Os reis de Maresias


SURF COLETIVO: Sylvio Mancuuzzi no tubo nota 10 da semifinal

Por Eduardo Petta

MENINOS EU VI. Eu vi a ondulação de sul apontar no mapa do satélite, o sinal de alerta verde ser acionado após seis meses de espera, vi os maiores big riders do Brasil chegando de todos os cantos. Eu vi o mar em Maresias amanhecer com ondas de 3 a 4 metros, com condições casca-grossa e céu carrancudo. E vi o melhor campeonato de surfe já realizado em terras tupiniquins.

A opinião não é só minha. Era unânime entre os mais de 300 felizardos que compareceram com guarda-chuva nas mãos para assistir as baterias. “Um campeonato deste impulsiona o esporte”, disse o experiente Eraldo Gueiros, campeão mundial de tow-in. A energia e a adrenalina eram tão grandes do lado de fora do mar que, mesmo com tanta onda batendo no litoral e deixando praias como Paúba, Guaecá e Baleia com condições perfeitas de surfe, ninguém queria arredar o pé da areia. Nenhum pró ou prego desgrudava os olhos do mar. O que se estava presenciando era um momento único, talvez o começo de uma história que o futuro irá contar.

Paulistano, desde os 7 anos levo a vida em cima de uma prancha de surfe. Igual a tantos outros, por causa do esporte mudei de profissão e fui morar no litoral. Mas Deus não me deu o dom para viver do assunto. E nunca achei graça nas competições, nem como expectador. Os campeonatos aqui no Brasil sempre me deram um sono e uma preguiça de doer. Esse ano, por exemplo, tanto no Super Surfe, como no WQS no quintal de casa, em Itamambuca, nem me dignei a andar até o canto direito da praia para conferir.

Aquele palanque fixo monstruoso, a cabecinha empresarial do lucro, a televisão que marca horário para as baterias e agenda o campeonato para uma praia que recebe swell de sul, na temporada de ventos e ondulações de leste –

é tudo de chorar. Também nunca gostei desse tal de tow-in. Sempre fui um purista, amante da remada e da não-poluição das praias, contra o cheiro de gasolina, o barulho e o perigo que as máquinas trazem à praia.

Segunda-feira, dia 17 de novembro de 2008, marca uma revolução na minha mente. Várias, aliás. Sim, é possível ter um campeonato com ondas grandes no Brasil, palanque pequeno, imprensa em massa, premiação alta, baixo impacto ecológico e com os melhores atletas no mar. E o tal tow-in, nessas condições quase impossíveis de se varar o mar na remada (e só nestas condições), é perfeitamente aceitável, possível e… Bem, eu queria mesmo era estar lá no outside também.


EMOÇÃO: Alemão e Sylvio se emocionam ao receber o troféu de reis de Maresias

Mas eu estava feliz na praia. Nunca tinha visto tanta ação. As baterias de tow-in não se limitam às ondas. É uma tensão total: o olho no horizonte para ver a série apontar no outside, os atletas riscando a onda na tentativa de descê-las, a velocidade que eles entram na onda e tentam passar a sessão – manobrando, entubando, dando floaters. É um jogo de dupla. Se Sylvio Mancuzi surfou um tubo nota 10 na semifinal, foi porque seu parceiro, o Alemão de Maresias, o colocou na onda do jeito perfeito. É o surfe coletivo. Sintonia fina. Tem o resgate corrido do colega, o salvamento da prancha, a habilidade para levar para o fundo o jet ski numa rapidez impressionante. Com 30 minutos de bateria da final, Mancuzi havia surfado 10 ondas de Maresias entre 2,5 e 4 metros de altura.

Quantas ondas ele já teria dropado na remada? “Se tivesse passado a arrebentação? Uma”, ele disse.

Após dois dias de muitas ondas, câmera e ação, o mel do evento ficou para a grande final. Sob um fraco vento terral, as três duplas finalistas caíram no mar. De camisetas pretas, os veteranos Eraldo Gueiros e Carlos Burle (único brasileiro convidado para o Eddie Aikau, campeonato de ondas grandes disputado no inverno havaiano) não acharam as ondas e acabaram em terceiro. De amarelo, Everaldo Pato e Yuri Soledade, que arrebentaram na semifinal, ficaram em segundo. Melhor sorte teve a dupla prata da casa, de lycra branca. Silvio Mancuzi levantou a galera com dois tubaços de braço esticado, saindo junto com o spray. E o Alemão de Maresias arrebentou na maior do dia. Na onda vencedora, ele dropou uma morra assustadora, sumiu na base e apareceu só 100 metros adiante. Depois, botou para baixo, virou o bico para o céu e deu outra bolachada, levantando um leque enorme, desenhando a onda até a beira.

Ainda faltavam dez minutos para o término da bateria, mas todo mundo na areia já sabia quem seriam os vencedores. Ao soar da sirene, o jet da dupla aterrissou na areia e foi saudado por uma gritaria histérica. Alemão era finalmente o rei na praia onde aprendeu a surfar, carregado no braço por amigos – coroa dividida com Silvinho e seus tubos inacreditáveis, num mar horrível, péssimo, grande, pesado, fechando, sem canal, mas que ainda assim proporcionou momentos maravilhosos. Silvinho, 35 anos e Edilson Assunção Alemão, 39 anos, ganharam um jet ski, R$ 8 mil e um troféu onde está escrito “The King of Maresias”. Como disse Silvinho: “Quem disse que santo de casa não faz milagre, viajou”. E quem viu este campeonato um dia vai poder contar para os seus netinhos. Meninos, eu vi.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2008)