport International como patrocinadora da equipe, eles apresentaram uma nova bike aos ciclistas: a Tarmac SL2. O velocista da equipe, o belga Tom Boonen, disse aos engenheiros que a parte traseira do quadro não era rígida o suficiente.

Para o engenheiro de bikes de estrada Luc Callahan, isso não fazia sentido. De acordo com os resultados dos três testes de resistência principais, o quadro era duro o bastante. A equipe desenvolveu então um novo teste, que comprovou a razão de Boonen, e a Specialized começou depois a projetar rabeiras superiores e inferiores mais rígidas. Para Capron, o episódio foi a prova de que testes são limitados. Você tem que pedalar o troço e escutar o que ele tem a dizer.

Eu e o Capron estacionamos numa área poeirenta, onde um terrier caolho passeia. Os ciclistas da Specialized freqüentemente usam o Santa Teresa Contry Park para testar as bikes, e eu vejo lycras vermelhas e brancas brilhando na estrada lá em cima. Os três principais testadores de produtos vieram de todos os lados: o triatleta off road Conrad Stoltz veio da África do Sul, Christoph Sauser veio de Zurique e Ned Overend, o primeiro campeão mundial de mountain bike e embaixador da Specialized, veio do Colorado. É fevereiro de 2008, uma ensolarada tarde de inverno, e os três estão realizando o primeiro importante teste de campo da Epic 2009. Eles dão voltas e mais voltas num trecho de lombadas com 100 metros de comprimento.

Logo ao lado está a platéia: o designer de quadros Talavasek e o engenheiro de suspensão traseira Anthony Trujillo. Eles esperam a verbalização de críticas, mas os ciclistas estão curtindo a nova Epic. Surgem uma ou duas questões, inclusive o ruído da suspensão. Trujillo passará os próximos dois meses eliminando o barulho. Overend diz que não está sentindo o indesejado “feedback” que teve da Epic 2008 e Sauser acha que ela alterna entre acima e abaixo com fluidez. “Ela decola ladeira acima como um jato caça”, ele diz, “e ladeira abaixo dá a sensação de pouso num Jumbo. Eu gosto dessa traseira firme, sem nenhum movimento.”

Talavasek e Trujillo anotam os obscuros pronunciamentos dos atletas. Apesar de não serem exatamente técnicos, seus comentários guiarão os próximos projetos de quadro e suspensão, empurrando a nova bike para a produção e para algo que seja verdadeiramente apropriado para uma competição.

TALAVASEK TEM GRANDE respeito por Sauser, um competidor com quem conversa em alemão e que compartilha seus interesses por pequenos detalhes técnicos. Com as bikes em produção, Talavasek agora pode focar nas necessidades de Sauser para o campeonato mundial de mountain bike cross contry. Ele projeta uma fixação de câmbio dianteiro sob medida, que irá economizar uns poucos e preciosos gramas.

Capron e o departamento de marketing já planejaram o aparecimento público da Epic há muito tempo. O plano é enviar a nova bike a Sauser um mês antes do campeonato na Itália, para ele treinar discretamente. No dia da corrida, ele a revelará na linha de largada e guardará rapidamente após a chegada. No melhor dos casos ele irá vencer a prova e a imprensa ciclística vai querer saber o que ele estava pedalando. Mas não havia garantias de que ele subiria ao pódio. Sauser compete desde 1993 e ganhou bronze nas Olimpíadas de 2000. No campeonatomundial de cross country, ele ficou entre os dez melhores por oito vezes e pegou segundo lugar duas vezes, mas a vitória escapou.

Até maio de 2008, os primeiros quadros Epic estão em produção na China. Os quadros da série piloto são enviadas ao QG para mais testes, que demonstram que uma parte vital da suspensão traseira está falhando porque um componente teve um problema de fabricação. Talavasek teme que colocar a bike em competição possa causar danos nos amortecedores. Capron está preocupado com a má publicidade no caso de uma falha mecânica. Os dias passam enquanto Trujillo trabalha para fazer o fornecedor recortar a peça. Sauser esteve envolvido no desenvolvimento da bicicleta e acredita que ela irá ajudá-lo a vencer. Quando ele fica sabendo dos problemas, deixa claro que tem que correr com a nova bike.

O elegante quadro, negro fosco, e as pedivelas superleves chegam a Milão poucos dias antes da corrida. O mecânico amigo de Sauser, Benno Willeit, rapidamente monta a bike com as peças que reuniu durante toda a primavera. Sauser e Willeit compõem uma das parcerias mecânico-ciclista mais maníacas do circuito profissional, e a bike que eles montaram tem quase um quilo a menos do que aquela que será comercializada pela Specialized. Eles a completam com suportes de caramanhola em plástico ultra leve e finíssimos rotores de freio a disco e parafusos da pinça em alumínio. Eles colocam todas as peças de carbono: guidão, alavancas, um canote customizado e apenas duas coroas. O peso mais baixo irá ajudar Sauser na aceleração no plano e em subidas, mas ele tem apenas quatro dias para se adaptar à nova bike.

A corrida dura pouco menos de duas horas e o mecânico Willeit assiste de perto, esperando que a bike não falhe. Após a terceira volta, Sauser entra na liderança e cruza a linha de chegada como o novo campeão mundial, quase três minutos à frente de seu compatriota Florian Vogel. A imprensa fervilha ao redor do corredor vitorioso, principalmente para olhar sua bike mais de perto e tirar algumas fotos.

“Eu fui o melhor ciclista do mundo, pedalando a melhor bike do mundo”, ele declara. Lá em Morgan Hill, Talavasek e o resto da equipe comemoram. Então, mais do que rapidamente, voltam a atenção à próxima versão da Epic.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2008)