Por Mario Mele
O JOGO ESTÁ VALENDO. No outside da praia de Maresias, em São Paulo, os brasileiros Fabio Gouveia (ícone máximo do surf no país), Marcelo Trekinho (especialista em aéreos), Bruno Santos (tuberider que este ano faturou o título da etapa taitiana do ASP World Tour), Heitor Alves (uma das grandes apostas nacionais do surf competitivo) e Danylo Grillo (um conhecido free surfer) estão boiando, à espera das ondas. No entanto, ao contrário das baterias tradicionais do surf, nas quais quem está na água é rival entre si, o quinteto representa um time. Ou melhor, uma seleção: a brasileira.
Dias 8 e 9 de novembro, o Desafio Oi trouxe ao Brasil, pela primeira vez, o surf disputado por equipes – uma competição que foge completamente do modelo adotado nos eventos da Associação de Surf Profissional (ASP), onde os embates são “cada um por si”.
Para dar crédito ao batizado brasileiro nesse novo formato de competição, a seleção adversária escolhida foi a dos Estados Unidos, composta pelos experientes Tom Curren, Cory Lopez e Shane Beschen, e pelas promessas Clay Marzo e Asher Nolan. Para ajudar a seleção brasileira no difícil trabalho de bater a forte equipe norte-americana, dois experientes surfistas foram convocados para o apoio tático: Peterson Rosa, tricampeão brasileiro, e Pedro Muller, atual presidente da Associação Brasileira de Surf Profissional (ABRASP).
Em pé, na garupa do jet-ski, Peterson dividia o outside com seus “jogadores” e, a todo o momento, tentava prever as séries que chegavam do oceano para posicioná-los corretamente nas valas de Maresias. Levava ainda um rádio pendurado no pescoço, e o usava para se comunicar com o auxiliar técnico, Pedro Muller, que ficava na areia somando a nota dos surfistas e comunicando as alterações. Dos cinco surfistas, apenas quatro poderiam pontuar, já que ao final de cada bateria somente as quatro maiores notas eram somadas, sendo uma nota de cada competidor. Aquele que estivesse com dificuldade para arrancar uma boa pontuação era substituído através de um simples aviso à arbitragem.
A disputa foi no esquema melhor de três games, com cada game composto por quatro baterias de 20 minutos. Os times entravam na água alternadamente e, durante esse tempo, tentavam impressionar os juízes com um surf fluido, procurando as ondas mais longas para apresentarem manobras plásticas como aéreos girando em 360 graus. O vencedor do game seria definido após a somatória de pontos obtidos nas quatro baterias, e a seleção campeã seria a que conseguisse vencer dois games primeiro.
CT Taylor e Kyle Knox eram os técnicos norte-americanos que, assim como os brasileiros, a cada game tinham direito a cinco pedidos de tempo de dois minutos. Além de colocar ordem na casa, eles poderiam recorrer a esse “breque” quando as ondas custavam a aparecer. Naquele final de semana, o mar estava pequeno em Maresias, com séries bem demoradas. A maior dificuldade para brasileiros e norte-americanos era adivinhar qual onda era realmente boa. Mas, apesar de o excesso de calmaria ter prejudicado um pouco o espetáculo, não faltou torcida aos brasileiros.
“FOI MEU PAI, JOE, QUE PRIMEIRAMENTE TEVE a idéia de transformar o surf num esporte que atraísse mais a atenção do público”, diz o norte-americano Brad Gerlach, ex-surfista profissional de 42 anos e criador do atual modelo de competição entre equipes, conhecido nos Estados Unidos como The Game.
Brad disputou o circuito de surf profissional até 1991, quando, na reta final, perdeu o título mundial para o australiano Damien Hardman. Aposentado, se tornou um respeitado surfista de ondas grandes e também criou o carveboard, um skate que simula os movimentos do surf. “Também sou músico, então procuro ver o lado artístico das coisas”, diz ele, que fora da água é guitarrista da banda de rock Musket.
Para bolar as regras do surf por equipe, ele se inspirou na Ryder Cup, um tradicional torneio de golfe disputado entre as seleções dos Estados Unidos e da Europa. Já faz 77 anos que a Ryder Cup coletivizou o golfe, que, assim como o surf, é um esporte originalmente individual.
O primeiro campeonato aos moldes do The Game foi em 2002, na Califórnia, onde os melhores surfistas de San Diego duelaram com os melhores de Orange County. O evento teve a participação de Taylor Knox, Rob Machado e Chris Ward, entre outros.
No Brasil, Brad acompanhou de perto o Oi Desafio de Surf e, pela primeira vez, viu uma derrota do time norte-americano. “Parece que os brasileiros entenderam bem o jogo”, admitiu. Nossa seleção perdeu o primeiro game, disputado no sábado. No dia seguinte, virou o placar, ganhando o segundo e o terceiro games. Além de receber os aplausos da lotada praia de Maresias, cada surfista brasileiro embolsou US$ 9 mil.
“Minha idéia agora é instaurar um campeonato um mundial de surf nesse formato. Participariam Brasil, Austrália, Estados Unidos e outros países, e rolaria de quatro em quatro anos, como as Olimpíadas, para alimentar ainda mais a competitividade”, finaliza o dono do jogo.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2008)
CABEÇA: Brad Gerlach, o pai do campeonato de surf por equipe
ESPREITA: Equipe brasuca na tocaia de ima série. De pé, Peterson Rosa, o "técnico" do time