Por John Bradley ENTRE AS PESSOAS QUE LÊEM esta revista e também tiveram um ótimo dia hoje, você vai encontrar muita gente que deve um obrigado a Thomas Meyerhoffer.
Ele é um surfista californiano tradicionalista, que nasceu e cresceu na Suécia – parece doideira, mas é verdade: até seu sotaque sueco compassado tem aquele tom de despreocupação típico de quem pega onda – Meyerhoffer, 42 anos, é um premiado designer industrial, que criou ou refinou importantes peças de equipamento de surf, snowboard, esqui, motocross e windsurf. Companhias que vão desde Nike a Black Diamond já buscaram sua opinião, principalmente nos dez anos desde que deixou a Apple, na qual ajudou a lançar a revolução de design que levou ao iMac e salvou a companhia na década de 1990. E esses são os projetos dos quais Meyerhoffer pode falar. Muitos de seus clientes preferem manter suas parcerias em segredo, para que seus concorrentes não descubram que estão prestes a lançar um ambicioso novo produto de esporte ou tecnologia.
Mas Meyerhoffer não só ajuda específicas companhias. Ele transforma categorias inteiras. Em todo esporte outdoor, uma cultura de isolamento corporativo faz com que os avanços dos produtos sejam, na melhor das hipóteses, modestos. Um designer de bicicletas pode mudar de empresa para empresa de bicicleta, mas provavelmente não vai começar a fazer o design de esquis alpinos, o que explica em parte por que levou mais de um século para os fabricantes abandonarem as laterais retas pelos sidecuts (as laterais com arco). Meyerhoffer, por outro lado, vem da área de tecnologia e cita como suas influências gênios do design do meio do século passado, como Charles Eames e Alvar Aalto. Falando de equipamentos outdoor, ele consegue pensar de um jeito diferente porque nunca pensou do jeito tradicional.
Em 1994, ele projetou os primeiros óculos protetores para esquiadores curvos, o V3, da Smith. Na época, eles ainda pareciam àqueles óculos de oficinas que dificultam a visão periférica. Era como descer a montanha com viseiras de cavalo. A simples solução de Meyerhoffer foi bolar curvas nas lentes ao redor das têmporas. O V3 é até hoje um dos maiores sucessos de vendas da Smith.
Quando o fabricante de equipamentos de windsurf NeilPryde abordou em 2002 Meyerhoffer, pedindo que renovasse sua linha de velas, ele convenceu a companhia de reformular completamente o processo de construção. Os designers de velas costumavam pensar seu trabalho de um ponto de vista meramente utilitário, colocando os componentes estruturais onde era necessário. O visual vinha em segundo plano. “Dava para fazer uma vela de alta performance desse jeito”, explica o gerente de produtos da NeilPryde, Robert Stroj, “mas não uma que também fosse bonita”.
Então Meyerhoffer fez tudo de traz para frente. Fez um desenho de como queria que as velas se parecessem – arrojadas e limpas – e depois trabalhou com Stroj para fazer a reengenharia das estruturas fundamentais, de acordo com seu esquema de design. O resultado foi uma linha de produto de aparência tão radicalmente nova, que colocou a NeilPryde na capa da edição asiática da revista BusinessWeek e garantiu a Meyerhoffer o prêmio de ouro da Sociedade de Designers Industriais dos EUA. “No período de dois a três anos, todos na indústria mudaram suas velas para ficarem parecidas com as nossas”, orgulha-se Simon Narramore, diretor de marketing da NeilPryde, que foi quem contratou Meyerhoffer. “Esse é o legado de Thomas”.
Um ano depois, Meyerhoffer ajudou a Flow a reinventar os bindings de seus snowboards. Para resolver o que mais incomodava os snowboarders – a necessidade de sentar e lutar, sempre que desciam do teleférico, com as complicadas tiras dos fixadores de botas – a companhia queria um sistema de entrada que oferecesse o mesmo nível de controle de um binding com tiras. O design de Meyerhoffer permitira que o usuário deslizasse seu pé em um encaixe frontal ajustável, depois abaixasse o calcanhar para prender o suporte traseiro como uma alavanca. O processo inteiro leva uns 2 segundos.
