Por Fernanda Franco O QUE EXIGE MAIS TREINAMENTO ou maior performance do corpo humano? Pilotar um monociclo em subidas de terra ou chegar até o campo base do Everest, a 5.300 metros de altitude, com as próprias pernas e pulmões? Isolados, ambos os objetivos já parecem suficientemente desafiadores. Mas um inglês extrapolou a barreira do extremo, unindo os dois desafios. Steve Colligan, 47, pedalou seu monociclo por cerca de 1.100 quilômetros até o acampamento base do Everest, para angariar fundos para projetos educacionais do Nepal. Ele não hesita em dizer: “Foi a coisa mais extrema a que eu podia submeter meu corpo. Perdi 10 quilos em apenas 17 dias.”
A rota escolhida por Colligan foi a chamada Friendship Highway, que liga Lhasa, capital do Tibet, a Katmandu, capital do Nepal. Fazendo parte de uma expedição de mountain bikers, Steve encarou 17 dias de travessia, depois de passar quatro dias se aclimatando em Lhasa. Durante o trajeto, ele teve que lidar tanto com os desafios de fazer força a mais de 5.000 metros de altitude, onde o oxigênio é metade do existente ao nível do mar, quanto com as características básicas do monociclismo: concentração em 100% do tempo para não perder o equilíbrio, mais o fato de que não se anda sequer um único centímetro para frente ou para trás sem pedalar, nem mesmo nos downhills.
Sem conseguir acompanhar o ritmo dos ciclistas de duas rodas, Steve pedalava seu mono a maior parte do tempo sozinho. Muitas vezes começava antes do restante do grupo, ainda à noite, e parava depois de todos. Num único dia chegou a pedalar mais de 13 horas seguidas. Agüentar o desconforto do banco foi um dos pontos mais difíceis. Se os bikers às vezes podiam levantar ou mudar de posição para dar um certo alívio às partes que precisavam de descanso, ele não tinha essa opção.
Logo no começo da viagem, o inglês pegou uma tosse que o acompanhou até o fim, dificultando ainda mais manter o fôlego dia após dia. Ele chegou a 5. 263 metros, e por sete vezes pedalou acima dos 5.000 metros, sendo cinco delas em terrenos totalmente sem estrada. Os ventos constantes que rondam a montanha mais alta do mundo não deram trégua e foram os maiores inimigos do inglês. “Com um único ponto de contato com o chão, o vento te tira da direção facilmente. Algumas vezes eu era quase arremessado do meu mono, e em outras o vento contra simplesmente me parava”, relembra.
Nos primeiros 10 dias, as condições da estrada chegaram até a surpreender Colligan. Eram pistas pavimentadas e em boas condições, o que fazia seu monociclo de aro 36 rodar mais facilmente. Mas os últimos sete dias, depois de deixar o Tibet, não serão mais esquecidos pelo inglês. “Eu não esperava que os trechos off-road seriam tão duros. Foram os piores dias da minha vida, por causa da altitude, da condição do terreno e dos ventos fortíssimos”, conta Steve.
O mono que rodou mais de 1.000 quilômetros tendo apenas um pneu furado foi um Nimbus Nightrider 36’, ideal para percorrer longas distâncias e obter velocidade em trechos planos. Vencer as subidas e os trechos de pedras, sem marchas, e em apenas uma roda foi a causa do imenso esforço físico despendido. “Qualquer calombo do terreno podia me derrubar. Eu tinha que compensar minha posição no mono durante todos os trechos de irregularidade.”
Para aliviar o esforço, sua única alternativa foi variar entre os dois tamanhos de cassete que tinha levado – um menor para estradas planas e outro maior para as subidas ou terrenos de pedra. Um guidão estendido, modelo de série do seu Nimbus, ajudava Steve a apoiar seu peso no banco. Diferente dos monociclos de aros menores, esse modelo é equipado com freio, para melhor controle durante os trechos de velocidade e descida.
Além de vencer um desafio pessoal, e cumprir seu propósito de arrecadar fundos para a organização não-governamental do Nepal, o inglês trouxe de volta a lembrança da incomparável vista da face norte do monte Everest, e a passagem pelo monastério Rongbuk.
O que ele não esperava é que sua bike de uma roda só, com cara de brinquedo, fosse quase que hipnotizar crianças e adultos locais. “Eu não imaginava tamanha curiosidade. Foi o melhor quebra-gelo, e facilitou muito minha interação com o povo local. Foi perfeito”, celebra Steve.