“O importante é trazer uma nova experiência para o usuário,” diz Meyerhoffer sobre suas criações. “Não se escreve sobre produtos esportivos como se fosse arte. Se escreve dizendo ‘este equipamento vai te ajudar a ser mais rápido’. Mas ficar mais rápido não é uma medida objetiva para a maioria das pessoas. É uma questão de sensação. Se você se sente mais rápido, vai se divertir mais com a mountain bike ou vai surfar melhor. A percepção da experiência pelo usuário é o que tentamos produzir”.
NUM DIA FRIO e com neblina de final de primavera, fui de carro até a casa e estúdio de Meyerhoffer, em Montara, uma praia californiana a 32 quilômetros ao sul de São Francisco (EUA). O espaço de 270 metros quadrados, uma laje modernista de dois andares feita de vidro e concreto branco que ele comprou em 1996, ocupa um lote na encosta de um morro acima da rodovia 1. Na entrada fica um trailer Airstream, que Meyerhoffer está reformando para viajar até sua casa de féria na baía de Scorpion, em Baja. A garagem aberta guarda um imaculado e prateado Ford Cobra 1965, duas mountain bikes Scott e algumas dezenas de pranchas de surf. “Obviamente, ter a Califórnia como contexto muda tudo”, explica Meyerhoffer quando pergunto como o estado norte-americano alterou a trajetória de sua carreira. “Mas eu sempre fui um cara outdoor. Sempre tive muitos interesses diferentes, nunca fui um especialista”
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Com a cabeça raspada e uma barba bem aparada, ele poderia servir de modelo para as companhias para as quais trabalha, e se veste com uma casualidade ensaiada típica dos maiorais da costa Oeste dos EUA, que dividem seus dias entre se divertir na praia e ganhar muita grana. Nascido em Estocolmo, Meyerhoffer estudou em faculdades de arte e design de Londres e de Vevey, na Suíça. Depois de um breve estágio na Porsche em 1991 e 92, ele recusou uma oferta de emprego da empresa para aceitar uma vaga na IDEO, um gigante do design internacional. Os óculos V3 foi um de seus primeiros trabalhos para eles.
Em 1996, ele foi tirado da IDEO por Jonathan Ive, o agora legendário chefe de design da Apple. Ali, Meyerhoffer liderou a equipe que criou o eMate, um laptop translúcido que muitos consideram o precursor do iMac. “Para mim, era essencial que a gente jogasse as regras pela janela”, conta Meyerhoffer entre goles de chá quente. “Foi meio que uma jogada de maluco. Todos os computadores na época eram caixas beges, e a gente fez uma máquina translúcida, bastante orgânica”.
O próprio Meyerhoffer admite que trabalha melhor em ambientes menores e menos estruturados, onde fique livre para rabiscar idéias no meio da noite e ir surfar no meio do dia. Por isso, em 1998, saiu da Apple para trabalhar por conta própria. Ele não tinha a intenção de se concentrar na indústria do esporte – ainda faz design para muitas empresas de tecnologia – mas Smith chamou, na esperança de reproduzir o sucesso do V3. Na época, os capacetes estavam ficando mais comuns em esportes de neve, mas ninguém tinha ainda descoberto um jeito decente de integrá-los aos óculos protetores. A resposta de Meyerhoffer foi o Warp, que vinha com conexões externas que permitiam passar a faixa ao redor do capacete sem afastar os óculos do rosto do usuário. O design acabou se tornando o padrão da indústria, e empresas de produtos outdoor nunca mais pararam de ligar para ele.
Quando Meyerhoffer aceita um cliente novo, ele deixa claro desde o começo que precisa ser uma parte integral de todo o processo. “Eu faço o design do produto, mas sou só um componente da companhia como um todo”, explica. Em vez de cobrar por hora, como as firmas de design normalmente fazem, Meyerhoffer pede honorários fixos,ações da companhia ou, melhor ainda, royalties sobre o produto, o que ele acredita assegurar o envolvimento de ambos os lados.