Quanto aos filhos de Steve, Zak, de 5, e Tio, de 9 anos, os dois vêm aprendendo a se equilibrar em seus monos desde os três anos. E a grande responsável pela família de uma roda só é a mulher de Steve, Wendy. Há nove anos ela deu um monociclo de presente a Steve, e nem imaginava como isso iria fazer rodar a vida da família Colligan em um ritmo diferente. Para contribuir com a causa pela qual Steve pedalou, acesse: unicyclesteve.com
Bike de uma roda só
ALÉM DO MONOCICLISMO em terrenos off-road – o moutain unicyle ou muni, como se fala na gíria internacional do esporte – outras modalidades são praticadas sobre uma roda. Street, trial e flatland são variações do monociclismo que exigem componentes específicos, como o formato dos bancos, o apoio no garfo para colocar os pés na hora das manobras e o tamanho da pedivela. Os monociclos têm rodas de aro que variam entre 20 e 36 polegadas. Assim como as bikes de performance, quanto mais leve e mais resistente, melhor seu desempenho. Os garfos são o equivalente dos quadros da bike, e aqui vale o mesmo critério para a definição de materiais como alumínio, carbono ou titânio. Não há marchas, há apenas cubos especiais com duas velocidades. Freios e guidão aparecem apenas nos modelos para off-road ou para longas distâncias. Ainda não há nenhum tipo de suspensão que tenha sido adotado pelo mercado, já que nenhum dos protótipos teve um desempenho aceitável até agora. O esporte, que começou na mão de circenses e artistas, conquistou os primeiros adeptos na montanha na década de 1960. Somente em 1980 nasceu a modalidade freestyle, que vem ganhando o mundo.
Brasileiro na parada
NO BRASIL, UM GAROTO de apenas 15 anos, muito desenvolto com as palavras e envolvido desde cedo com as duas rodas, domina a cena nacional. Pedro Tejada foi o único piloto sul-americano a participar do último campeonato mundial de monociclismo, realizado em agosto, na Dinamarca. Participando nas categorias street e trial, Pedro ficou entre os 10 melhores do mundo de 14 e 15 anos no trial. Sua história vem literalmente do berço. Com o pai envolvido com motociclismo, Pedro aprendeu a andar de bicicleta aos dois anos. Entre os sete e 10 anos, seguiu os passos do pai, tentando vencer os obstáculos em cima da moto ou da bike, sem tocar o pé no chão. Por incrível que pareça, aos 11 anos já estava entediado com as duas rodas e partiu para o monociclo. Com cerca de dois meses de treino, aprendeu a se equilibrar na rodinha e chegou a andar num modelo girafa, de 2 metros. Tamanho talento, dedicação e uma ótima articulação internacional através dos meios sociais, com a publicação de vídeos e participação oportuna em fóruns, lhe garantiram o recente patrocínio da fábrica de monociclos do ícone mundial do esporte, o canadense Kris Holm. “Meu objetivo é fazer o esporte crescer no mundo. O Pedro é um talento, e eu estou muito satisfeito em ajudá-lo a aumentar a presença do esporte no Brasil”, falou Kris sobre a parceria.
Holm é reconhecido por sua audácia nas manobras e pela tranquilidade que transmite enquanto se equilibra em penhascos, pontes estreitas ou canos roliços. O segredo para tanta técnica, segundo ele, é sempre tentar realizar algo novo e nunca ter medo de cair. Ele também credita a experiência com a escalada ao bom desempenho no monociclo. “Os dois esportes exigem identificação de melhores caminhos, visão, muito prática e ótimo controle mental” finaliza.
Pedro tem bastante o que comemorar como parte do time da Kris Holm Factory Team. Além de ser o primeiro atleta da América do Sul, terá a chance de conviver com Holm e todo o restante da equipe em treinos e campeonatos. O próximo destino dele é o Extreme Unicycle Championship, na Alemanha, em janeiro de 2009.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2008)
BALANÇO: Abençoado pelas bandeirolas tibetanas, Steve se equilibra em seu monociclo com o monte Everest ao fundo
Fotos por Suresh Dulal
PARCEIROS: Steve e seu monociclo de aro 36, que tem freio, mas não marchas
ESTÁTICO: Pedro Tejada em cima do monociclo; sucesso de carreira