Ele começa esboçando idéias a caneta ou lápis. Mas sua abordagem é mais no estilo guardanapo de papel que um caderno de desenho organizado. “Todos os meus esboços acabam em um pedaço de papel”, explica. “Como designer, você é treinado a fazer bons esboços: ‘Aqui tem uma idéia. Aqui tem mais uma’. É óbvio que eu vou precisar apresentar desse jeito aos clientes mais tarde. Mas, do jeito que faço design, quanto mais rabiscado, melhor”.
E quanto mais surf, melhor. Meyerhoffer e seus dois funcionários (há mais dois que trabalham em casa) tiram sua folga diária nas ondas da praia de State, em Montara, bem na frente da janela da sala. Ele alega que as sessões o ajudam a reconhecer e ajustar seus impulsos criativos.
“Nesse sentido, o surf é um grande exercício”, explica. “Se a onda não está lá, ela não está lá. Ela é feita a milhares de quilômetros de distância. Você precisa ficar na água e esperar esse pulso de energia chegar. Então é preciso estar na posição perfeita e bater os braços feito um louco para subir na onda. E é um momento que nunca vai voltar. Ele continua e então desaparece”.
EMBORA SEJA SUECO de nascimento, o trabalho de Meyerhoffer não se conforma com que se espera dos designers de linhas limpas da Escandinávia. Desde seus óculos de proteção até o Chumby – um computador do tamanho de uma bola de softball criado para ser o anti-iPod” – seus designs possuem uma sensibilidade que nada tem em comum com os conceitos típicos da Ikea sueca de formas e espaços austeros (rede de lojas no estilo Tok&Stok). “O design escandinavo é completamente quadrado e chato”, opina. “Eles usam uma fórmula para se chamarem de moderno, mas ele não faz nada. O mundo podia viver sem esses produtos”.
Suas pranchas artísticas em forma de ampulheta – um projeto pessoal de pranchas de surf em que vem trabalhando desde 2005 – parece com algo saído de um livro do cartunista Dr. Seuss. Um deles ficou exposto por oito meses no Museu Nacional de Design Cooper-Hewitt de Nova York. Meyerhoffer diz que a intenção das pranchas é fazer as pessoas pararem de se concentrar tanto no desempenho e se divertirem um pouco. A mesma filosofia se aplica aos seus recentes smartphones para a Openmoko, uma companhia de celulares de código aberto, que permite que os usuários troquem de operadora à vontade. “Ele tem uma forma completamente esquisita, assimétrica”, explica. “Grande parte disso vem das minhas pranchas artísticas. Estamos tentando projetar um produto que conta o que a companhia está oferecendo – não precisar ser um escravo da sua operadora de celular”.
O projeto que tem deixado Meyerhoffer mais animado no momento é um ambicioso plano de lançar sua própria linha de produtos no mundo do surf. Ele me fez jurar segredo sobre os detalhes, mas posso dizer que o surf nunca viu nada parecido. Sua visão é tão radical que, ou vai mudar o modo como as pessoas abordam o esporte, ou elas não vão entender nada.
O galpão onde Meyerhoffer faz suas pranchas fica atrás de sua garagem. O lugar, todo empoeirado, e decididamente low-tech, com pôsteres de surf pendurados em compensados de madeira e modelos de espuma para pranchas, jogados sobre estrados de madeira. É um forte contraste com os modelos CAD de estrutura de arame no iMac de 20 polegadas em seu estúdio de paredes brancas.
“Fazer shape de pranchas me ajudou a me concentrar para valer e apreciar a beleza de desenvolver um produto com as próprias mãos”, conta.
Pergunto a Meyerhoffer como, no final, ele julga o sucesso de seu design. “Como eu julgo?”, responde. “Com as vendas? Para uma empresa grande, pode ser. Mas talvez devesse ser como as pessoas gostaram dele e se realmente o usam”.
Ou, como diz mais tarde, “no final das contas, o que importa é a experiência que você tira dele”.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de janeiro de 2009)
INVENTOR: Meyerhoffer em seu trailer reformado em Montara, Califórnia (EUA)
Fotos por John Clark